Agora é a vez dos analistas. Serão muitos e de colorações variadas. E todos dirão, em concordância com o seu interesse ou a sua inclinação partidária, que o partido deles ganhou as eleições. Mesmo quem agora perdeu vai juntar a vitória antecedente ao previsível triunfo futuro, dizendo, com prosápia e entono: “Nós ganhámos, claro! Podíamos lá perder! ”.
Serão poucos os comentadores, analistas, autores de artigos de fundo, escribas de ocasião, articulistas e quejandos que se atreverão a fazer incidir a opinião dos leitores numa pequena particularidade que, só por ela, condena sem remédio e desqualifica sem retorno o actual regime. Refiro-me à taxa da abstenção eleitoral, que saltou dos 34,9% de 2005 para os 39,4% do ano em curso. É ela que torna pirrónico o triunfo dos que dizem ter ganho e faz insignificante a derrota dos que alegam não a ter sofrido. É ela que severamente repudia os farisaicos beneficiários do descalabro cívico a que assistimos.
Bem sabemos que o tempo estava bom e convidava a sair. Este argumento chegou a ser aduzido por alguns. Se tivesse chovido, seriam os mesmos preciosos opinantes a declarar que os eleitores, temerosos do frio, haviam decidido ficar em casa. A opinião pública vai julgando e condenando cada vez mais esta fórmula que alguns designam por “democracia representativa”. A questão toda está nisto: ou o regime não é digno do nome que ostenta, por não haver “democracia” que resista ao desprezo dos cidadãos, ou os representantes são indignos da “democracia” que dizem servir, humilhando-a sistematicamente, por sua culpa e responsabilidade.
Há razões, poderosas, inegáveis, conhecidas de todos, que esclarecem e justificam este voluntário afastamento das assembleias eleitorais por parte de quase meio “país legal”. Os responsáveis estão identificados e sobre eles já impendeu o infamante veredicto colectivo. Sabe-se, até, que a maleita não é apenas nossa, não se confina exclusivamente ao pátrio torrão, não é escalracho que apenas medre em agro lusitano. A Europa denuncia, no seu todo, este mesmo estado comatoso. O que mais espanta é que todos façam “vista grossa” à mortal doença, jogando com artifícios de simulação que já não são bastantes para esconder o desastre. Que se espera afinal? Que daqui a uns anos a abstenção suba a 75% ? E, depois disso, os estados-maiores da partidocracia instalada irão continuar a cultivar o autismo imbecil e o narcísico isolamento, reiterando incansavelmente, para a família, para a vizinhança, para o compadre, para o correligionário: “Afinal, bem vistas as coisas, lá ganhámos !”?
Por mim, prefiro declarar, sem alegria, mas cada vez com menor paciência: “39,4% de abstenção numas eleições legislativas? 39,4% num dia soalheiro e cálido? Não há dúvidas possíveis: perdemos todos!”.
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