29 de outubro de 2012

JUSTIFICAÇÃO DIVINA DO FACEBOOK

Primeiro, Deus criou os seres humanos. Depois, deu-lhes companhias. Deixou-os ficar assim por algum tempo, para ver se eles se habituavam. A seguir, deu conta que o acto de viver era para os seres que havia criado uma realidade complicada. Verificou que a maior parte da complicação resultava do facto de não saberem viver conjuntamente, apesar de necessitarem todos vitalmente de não se sentirem sozinhos. Ou seja: os seres humanos precisavam muito daquilo que não sabiam administrar presencialmente. Deus resolveu o embróglio criando o Facebook.

22 de outubro de 2012

OS "JOTINHAS"

O exercício mais ridículo e mais infantil é o do jogo-de-empurra entre pêésses e pêéssedês sobre o primado das culpas referentes à presente situação. “Foi Cavaco”, dizem aqueles ; “Foi Sócrates”, replicam estes. E fica por julgar o verdadeiro responsável, que é, em minha opinião, o actual sistema da Democracia partidocrática, onde estamos mergulhados. A ditadura do Estado Novo reorga nizara as finanças públicas dentro do pressuposto de que os direitos individuais não existiam e de que o “tudo pela Nação, nada contra a Nação” seria o mote justificativo do totalitarismo personalista, do qual avultava, como realidade suprema e intocável, a figura do Ditador. O 25 de Abril quebrou este quadro e possibilitou a emergência da representatividade democrática. Mas esta mergulhou as suas raízes no terreno da ficção. E a ficção consistiu em fazer gravitar a política não em torno de pessoas responsáveis e responsabilizáveis, mas em torno de Entidades vaporosas e metafísicas, chamadas partidos. Os novos partidos eram a cara de um regime que não se deixava fotografar. Deixou de poder dizer-se, como nos tempos de Salazar, que a política levada a cabo era a política de um ser humano individualizado, responsabilizado, agora em Democracia, pelos votos maioritários que os Concidadãos lhe outorgavam. Nada disso: passou a referir-se a “política socialista”, a “política social-democrata” a “política democrata cristã”, como se todas estas políticas surgissem por golpes de mágica, à maneira de Polichinelos, do escuro da História. Ou seja, estas políticas eram filhas de pai incógnito e, por isso, insusceptíveis de apresentarem bilhetes de identidade. Os partidos criaram então os seus serralhos, as suas coutadas de formação “cívica” e assim vieram a surgir as “jotinhas”. Os “jotinhas” foram aprendendo com “os grandes” toda a traquitana de golpes sujos com que a partidocracia se foi adornando. Estes meninos, nem estudavam, nem sonhavam com a obtenção de um emprego honesto. Queriam , isso sim, as conezias e prebendas que “os grandes” iam angariando no exercício das actividades vagamente “cívicas” às quais se davam. E foram aprendendo, uns e outros, que podiam dar-se a toda a sorte de golpaças, de explícitas vigarices, de açambarcamentos de “competências” em proveito pessoal, pois daí nunca iriam resultar punições exemplares. O regime foi resistindo, mas já a ranger, enquanto a ribalta do protagonismo político foi ocupada por gente que ainda possuía um laivo de vergonha e que pretendia, apesar de tudo, demarcar o espaço desta nova representatividade do anterior espaço de individualização ditatorial. Foi o tempo de Francisco Sá Carneiro, Mário Soares, Adelino Amaro da Costa, Álvaro Cunhal, Lucas Pires, Mota Pinto. Gente minimamente decente, apesar de tudo. Mas esta geração passou. E os “jotinhas” tornaram-se “grandes”. Esta “grandeza” não se escorava no humanismo de Sá Carneiro, nem na cultura de Soares, nem no requinte lógico de Amaro da Costa, nem na sólida intransigência ideológica de Cunhal, nem na capacidade de diálogo de Lucas Pires, nem no talento negocial de Mota Pinto. Suportava-se apenas no apetite boçal de mando. E revia-se em sinais exteriores de riqueza fácil: o automóvel de grande cilindrada, o fato talhado por “Rosa e Teixeira”, o sapatinho italiano, a gravata de seda. Por detrás de tudo isto, a nulidade, o primitivismo cultural, a inépcia profissional, o pontapé na gramática e no “concorrente do outro bando partidocrata”. O resultado de tudo isto aí está. Se este regime não for declarado acéfalo e morto, quem nos irá enterrar a todos serão os “jotinhas”. Para coveiros ainda servem. No intervalo, aconselhamos os pêésses e os pêéssedês a continuarem a jogar o seu ridículo joguinho do “culpa tua, culpa minha”.

14 de outubro de 2012

HYERONIMUS BOSCH

Pelo céu azul, sem sombra de quimera, // Navegava um casal no dorso de uma carpa. // Do peixe-carpa ninguém contou a história // Mas houve quem tivesse narrado a maravilha // De habitarem, nocturnos, no país dos prodígios // Certos flamingos roxos com bicos de cegonha. // Tudo isto acontecia nas margens da pintura // Pois a meio ficava talvez uma Fonte da Vida. // Ninguém soube se Bosch era o Deus excedente // Manejando pincéis de todas as cores planetárias // Ou se aquela tela celebrava um Demo sulfuroso. // Também ninguém foi capaz de dizer se Bosch // Era a Vida em forma de loucura ou apenas a Morte // Tão sensata com um flamingo roxo de pata no ar. // Mas sabe-se que aquele homem continua a singrar // Pelas pradarias do céu incontido e muito azul // Na companhia de uma fêmea, ambos montados // Numa carpa escamosa, escabrosa e feiticeira.

10 de outubro de 2012

AS SOPAS

Acho que as personalidades dos seres humanos podem perfeitamente ser deduzidas a partir das sopas que preferem. Por exemplo, um camionista de longo curso ou um jogador de râguebi só pode preferir uma sopa de feijão ou de grão-de-bico, com muito entulho de couve galega. Uma menina casadoira e com arrepios equívocos pela espinha acima optará, necessariamente, por canja de galinha. Um jurista pouco escrupuloso não esconderá que a sua opção será, infalivelmente, a sopa de pedra, sendo esta fornecida por si e os restantes ingredientes pela clientela. Uma Senhora muito pernóstica e muito “queque” proclamará a sua paixão por um “consommé”, de preferência cozinhado em tacho francês. Um adepto do Futebol Clube do Porto oscilará entre a sopa de carago e a sopa de “fruta”, ambas ainda por inventar. O Relvas não tem dúvidas nenhumas em afirmar a superioridade das sopas de cavalo cansado. Um major de artilharia ou um Senhor General como Almeida Bruno dirá que a melhor sopa do mundo é a de cozido á portuguesa, seguida de salvas de bazucas. E assim por diante. A Psicologia, nobre Ciência, não deixa de nos surpreender !

7 de outubro de 2012

MESTIÇA DE MISSANGA E GATO

Era uma linda mestiça // Que tinha um gato no colo // E missangas no pescoço // Cantava com bandolim // Canções deveras dolentes // E punha os homens doentes // Com vontade de sonhar // O seu amor impossível // Mas só o gato miava // No côncavo do seu colo // E só missangas corriam // Muito junto de seu seio // O que ficava no meio // Entre o gato e o seu colo // Era uma assombração // Ou uma consumição // Para homens que filavam // Só o miado do gato // E a mestiça cantava // Cantava com bandolim // Desejos machos sem fim // Com missangas misturadas // Escorriam nas escadas // Confissões de muito amor // Cerzidas com muita dor // Mas essa linda mestiça // Só afagava a pelagem // Do seu gato sem linhagem // Ficava assim o desejo // Pendurado nas missangas // Ou nos miados do gato // - Adeus mestiça de sonho // Abafo em mim certas zangas // - Adeus branco do capim // Deixa de pensar em mim // E se te vais para o mato // Recorda só o meu gato.