8 de outubro de 2010

SOBRE A REPÚBLICA

Entrevista concedida por Amadeu Carvalho Homem a António Gomes Costa. Jornal "O Regional", edição de 7 de Outubro de 2010.

Jornal ‘O Regional’ - 5 de Outubro de 1910. Valeu a pena a República?


Amadeu Carvalho Homem - Claro que valeu a pena. Temos hoje um conjunto de direitos, liberdades e garantias que a monarquia constitucional nunca assegurou. Somos cidadãos de parte inteira, ofereceram-nos o sufrágio universal e um estatuto de cidadania plena como nunca existiu no período monárquico. Há todas as razões para estarmos orgulhosos com a obra da República. E não esqueçamos que falar em República é mencionar tanto a Primeira República, ou seja, a que se escoou entre 1910 e 1926, como designar também a Segunda República, que se iniciou com a resgatadora revolução de 25 de Abril de 1974.

Quais eram as grandes diferenças, na altura, que motivavam o Partido Republicano a lutar pela implantação da República, criticando a própria Monarquia?


Portugal era um reino inteiramente ruralizado. As taxas de analfabetismo eram tamanhas, que apenas um quarto da população sabia ler, escrever e contar. A Carta Constitucional de 1826, diploma fundamental da monarquia, dava ao monarca o direito de vetar os diplomas legais, sem mais apelo ou agravo. O rei podia também nomear “fornadas” de Pares para a Câmara Alta e, portanto, fazer funcionar o sistema político no sentido dos privilégios aristocráticos. Por outro lado, na fase final da monarquia constitucional, quero dizer, a partir do Ultimato Inglês de 1890, o rei D. Carlos enveredou pelo mau caminho de dar cobertura a todas as aventuras ditatoriais, a maior das quais foi a ditadura de João Franco (que viria a ser grande admirador de Oliveira Salazar). Esta aventura conduziu em linha recta ao Regicídio de 1908.

Mas foi, certamente, uma República bem pensada e preparada…


Foi uma República pensada por um conjunto de teóricos e de revolucionários que sabiam bem a preocupante situação de Portugal e que procuraram encontrar portas de saída, alternativas, caminhos de superação que obstassem ao despenhamento e ao declínio sem remédio de Portugal. Entre estes teóricos podem contar-se Bernardino Machado, Alves da Veiga, Afonso Costa, António José de Almeida, João Chagas, Sampaio Bruno, Teófilo Braga e tantos outros exemplares cidadãos.


Quer isso dizer que os portugueses já se sintonizavam com o papel do Presidente da República e com as cores da bandeira nacional?


Os republicanos conheciam perfeitamente a diferença entre um rei, por definição vitalício e com o estranho “direito” de transferir a coroa para o filho varão mais velho, e um Presidente da República, representante temporário dos portugueses, que está absolutamente impedido de cumprir mandatos sem limite, uns atrás dos outros, e ainda mais impedido em deixar o cargo, por morte, ao filho mais velho (era o que faltava!). As cores da bandeira deram origem, depois do 5 de Outubro de 1910, a uma rija luta de argumentos entre os que pensavam que se deveria manter o azul e branco no estandarte da Nação, apenas lhe suprimindo a coroa real (lutavam por isto Guerra Junqueiro e Sampaio Bruno) e os que defenderam a ideia de que as cores deveriam ser mesmo substituídas pelo verde e pelo vermelho (foi o caso de Teófilo Braga). Desde o Ultimato Inglês que as bandeiras das manifestações republicanas apresentavam o verde e o vermelho. Acabou por singrar a tese dos que queriam a bandeira verde-rubra. E ela aí está!

Entende que Portugal poderia viver como uma monarquia similar à implantada noutros países, como a Espanha?


Lá poder, podia. A questão está em saber se devia. E, na minha opinião, não deve nem deverá. É que a história de Espanha é profundamente diferente da de Portugal. E depois de muitas décadas de bons resultados à sombra das Instituições republicanas, não há quaisquer motivos para se regredir à fórmula monárquica. Mas existe um outro argumento decisivo. Se vier a fazer--se um referendo sobre o regime a adoptar - como o desejam os monárquicos e como eu próprio o desejo - iria certamente concluir-se que Portugal é massivamente republicano. Os adeptos da monarquia serão talvez em Portugal uns dez por cento. Se forem... Por isso é que eu sou favorável, em princípio, a esse referendo. A questão ficaria arrumada de vez.


100 Anos sobre a implantação da República. Entende que ainda existem lembranças e respeito pelos anteriores reis?


A ignorância sobre a História de Portugal é hoje assombrosa e os poderes públicos não têm concedido ao conhecimento histórico o papel que ele deveria ter no nosso sistema de ensino. Mas eu penso, por parte daqueles que conhecem bem a História do nosso país, que os monarcas portugueses são reconhecidos e caracterizados no que tiveram de bom e de mau. Reportando-me apenas aos monarcas do nosso constitucionalismo coroado, eu destacaria pela positiva as figuras de D. Pedro V, o rei fundador do Curso Superior de Letras, em Lisboa, financeiramente alimentado com o dinheiro do seu bolso, e o rei D. Luís, que primou em levar à risca o princípio constitucional, segundo o qual “o rei reina, mas não governa”. E ninguém desconhece que, mesmo nos tempos da Monarquia Absoluta, Portugal teve a sorte de contar com grandes monarcas - como D. Dinis, como D. João II, entre outros.

Mas, no fundo, o que mudou nestes 100 anos?


O que mudou nestes últimos cem anos foi a imagem de um País. Dir-se-á que também poderia mudar com a Monarquia. Talvez. Mas as provas dadas pela monarquia constitucional não foram famosas. Somos hoje um Povo que se encontra na cauda da Europa desenvolvida, sem dúvida. É quase certo que também lá estaríamos se as instituições fossem monárquicas. Mas temos hoje, com as instituições republicanas, um clima de laicismo, de cidadania, de constitucionalismo e de tolerância que, certamente, não teríamos se não tivesse chegado a República.

Entende ser importante reflectir cada vez mais sobre o que se passou?


A reflexão histórica, sociológica, económica e cultural é sempre necessária para, em todos os momentos, ser “tomado o pulso” aos destinos de Portugal. É necessário, imperioso mesmo, que cada um de nós analise criticamente o que se faz - e o modo como se faz - em benefício de Portugal. Mas ainda é mais premente que todos nos interroguemos sobre se estamos, cada um de nós na sua função e no seu posto de trabalho - a DAR O MÁXIMO para engrandecer e tornar melhor a nossa querida Pátria.


A República, enquanto ideal, continua a ser o serviço da comunidade?


A República é servir a “res publica”, é servir a Comunidade dos Cidadãos, é servir a “causa comum dos Portugueses”. República é serviço público, desde que desempenhado com limpidez, com transparência, com honradez e com empenho. O falso republicano é aquele que, longe de servir a sua terra e esta boa gente dos cidadãos portugueses, se serve a si mesmo. Há hoje muitos e muitos maus republicanos - gente desonesta, gente corrupta, gente, lamentavelmente, decaída, gente que vendeu a alma ao diabo. É importante que se faça sentir a este género de gentalha que o Centenário da República não é deles, e, pelo contrário, se celebra CONTRA ELES.

De que forma os jovens vêm a República? Acha que a sua maioria sabe o que é e o que ela representa para o país?


Como já referi, os nossos jovens estão, infelizmente, muito mal formados e informados. A culpa não é deles. A questão é que o nosso sistema de ensino revela aspectos de quase calamidade. Aprende-se nas escolas pouco e mal. E a responsabilidade nem sequer é dos professores, pois estes estão completamente asfixiados por uma burocracia inútil e parasitária, que os prepara para tudo menos para poderem dominar bem as matérias que leccionam. É heróico o que os professores de todos os graus de ensino fazem nos seus postos de trabalho, atendendo à falta de condições que possuem e às inconcebíveis tarefas excedentárias que lhes são impostas. Assim, o que há a fazer é tentar continuar a obra escolar, no seio das famílias, das associações culturais e recreativas, dos diversos grupos que ornamentam a sociedade civil. É necessário chamar os jovens ao serviço da “res publica”. Mas para isso é necessário que lhes sejam dados bons exemplos. E os exemplos que lhes chegam “de cima” estão muito longe de se considerarem impolutos...

Mas entende que a mesma é defendida e aplicada nas escolas?


Não tenho a menor dúvida de que as nossas Escolas, nos seus diversos graus de ensino, são republicanas e ministram um ensino republicano. Mais, não duvido um minuto do papel fundamental que as Escolas desempenham no País, apesar das condições censuráveis em que têm de cumprir a sua missão.

Na sua opinião, o que se espera da República daqui para a frente?


Espera-se da República, daqui por diante, um espírito de auto-crítica e generosidade de dádiva. Espera-se uma República impregnada dos generosos ideais da sua origem. Que se imite o exemplo de Teófilo Braga que, embora presidente do Governo Provisório, embora Presidente interino da República, continuava a ir para o seu trabalho, servindo-se dos transportes públicos. Que se imite o exemplo de urbanidade e de humildade de Bernardino Machado, que saudava toda a gente, que cumprimentava com afabilidade e sem falsas prosápias todos os portugueses que a ele se dirigiam. Que se imite o exemplo dos revolucionários humildes, que foram, depois de proclamada a República, guardar os bancos, para que o dinheiro neles existente pudesse estar exclusivamente ao serviço de uma “República de todos”.
Que se imite o exemplo daqueles funcionários públicos que, mesmo instalados nos lugares cimeiros da Administração Pública, serviram sem roubar, tendo sido um modelo de honradez e de probidadeQue se imite o exemplo dos que não quiseram para si senão o que a lei determinava e que recusaram situações de privilégio mesmo quando esses privilégios lhes foram oferecidos. Lembrar aqui o modo como os antigos presidentes Ramalho Eanes e Jorge Sampaio exerceram a sua alta função é obrigatório.
É isto que eu espero da República Portuguesa futura.

3 de outubro de 2010

PELA REPÚBLICA ! VIVA A REPÚBLICA !

Com a devida vénia, transcreve-se o belo texto de Carlos Esperança, depois de obtida a necessária autorização. Obrigado, Estimado Amigo!

Porque sou republicano
Sou republicano porque recuso o carácter divino e hereditário do poder, porque sou cidadão e não vassalo, porque abomino o contubérnio entre o trono e o altar e porque um herdeiro do Iluminismo e da Revolução Francesa abomina vénias.
Sou republicano por me rever nas instituições que o voto popular sufraga e não nas que a tradição impõe. Aceitar os filhos e netos de uma qualquer família, para lhes confiar o poder do Estado, é abdicar do direito de eleger e ser eleito para as funções que dinastias de predestinados confiscavam.
Ser republicano é recusar o poder a quem não se submete ao sufrágio universal e secreto e negar o respeito a quem aceita funções de Estado sem legitimidade democrática.
Ser republicano é recusar o poder vitalício e exigir a legitimação periódica, para reparar um erro ou substituir um inapto, num horizonte temporal previamente determinado. Não há democracia plena em monarquia nem dignidade nas funções herdadas como se o país fosse uma quinta ou a Pátria uma coutada.
A República é o berço da democracia, o lugar da igualdade de género onde desaparecem privilégios de raça, nascimento ou religião, onde se aceitam todas as crenças, descrenças e anti-crenças, onde o livre-pensamento, a laicidade e a liberdade de expressão definem a matriz genética do regime.
Ser republicano é servir dedicada e abnegadamente o País sem se servir dos cargos que os eleitores confiam, ser honrado na utilização dos meios, sóbrio no exercício do poder e determinado na defesa do bem comum.
Ser republicano é exigir que homens e mulheres gozem de igualdade plena, que a escola pública seja a via para a equidade, a saúde um direito universal e a liberdade a conquista irreversível.
Ser republicano é, hoje e sempre, um acto de cidadania que tem a ética como baliza e a Liberdade, Igualdade e Fraternidade como divisa, projecto e ambição.
Viva a República.