Amostra avulsa do novo Monte Sinai
Era uma vez um escritor velho de um país ainda mais velho. E era um bom escritor num país de sol e mar bastante. O dito escritor era comunista dogmático. O país não era tal. Um dia, deram ao escritor um prémio Nobel. E o escritor imaginou-se maior do que o país, porque nele não havia outros prémios Nobel, na sua particular habilidade, além do seu. O escritor quis então submeter o país à sua particular visão do mundo. Como este tivesse resistido, o escritor ameaçou com a abdicação da nacionalidade, apregoando que melhor seria que o país fosse anexado pela nacionalidade vizinha. E como esse país fosse ainda católico, o escritor desatou a invectivar o Deus da crença dominante a torto e a direito. O escritor estava cansado do país; mas – valha a verdade – o país começava a ficar ainda mais cansado do escritor. Daí que, quando ele decidiu ir viver com a mulher estrangeira para uma ilhota qualquer, onde podia à vontade submeter os calhaus à sua soberana vontade e à sua filosofia privada, o país deixou-o ir, sem pestanejar, com um vago sentimento de alívio a vibrar dentro de si. Ninguém lhe implorou para que ficasse, como ele esperava. As velhotas não rasgaram os vestidos e os jovens não representaram aos Poderes Públicos para que o escritor velho ficasse nesse país de sol bastante e mar q.b. … O escritor não disse nada, mas guardou no fundo da sua alma uma cólera muito semelhante à do Deus Iavé, divindade que dizia aborrecer mais do que tudo. Foi então que o escritor tomou a irrevogável decisão de irritar o país todo, sempre que a ele regressasse. E como o iria conseguir? Através do método bíblico: ou seja, mediante a afirmação ribombante, o raio discursivo atroador, as trovoadas do Sinai lógico, por alturas da subida deste novo Moisés ao seu cocuruto. Ora ( “em verdade, em verdade vos digo”) o que o escritor velho mais desejava era trepar ao cimo desse velho país de sol e mar bastante, depois, receber das mãos ossudas e necrófilas da Santíssima Trindade (Marx, Lenine e Estaline) as tábuas da Nova Lei e trazê-las, por entre avés e hossanas, aos gentios relapsos e mansos que mansamente o deviam aguardar. Porém, a História, impassível, iria repetir-se. Descendo das culminâncias do Nobel-Sinai, o escritor velho encontrou toda a matulagem – novos, velhos, burgueses, operários, desempregados e meninas casadoiras – a adorar o Bezerro de Oiro, num verdadeiro chinfrim anti-dialéctico. E o escritor velho regressou, melancólico, aos calhaus rolados da sua inóspita ilhota, onde o aguardava a mulher estrangeira, que lhe sorvia cada palavra como se viesse da boca de Deus-Padre, convertendo em dogma eterno cada uma das suas afirmações. Era lá que o velho escritor melhor se sentia. A vida, assim, valia bem a pena! Mas nem isso o aplacou definitivamente. De si para si, prometeu solenemente: - Eu volto, país maldito! E, para a próxima, levas mais!
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