
31 de julho de 2008
SOLIDÃO NA MULTIDÃO

27 de julho de 2008
SIMBOLOGIAS GRATAS

23 de julho de 2008
HERÓIS E POLTRÕES
As sociedades guerreiras louvaram a figura dos heróis míticos, intemeratos, capazes de devastarem exércitos inteiros e de se isentarem dos mínimos vestígios do medo. Eram épocas de preponderância anímico-teológica, nas quais se acreditava em estranhos fluidos e eflúvios que transformavam em infinitude a própria modéstia corruptível da matéria corpórea. “Mirem, sim, o exemplo” daquele valoroso Aquiles, imerso num banho de inviolabilidade, mas suspenso pelo calcanhar que o haveria de vitimar. O pressentimento de que existe uma afinidade muito íntima entre os homens e os animais foi guardada na Idade Média, não apenas através da tábua de exemplos dos fabliaux, mas também através da escolha de simbolismos heráldicos de casas nobres guerreiras. Nos escudos e pedras de armas dessas castas belicosas preponderaram figurações de animais predadores, supostamente corajosos, indómitos, agressivos, como os ursos e os leões, as panteras e os tigres. Criaturas, essas, sem a sombra de um temor, sem a mácula de uma vacilação medrosa, sem um pingo … de humanidade. Afinal, em que consiste o heroísmo? Digam-no os lutadores profissionais de todos os tempos, digam-no os centuriões, os decuriões, os gladiadores, os pobres soldados das trincheiras. E diga-o também o conhecedor desta unidade biológica, psicológica, sociológica chamada criatura humana. O herói não é o dominador do medo. O medo é indomável, incoercível. O medo subjuga-nos a cada instante em que nos sintamos no limite das resistências e das possibilidades de sobrevivência. Heróis? Que bela fábula, que patranha bem cerzida! É o medo que faz o herói. Este teve sempre – e da mesma forma – o mesmo medo sentido pelo poltrão. O herói é o poltrão bem sucedido. Apenas isso, mais nada. O poltrão é o herói frustrado. E a distância que separa um do outro tem a espessura de uma folha de papel na vertical. O pânico do poltrão paralisa-o, inibe-o, aniquila-o sem luta. O pânico do herói rompe em frente e leva-o ao tudo por tudo. E leva-o a isso como lógica do próprio medo, não como lógica da sua superação. O pânico foi o mesmo. O que variou foi a oportunidade e até talvez o sado-masoquismo (o que Freud nos ensinou acerca do heroísmo é uma das páginas mais cintilantes da história da relatividade humana!). A história cultural da humanidade é um cemitério de mitos. O do herói é um dos mais desprezíveis, como vestígio de idades bárbaras e de militarismos idiotas. PS - A figura representa o triunfo de três heróis (um dos quais acocorado) sobre um poltrão. O poltrão é o que está a ser vergastado. Parece que ele dava pelo nome de Jesus Cristo.
20 de julho de 2008
ELOGIO DO CINISMO

17 de julho de 2008
A QUEM NOS QUER BEM
Aos Meus Amigos ProfessoresLuís Alves de Fraga e João de Castro Nunes.
Que viva quem nos quer bem
Na porfia desta vida
E quem nos der por cumprida
A razão deste entretém.
Quem me lê dá-me a certeza
De saber que vivo estou
E de conhecer que vou
No bom rumo da lhaneza.
Que viva quem nos quer bem
E quem nos dá alegrias
No vencer destas porfias
De saber o que se tem.
Cá por mim digo em verdade
Que por cada verso feito
Me sinto tão imperfeito
Quão falho de qualidade.
Cada vento, cada vela
Cada mar, cada saudade
Cada hora de trindade
Aponta uma nova estrela.
Sinto-me vogar no Além
Como se me desfizesse
Num caminho, numa prece,
Que tudo pede a ninguém.
Cada um guarde o que tem
A cada qual obrigado
Por destino destinado.
Que viva quem nos quer bem!
15 de julho de 2008
DE MONSTRIS
Se quiseres converter-te num monstro, não te esqueças de viver de acordo com os seguintes preceitos:1º - Considera sempre a diferença como uma ameaça, seja ela diferença de etnia, de opinião, de gosto subjectivo ou de estatuto social.
2º - Não acredites na generosidade. Invoca Hobbes e declara, em todas as situações, que “o homem é o lobo do homem”.
3º - A Liberdade será sempre para ti uma utopia generosa mas irrealizável, porque o que o ser humano necessita é de rédea curta e de chicote preparado.
4º - Proclama legítima e pedagógica toda a violência sobre as mulheres e as crianças.
5º - Descobre, nos actos de cada um e de todos, a hipocrisia de um entranhado calculismo, mesmo se, aparentemente, tais actos possam ter a feição de dádivas movidas pelo altruísmo.
6º - Desconfia da ingenuidade e não acredites na inocência. Todos deverão ter uma culpa escondida a expiar.
7º - Declara-te infalível na avaliação do comportamento alheio.
8º - Repudia energicamente a ternura, sempre que a vires assomar ao teu coração.
9º - Nunca aceites que alguém possa ser-te superior, quaisquer que sejam os planos da comparação com as tuas próprias realidades.
10º - Nunca sejas grato a quem te fez bem.
13 de julho de 2008
NOS CINQUENTA ANOS DA "CARTA A SALAZAR"
Faz hoje precisamente cinquenta anos que um grande português e um nobilíssimo bispo da Igreja Católica, D. António Ferreira Gomes, confrontou o ditador António de Oliveira Salazar com um documento denunciador do carácter aviltante do regime então vigente. Não se tratou exactamente de uma carta, como ficou impropriamente conhecida, mas de um memorial, através do qual aquele notável representante da hierarquia eclesiástica interpelava Salazar sobre os termos em que poderia ou não ser exercida a actividade política por parte dos católicos. Porém, antes de o questionar sobre tal exercício, D. António Ferreira Gomes examinava atentamente os mais salientes e controversos aspectos da medíocre vida pública do tempo. A chamada “Carta a Salazar” reconhecia que o Estado Novo semeara a miséria e a desesperança por largos sectores da população; que o corporativismo, adoptado como panaceia para desdramatizar as relações de negociação entre o Capital e o Trabalho, era um simples artifício para que aquele exercesse sobre este uma despudorada exploração; que a proibição da greve era uma violência à luz do direito positivo e uma ilegitimidade à luz do direito natural; que a distribuição da riqueza produzida estava longe de ser equitativa e pacificadora, antes produzindo nos mais carenciados o espírito de inconformismo e de revolta; que o “financismo à outrance”, praticado em Portugal, acabava por saldar-se num “economismo despótico”, traduzido “em benefício dos grandes contra os pequenos e finalmente na opressão dos pobres”. Numa palavra, D. António Ferreira Gomes lançava a Salazar e ao salazarismo o desafio de uma denúncia inteligente e fundamentada. Esse memorial, que deveria servir como enunciado de questões a tratar numa futura reunião entre o bispo e o ditador, transpirou para a opinião pública e suscitou nela uma reacção de pasmo. Pois quê? A Igreja Católica portuguesa, poder espiritual tido como conservador e encarado por muitos como cúmplice da ditadura, falava à tirania com o vocabulário de uma viril desafronta? A Igreja acomodada do Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, parecia situar-se nos antípodas desta outra Igreja incómoda, frontal e rebelde. Salazar reagiu ao seu modo provinciano e brutal: aproveitou uma saída do país do seu contraditor para, no regresso, lhe fechar a fronteira. E o bispo do Porto só regressou a Portugal em 1969, em pleno consulado marcelista. D. António Ferreira Gomes cumpriu exemplarmente, no seu pastoreio espiritual, aquela máxima que adoptara nos inícios da sua edificante carreira e que o mandava estar de joelhos perante Deus, mas de pé perante os homens. Houve na Igreja daquele tempo, há cinquenta anos, num país vergado à sanha de verdugos medíocres, uma Consciência que se recusou à capitulação. Essa Consciência foi a do bispo D. António Ferreira Gomes. Evocá-lo hoje é um dever de gratidão e um direito de cidadania.10 de julho de 2008
FOME E TRUFAS

O noticiário diz-me que os representantes dos mais ricos países do globo reuniram num qualquer lugar deste peregrino mundo para discutirem gravemente o flagelo maior da Humanidade: a fome. A conversa foi renhida. Tão renhida e séria, tão polémica e incandescente que fez … fome. As sublimidades foram então almoçar, acrescentando o noticiarista que o apetite era muito. Mas as vitualhas escolhidas revelaram-se à prova de quaisquer exigências estomacais e dos mais imperiosos assomos de requinte. Sabe-se que foram servidas trufas negras, vinhos preciosos e toda a casta de iguarias, dignas de Nero e do seu afeiçoado Petrónio. Como era de prever, o conciliábulo terminou sem conclusões, mas com muitos "tagatés" e votos de mútuas prosperidades, formulados pelos ilustres convivas. Todos falaram, aos brindes da sobremesa, nas crianças do Sudão, nos velhos da Etiópia, na penúria de certos pueblos mexicanos, nas patifarias de Mugabe e nas razias da tuberculose, já às portas da Europa, seguramente trazida por etnias magrebinas, em migratórias demandas, incómodas e pouco recomendáveis. Depois rumaram todos às suas casas, convictos de que o problema da fome no mundo é de tal maneira sério que se tornavam necessárias, para o resolver cabalmente, mais umas cinco ou seis reuniões, iguais à que decorrera. O jornal não dizia o mais importante, ao omitir que a vergonha é hoje um prurido escasso. Tão escasso como as trufas negras.
8 de julho de 2008
SAUDADES DE NÓS

7 de julho de 2008
REFLEXOS DE ÁGUA

2 de julho de 2008
ESPELHOS DA ALMA ?
