Quando Damiel e Cassiel volitavam
pávidos ou impávidos pelos céus de Berlim
e quando a pobre gente sofredora
por saber que morreria na mortalha da manhã
em certo dia, em dada hora, em contado tempo
na tumba antecipada de Berlim
quando toda essa legião de proscritos
do tempo de Berlim esventrado quis saber
se Damiel e Cassiel eram ou não apenas
imagens furtivas de cúpulas doiradas
ao sol ambíguo de Berlim
e perguntaram aos ventos, à trapezista,
ao acidentado, ao suicida, aos bandos
de estorninhos de Berlim (mas seriam
estorninhos mesmo a sério ou só a alma
dum cansado caminheiro a soltar-se da largueza
do sobretudo velho?)
quando enfim todos quiseram saber se
depois de cada agonia – diferida mas inexorável –
cada um poderia vir a ser um Damiel relutante
ou talvez um Cassiel reticente, anjos volitantes,
anjos expectantes, anjos mutantes de sítio e de sentido
na patrulha sem fim do chão contorcido de Berlim,
Wenders inseriu a expressão
PARA SER CONTINUADO ´
no fim do fotograma.
Foi então que todos e cada um procuraram na cama,
no sono do cansaço e da porfia
que chega sempre enxuto, exausto ao fim do dia,
o enigma indecifrável, guardado a sete chaves
nos sete céus afogueados de Berlim.
Vai Damiel ! ( se é que apresentas provas de existir)
Voa Cassiel ! ( se é que tens penas nas asas p’ra subir)
rasgai névoas e guerras
ide por todas as terras
anunciando como certas, em telhas altaneiras,
as improváveis e fagueiras promessas de Berlim.
Sem comentários:
Enviar um comentário