26 de novembro de 2012
HISTÓRIA DO PRATAS
HISTÓRIA DO PRATAS
O Pratas era analfabeto e trabalhador rural. Nunca se chegou a perceber se era analfabeto por ser trabalhador rural ou se era trabalhador rural por ser analfabeto. Mas havia poucos que se dedicassem mais do que ele à laboração do olival. O patrão não queria outro para cuidar das oliveiras e dirigir a vareja. Metido consigo, homem de poucas falas, brilhavam-lhe os olhos quando
lhe diziam : "Olha que o olival do teu patrão está lindo, mesmo bem composto, um primor !". Aí, o Pratas soerguia o peito e declarava, enfático : "Fui eu que tratei de todas as oliveiras, uma por uma". Um dia, a aldeia soube que o Pratas havia sido preso. Não fora um aprisionamento consequente de alguma patifaria. Constou que o Pratas fora engaiolado por "delito de opinião". Mas os homens mais idosos e graves da aldeia tiveram dificuldade em entender o razão do encarceramento, uma vez que o Pratas não dava opiniões. Só falava quando era requisitado para tal e, mesmo assim, os seus juízos eram breves, quase telegráficos. Depois, veio a saber-se que tinham vindo uns senhores da vilória mais próxima, gente engravatada e de sobrolho carregado, que o intimou a ir buscar a casa um pijama e o levou para a cadeia comarcã. O Pratas voltou a aparecer na aldeia passados uns bons quinze dias, com um olho negro e a manquejar. Perguntaram-lhe : - "Olha lá, oh Pratas, mas tu afinal foste preso porquê ?”. Ao que ele respondeu, seco e peremptório : - “Aquilo foi por causa do azeite”. E mais ninguém lhe arrancou uma só palavra.
Quem estava dentro do segredo era o Ti Zé do Pego, que com ele estivera na tabernoca do lugar, três dias antes da prisão. Ao balcão, bebendo aguardente e trincando uns restos de pão de mistura, debruçavam-se alguns homens do lugar. Entrara um pouco mais tarde um fulano moreno, de chapéu mole, engravatado e de sobrolho carregado, que pedira uma água mineral e se apartara, soturno e vago, para uma mesa do canto. A conversa generalizou-se, mas só junto ao balcão. Às tantas, o Pratas disparou o seguinte : - “O azeite do pobre não é igual ao do rico”. Os amigos presentes não se ficaram e pediram- lhe explicações : - “Como é que é isso ?”. E o Pratas respondeu : “ Vocês já viram como sai o azeite da almotolia do rico e do pobre ? Não tem comparação. Na do pobre, o azeite sai em fio muito fino e com ele se regam as batatitas, como se o fio cantasse tiro-liro-liro-liro. Mas na do rico, o fio é grosso e escorre por muito mais tempo, por sobre uma boa posta de bacalhau e grelos, cantando o grosso fio lucas-lucas-lucas”. Dito isto, o homem moreno , de chapéu mole e gravata, levantou-se da sua mesa do canto, identificou o Pratas e disse-lhe que ele não perderia pela demora. O Pratas ficou-se silencioso e com um ar apatetado. Prenderam-no pouco depois. Moeram-no com pancada, lá na cadeia da comarca. O Pratas ficou-se com a sova, mas apenas percebeu, muito vagamente, que tudo aquilo se relacionara com o mofino tiro-liro-liro-liro e com o menos gravoso lucas-lucas-lucas.
No dia seguinte ao do regresso à aldeia, despediu-se de capataz do olival do patrão e fez-se almocreve. Pudera !
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