30 de novembro de 2012

ARITMÉTICA MINISTERIAL

Coelho chamou o seu mais próximo colaborador e interpelou-o assim : - Que horas são, por aproximação? O interpelado respondeu : - São dez horas da manhã , exactas, Senhor Primeiro-Ministro. Réplica : _Tudo bem, mas eu quero que me diga as horas dentro do estilo do mais ou menos. O outro : - Mas porquê isso, Senhor Primeiro Ministro ? O Primeiro : - Porque assim , mesmo que traga o relógio avariado, posso sempre dizer que acertei por cálculo, mais coisa, menos coisa. – Mas, Senhor Primeiro Ministro, eu dei-lhe as horas exactas. O Ministro: - Homem, veja se aprende comigo, a exactidão é impolítica, percebe ? E, olhe, daqui para diante quero que me trate só por Senhor- Segundo Ministro. Eu depois ajusto por defeito, percebe? – Percebo, Senhor-Segundo Ministro; mas o Segundo-Ministro não é Segundo por excesso ? O Senhor quer que eu diga mesmo que é por defeito ? E o do Eduardo VII não ficará incomodado ? – Não, nada. Você nunca mais aprende ! A gente desdramatiza o caso do Eduardo VI. – É VII, Senhor Segundo-Ministro. – Irra, está demitido ! ( E como escreveria o saudoso Millôr Fernandes, o pano corre … corre … corre … … … até meio …)

26 de novembro de 2012

HISTÓRIA DO PRATAS

HISTÓRIA DO PRATAS O Pratas era analfabeto e trabalhador rural. Nunca se chegou a perceber se era analfabeto por ser trabalhador rural ou se era trabalhador rural por ser analfabeto. Mas havia poucos que se dedicassem mais do que ele à laboração do olival. O patrão não queria outro para cuidar das oliveiras e dirigir a vareja. Metido consigo, homem de poucas falas, brilhavam-lhe os olhos quando lhe diziam : "Olha que o olival do teu patrão está lindo, mesmo bem composto, um primor !". Aí, o Pratas soerguia o peito e declarava, enfático : "Fui eu que tratei de todas as oliveiras, uma por uma". Um dia, a aldeia soube que o Pratas havia sido preso. Não fora um aprisionamento consequente de alguma patifaria. Constou que o Pratas fora engaiolado por "delito de opinião". Mas os homens mais idosos e graves da aldeia tiveram dificuldade em entender o razão do encarceramento, uma vez que o Pratas não dava opiniões. Só falava quando era requisitado para tal e, mesmo assim, os seus juízos eram breves, quase telegráficos. Depois, veio a saber-se que tinham vindo uns senhores da vilória mais próxima, gente engravatada e de sobrolho carregado, que o intimou a ir buscar a casa um pijama e o levou para a cadeia comarcã. O Pratas voltou a aparecer na aldeia passados uns bons quinze dias, com um olho negro e a manquejar. Perguntaram-lhe : - "Olha lá, oh Pratas, mas tu afinal foste preso porquê ?”. Ao que ele respondeu, seco e peremptório : - “Aquilo foi por causa do azeite”. E mais ninguém lhe arrancou uma só palavra. Quem estava dentro do segredo era o Ti Zé do Pego, que com ele estivera na tabernoca do lugar, três dias antes da prisão. Ao balcão, bebendo aguardente e trincando uns restos de pão de mistura, debruçavam-se alguns homens do lugar. Entrara um pouco mais tarde um fulano moreno, de chapéu mole, engravatado e de sobrolho carregado, que pedira uma água mineral e se apartara, soturno e vago, para uma mesa do canto. A conversa generalizou-se, mas só junto ao balcão. Às tantas, o Pratas disparou o seguinte : - “O azeite do pobre não é igual ao do rico”. Os amigos presentes não se ficaram e pediram- lhe explicações : - “Como é que é isso ?”. E o Pratas respondeu : “ Vocês já viram como sai o azeite da almotolia do rico e do pobre ? Não tem comparação. Na do pobre, o azeite sai em fio muito fino e com ele se regam as batatitas, como se o fio cantasse tiro-liro-liro-liro. Mas na do rico, o fio é grosso e escorre por muito mais tempo, por sobre uma boa posta de bacalhau e grelos, cantando o grosso fio lucas-lucas-lucas”. Dito isto, o homem moreno , de chapéu mole e gravata, levantou-se da sua mesa do canto, identificou o Pratas e disse-lhe que ele não perderia pela demora. O Pratas ficou-se silencioso e com um ar apatetado. Prenderam-no pouco depois. Moeram-no com pancada, lá na cadeia da comarca. O Pratas ficou-se com a sova, mas apenas percebeu, muito vagamente, que tudo aquilo se relacionara com o mofino tiro-liro-liro-liro e com o menos gravoso lucas-lucas-lucas. No dia seguinte ao do regresso à aldeia, despediu-se de capataz do olival do patrão e fez-se almocreve. Pudera !

21 de novembro de 2012

POR UMA DEMOCRACIA INCLUSIVA

Uma qualquer sociedade produz bens materiais e com eles pode dinamizar a sua economia ; também elabora ideias e promove a descoberta de novas teorias científicas e com base em tal constitui a sua cultura teórica, científica e tecnológica ; igualmente oferece aos seus elementos a possibilidade de administrar e gerir ou co-gerir os seus órgãos de decisão e de afectação d e meios, daí resultando o seu funcionamento propriamente político ; finalmente, as sociedades tentam organizar as suas formas de convivência da maneira mais harmoniosa possível. Assim sendo, fácil é reconhecer nos agregados humanos os seus vectores económico, cultural, político e social. Uma Democracia que se queira reconhecer adulta tenta aprofundar, o melhor que lhe é possível, este quadro fundamental de referência. Fala-se muito , nos dias de hoje, em Democracia inclusiva, sem que frequentemente se retirem do conceito as necessárias consequências. A Democracia inclusiva, por definição endógena, terá a necessidade de INCLUIR os respectivos Concidadãos na partilha de todos os bens gerados a partir da instância económica, política, cultural e social. Numa sociedade onde se aprofunde o fosso entre ricos e pobres, a Democracia está em recessão, pois exclui numerosas pessoas da fruição de bens e meios económicos. Uma sociedade que promove o desinteresse das suas partes componentes ao ponto de só votar uma percentagem insignificante do seu corpo eleitoral é uma sociedade anémica, do ponto de vista da Democracia política que pratica, o mesmo se podendo dizer no caso de um significativo número de elementos se negar ao envolvimento político por sentir que daí resultarão imputações crapulosas ou menos dignificantes . Uma sociedade que reserva a formação cultural apenas para uma elite, que corta bolsas de estudo aos estudantes mais carenciados e que paralisa a investigação científica e a produção teórica é uma sociedade incapaz de gerar uma verdadeira Democracia cultural. Finalmente, uma sociedade que exclui do direito à saúde, à habitação, mesmo ao lazer uma muito alta percentagem de Concidadãos e uma sociedade deficitária no âmbito da Democracia social. Ou seja : torna-se necessário proclamar, alto e bom som, que qualquer sociedade que apenas coloque em funcionamento a vertente política, com eleições periódicas e até com um número significativo de votantes, é uma sociedade onde a Democracia se vai realizando numa proporção insignificante e indignificante. A teorização republicana, desde os tempos da propaganda à época da sua realização histórica, sempre teve como seu desígnio a INCLUSÃO da Cidadania em todas as vertentes atrás assinaladas. Isto permite traçar sempre um diagnóstico da maturação democrática do todo social, com a vantagem de tal se poder realizar à margem das cartilhas ideoógicas estritas.

18 de novembro de 2012

HISTÓRIA DE UM NOVELO DE LÃ

Era uma vez um novelo de lã azul. O novelo era de boa lã e servia para muitíssimas coisas. Mas a utilidade mais evidente era a de poder fazer tapeçarias alentejanas. Estava o novelo, muito descansado, na prateleira de uma casa comercial quando entrou uma Senhora, muito afável, que perguntou ao marçano : "Diga-me uma coisa, meu jovem ; tem um novelo de lã azul para fazer tapetes ?". O Zé Luís (assim se chamava o marçano) olhou para a prateleira e replicou: "Temos aqui este produto. Mas não sei se a cor lhe interessa ". A Senhora afável pegou no novelo e afagou a lã com uma e outra mão. E disse : "Acho que está bem". E levou-o consigo. Mal chegou a casa da dita Senhora, o novelo foi misturado com uma infinidade de outros novelos, de cores variegadas : havia-os verdes, amarelos, castanhos e até roxos. E o novelo recém-comprado sofreu o vexame de lhe puxarem pelo rabo e o fazerem enfiar pelo buraco de uma agulha. Nunca fora tão maltratado. Sentiu ganas de se despedir e de voltar à prateleira da casa de comércio, onde tinha tido uma vida tranquila. Mas não o deixaram. A Senhora afável furou com ele uma espécie de serapilheira e colocou-o no penacho de um sultão, o qual, na tapeçaria, se encontava em exercício de ataque a um castelo cristão, dentro do qual existia uma moira cativa. Foi aí que o novelo de lã se sentiu honrado. Afinal, era muito melhor ser um penhacho no turbante de um sultão do que um pobre novelo na prateleira de uma casa comercial. E houve quem testemunhasse que ele segredou no ouvido da Senhora afável: " Fizeste bem em me ires comprar à loja do Zé Luís. Eu ali não passaria da cepa torta". A Senhora afável sorriu e respondeu-lhe : "Já o meu filho dizia a mesma coisa " . E continuou a trabalhar, cheia de fé e de optimismo. A história é verdadeira. A Senhora afável foi minha Mãe.

10 de novembro de 2012

A MERDEL, DIGO, MERKEL ou UM ELOGIO À ALEMANHA

... e a Merkel mandou chamar o Ministro do Tesouro e interrogou-o assim: - "Olha lá, oh Karl (ou Kroller, ou Konrad, não interessa), parece que a Grécia anda por aí a dizer por essa Europa fora que nos auxiliou muitíssimo depois da guerra e que nós somos uns ingratos. Que sabes tu disto ?" . O Kroller (ou Karl, ou Konrad, não interessa) deu um es talido germânico com a ponta da língua no palato da boca e respondeu: - "Chanceler, isso já foi há muito tempo. Quem se poderá lembrar de tal coisa?". A Merkel adoptou então o costumeiro ar de virgem ofendida depois de uma cópula insatisfatória e acrescentou : "Mas isto não pode ficar assim , Konrad" (ou Kroller, ou Karl, não interessa). O Kroller (ou Konrad, ou Karl, não interessa), cofiou com a pontas do dedo mindinho um bigode "à mosca", muito semelhante aos tempos em que a Alemanha se fazia respeitar em todas as praias da Europa e considerou, gravemente: " É preciso prestar "Achtung" a esses provocadores pelintras; irei providenciar". E, com um bater de tacões, abandonou o gabinete, prometendo regressar rapidamente com o assunto devidamente regulado. Merkel suspirou fundo, muito fundo e pensou com os seus botões : "Estes gregos andam mesmo a pedi-las desde os tempos da guerra de Tróia. Também, não admira. Uns pobres de espírito que fizeram guerra por causa da beleza de uma mulher ... Bahhh ". E mergulhou num relatório financeiro onde se asseverava que a banca germânica estava mais próspera do que nunca. Sorriu levemente, num semi-gáudio de filoxera estuprada e retirou de uma gaveta discreta um retrato em moldura de marroquim, que beijou com unção religiosa e para o qual falou assim : "Adolfo, meu querido, vou ter o que tu ambicionaste sem disparar um tiro". Nessa altura, ouviu-se um marcial bater de nós de dedos em porta oficiosa e irrompeu no gabinete o Krupp (ou Karl? ou Konrad ? ou Kroller? ... não interessa), que se fazia acompanhar por quatro homens gordos, vermelhuscos, movendo-se a passo de ganso, os quais reverenciaram a Chanceler com uma vénia até ao chão. O K. (ou K ? ou K? ou K?, não interessa) pigarreou, tirou do bolso um largo lenço com as cores da bandeira alemão, assoou-se a ele e declarou, batendo as sílabas: " Chaceler, estes Senhores representam os quatro maiores bancos da "Über Alles" e já foram informados da insolência grega. Negociei com eles uma exemplar punição para os miserandos prevaricadores”. A Merkel coçou o sovaco, que possuía à ilharga de um seio deploravelmente descaído, e indagou : “Que punição vai ser essa?”. O Koiso ( … não interessa) encolheu a barriga, susteve o ar no peito para o fazer mais majestoso e clarificou: “Vamos aumentar-lhe os juros !”. A Koisa (… não interessa) sentiu-se tão contentinha que abandonou a secretária e saltaricou pelo gabinete todo, como se sentisse ganas do voo de pássara, e obtemperou : “Está bem. Mas ficamos-lhe também com o Partenon !”

6 de novembro de 2012

OS MEUS GATOS

Cá por casa há quatro gatos. A chefe é uma gata gorda, com uma barriga enorme que quase arrasta no chão. Muito velha, mas sempre bem cuidada, tem uma pelagem às manchas pretas, brancas e castanhas, muito farta, mas pedindo escovadelas enérgicas, devido à diminuta energia da proprietária. Tem o nome de Filósofa, pois quando está acordada mantém um olhar cismático, que se derrama sobre as coisas com suprema indulgência. É ela quem tenta manter a harmonia do grupo, tarefa bastante acima das suas possibilidades, como se verá. Há também o Fugitivo, magro e ágil, gato de meia-idade , completamente negro, que ninguém consegue ver senão na hora em que se alimenta, pois dorme incessantemente nos esconderijos mais inverosímeis. Muito nervoso, sempre desconfiado, bate precipitadamente em retirada , sempre que vislumbra a mais pequena ameaça, real ou suposta. É doido por camarões, única forma de o fazer aparecer através da excitação olfactiva. O mais novo é o Vecingetorix, que possui a particularidade de possuir polainas brancas nas quatro patas e um espaço abaixo do pescoço da mesma natureza. O Vercingetorix descobriu que a sua função na vida é molestar o Fugitivo. Faz-lhe esperas, e sempre que ele sai dos buracos onde se aloja, criva-o de patadas, não raramente degenerando em coças monumentais. É nessa altura que a matriarca Filósofa abandona as suas cogitações e tenta apaziguar as hostes. Sempre à margem fica a Imperatriz. Esta é uma gata glutona e com uma expressão sobranceira. Com uns olhos parecidos com dois faróis e uma pelagem fartíssima e cinzenta, perece ter a certeza íntima de que o primado do grupo está garantido a prazo. Não dá treta a nenhum dos outros. Nem mesmo à chefe. Cultiva um isolamento altaneiro e quase pedante. Só perde esta especificidade na hora de distribuição da pitança. Nessa altura, mia desesperadamente e aceita mal a hierarquia da matriarca. Devora tudo o que se lhe põe á frente. Depois de saciada, retira-se com um ar digno e desdenhoso. Enquanto isso, o Vercingetorix aguarda o Fugitivo atrás da porta, para lhe aplicar mais um correctivo. Mas fica surpreendidíssimo quando este calcula um salto certeiro e lhe passa por cima. Estes meus gatos não deram origem a nenhuma história detalhada. A menos que se sustente que uma comunidade felina composta pela Filósofa, pelo Fugitivo, pelo Vercingetorix e pela Imperatriz contém em potência uma infinidade de peripécias a narrar. E – podem crer … – isso é muito verdadeiro !

2 de novembro de 2012

ANJOS E HOMENS

Anjos negros e alvos corriam // Por bosques ignorados. // Gládios da cintura pendiam // Prontos a decapitar pecados. // Do céu caíam só silêncios // Da terra subiam só lamentos // E os anjos entre arvoredos // Padeciam todas as dores // De falharem pecadores // Sem culpas mas com medos. // Anjos alvos e negros rumavam // À glória de se saberem inocentes // E dentro do peito bem calavam // O desgosto de almas impacientes. // Ouviu-se então a voz potente // Do maior dos anjos divinais // “Anjos caídos, que nunca mais // Seja vosso pecado assim flagrante; // Cuidais do mal como vosso amante // Não como alteridade a corrigir.// No vosso decair ireis penar // Essa perversidade no punir ! // Em homens vos irei transformar”. // Homens negros e alvos vagavam // Por bosques ignorados // Perseguidos por sombras de si // E por nuvens lentas que traçavam // Em céus espessos e carregados // O mistério do desconhecer // O enigma do não saber // Por que estamos aqui.