20 de setembro de 2011

DE DANTE A RABELAIS

A “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, encerra a Idade Média e descerra a Idade Moderna. A comédia perdera, “in illo tempore”, direitos de cidade. Tinham ficado para trás o Aristófanes, das “Nuvens”, o Plauto, da “Comédia da Marmita” e da “Comédia dos Burros” e também o Terêncio do “Eunuco” e da “Sogra”. Mas a Idade Média quase viria a esquecer os legados clássicos. E esse esquecimento foi tão vincado que a própria palavra “comédia” perdeu o significado que os gregos e os romanos lhe haviam atribuído: passou a significar apenas “narrativa”, “enunciado de factos concatenados e recheados de peripécias”, “narração dramática”, ou seja, um dizer susceptível de produzir emoções. Assim se compreende que a obra de Dante se intitule “A Divina Comédia”, ou seja, a “narrativa dramática” que nos conduz à emoção, a qual não pode deixar de produzir-se quando as sublimidades do verso nos levam, em círculos lógicos, epopeicos, das danações dos Infernos à luminosa verdade do Céu. A comédia, a verdadeira, aquela que retomava e ampliava o eco das origens, essa ficou-se pela praça pública, nas momices dos “jongleurs” e, mais tarde, nas tropelias dos bobos da corte. E esse povo indiferenciado riu tanto e tanto que, precisamente também pelos fins da Idade Média e pelos alvores da Modernidade, ficaram criadas as condições para que se originasse um prodígio de sátira, se engendrasse uma gargalhada imensa e uma gigantesca torrente de graça, onde ficaram para sempre soterradas as seriedades e gravidades de todos aqueles que, por não serem povo, jamais souberam rir. Foi então que nasceu a obra de Rabelais. Foi então que o riso ganhou tais proporções que nem um Homero se atreveria a imitar.

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