A actual configuração do regime saído do triunfo burguês de 1789 e da revolução industrial do século XIX – alguns chamam-lhe democracia e outros até o grafam com maiúscula – gerou cidadãos de duas naturezas. Uns dominam a ribalta da economia, da política, da sociedade e da cultura e consideram, na proporção desta sua especial notoriedade, que o regime em causa é muito bom. Vão mesmo buscar a fala de Churchill, segundo a qual esse modo de planear (ou planificar?) a sociedade é a menor das maldades, o que equivale a dizer, trocando-lhe as ideias por trocos (e não por cédulas bancárias), que ele constitui, sem contradita, a maior das bondades possíveis. A cidadania dita “democrática” passou a ser tratada, segundo este dogma, tão católico como os da Igreja de Roma, como uma espécie de fundo de garantia ou caução de sobrevivência dos maiorais beneficiários do sistema. É singular que o Ocidente liberal considere satânico o fundamentalismo religioso do Islão (houve um Herr President que até falou em “Eixo do Mal” …) quando ele próprio segrega no quotidiano das suas gentes a subliminar mensagem de ser este o melhor de todos os sistemas. Assim se pratica a equivalência política do radicalismo corânico, sendo certo, contudo, que aquele outro não se divulga a partir das mesquitas ou das escolas do turbante mas a partir das grandes Entidades bancárias, certamente mais assépticas, e dos conluios da Alta Finança, seguramente mais criminosos. Os cidadãos de segunda classe, afastados de todas as culminâncias, são todos os dias condicionados, como o cão de Pavlov, a salivar pelas benesses em que se espojam os que, por malas-artes, regem o sistema. A dona de casa que conta os tostões de ceias escassas, o trabalhador por conta de outrém que reivindica nos triunfos do seu clube de futebol as vitórias que nunca serão suas, o miúdo da rua, que se afundará numa próxima dependência tóxica porque os pais só chegam a casa ao fim da labuta diária, mortos de exaustão, em suma, essa inumerável massa de humilhados esperançosos, encontra-se formatada, programada e crente. Há quem zele por isso, desde os estúdios de televisão às parangonas dos jornais, sem esquecer o suave bálsamo das revistas cor-de-rosa. O desespero é esconjurado pelos maiorais minoritários do varandim ocidental todos os dias e, especialmente, todos os fins-de-semana. É por isso que aqui, neste magnífico Ocidente “democrático”, em vez de rebentarem dúzias de bombas hebdomadárias, troam os números … do Euromilhões. Glória ao Deus das Alturas: chama-se Deus Dinheiro e anda agora com gripe suína, o pobrezinho.
14 de setembro de 2009
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