4 de agosto de 2013

POR CAMINHOS DO ALÉM

O Chico 76, conhecido por Papa Francisco, veio declarar que, de acordo com os exemplos de vida, os ateus poderiam ir para o Céu. Pessoalmente, confesso que desconheço qual será a IP ou a auto-estrada que deverei percorrer para ir para o Céu. E a minha ignorância vai ao ponto de também ignorar o itinerário para o Purgatório, bem como o trilho para o Inferno. Ora, a Instituição vaticanesca veio logo desmentir o Chico 76, declarando que ele estava equivocado: o destino de um ateu só poderia ser o Inferno. Fica-se sem saber quem é que manda na circulação metafísica das almas: o Vaticano institucional ? O Chico 76 ? Um dos dois estará enganado. Ora, isto perturba muitíssimo as férias dos defuntos. Imaginemos que um deles, ou vários, queriam ir passar férias ao Inferno, onde presumivelmente estarão as gajas boas. Que fazer ? Perguntar ao Chico 76 ou à Opus Dei ? É uma encravação ! Mas coloquemos como hipótese académica o caso de um crente, muito patife, querer dar uma olhada pelo Inferno. Ele poderá, neste caso, dar uma boleia a um ateu. Mas a meio do caminho aparecerá a Brigada Rodoviária Celestial a dizer : - Tenham paciência, não podem ir juntos. Tu, patife mas crente, vais dar um salto ao Purgatório, bebes por lá um copo, para purificar, e segues logo para o Céu. Quanto ab ti, homem justo mas incréu, seguirás aquele carreiro, pois só podes ter guia de marcha para o Inferno. Parece-me que os caminhos do Céu deverão funcionar ainda pior do que a nossa Junta Autónoma das Estradas. O que é plausível. As Juntas obraram sempre mal, desde as Juntas Militares às juntas de bois.

27 de julho de 2013

HISTÓRIA DE UM TURCO

Ela era brasileira. Pelo menos, falava um português com melaço. Para os que tivessem um evidente e esdrúxulo apetite, aquela outoniça quarentona ainda "marchava". Talvez por isso, ia acompanhada por um "portuga" muito verboso. Notava-se que ela acabara de chegar a Portugal e estava a "tomar-lhe as medidas". Ao País, claro. O trintão, talvez macho porque falava alto - mas com jeitos "larilas", porque se fazia capacho - o trintão que a acompanhava, fazia os possíveis por a ver deslumbrada com os bons serviços lusitanos. Irromperam, perto das três da tarde, por uma das carruagens do combóio Alfa, que iria rumar para norte, em minutos. Dizia o magano: - " Está a ver ? Está a ver ? Tem ar condicionado. Lá fora estão 28 graus. Olhe estes 22 aqui dentro ". A "brasuca", que me pareceu com sono, acenava que sim com a cabeça. E a carraça lusa prosseguia: - "Já apreciou os bancos? Ora sente-se lá !". E ela, a bocejar, lá se sentou. O tipo: " Boa cadeira, não é ? Cómoda ! Estes Alfa são sensacionais. E olhe que fazem, em certas alturas, 220 quilómetros à hora". E ela : - "Tou vendo ...". E ele : - "Agora tem de vir ver o WC". Ela : - " O ... o ... o quê ?" Ele : - " O que vocês lá no Rio chamam banheiro". Ela, cabeceante : - "Máis tem di tê, né ?". Ele, convicto: - "Mas este "banheiro" é mesmo moderno. Olhe bem, a porta é automática ; a água sai para a bacia de lavar as mãos quando se carrega com o pé ; se precisar de "verter águas" ... Ela, perplexa : - "Vertê o quê, moço ?" Ele, enrascado: - "Bem, se for com a bexiga entalada ... " Ela, levemente escandalizada : - Ah, isso, e então ?" Ele, vitorioso : - " É só carregar neste botão. Depois de, claro, depois de..." Ela, conformada : - "Oh, moço, então haveria di sé antis di ??? " Ele, em catadupa : - "E depois de fechar a porta, tem um dispositivo de duas cores para avisar as pessoas de fora sobre se o WC, bem, o "banheiro", está ocupado ou não. É como nos semáforos. Verde, pode avançar. Vermelho, está ocupado". Ela, vencidíssima: - " Tá, moço. Tá. Tá tudo muito bem. Olha, tá ná hora di partir. Muito obrigado por tudo, viu ?" Quando a "brasuca" ficou entregue apenas ao verde-amarelo dos seus próprios pensamentos, deu um quase imperceptível suspiro de alívio e recostou-se comodamente. Mas lembrou-se então que precisava de uma garrafinha de água para o resto da viagem. Eu estava no banco contíguo. Estudou-me, com disfarce, antes de me dirigir a palavra. E acabou por inquirir : - "O Senhor mi disculpi. Mas tém bar nesti trem ?" Eu, fingindo segurança total : - "Claro que tem bar, minha Senhora. Carruagem oito". E ela : - "O Senhor é portugueis ?" E eu, sem vacilar : - " Não, minha Senhora, sou turco. Vivo é cá há muitos anos".

23 de julho de 2013

O EVANGELHO DE CHONÉ

Parece que foi na Turquia que foram encontrados uns Evangelhos segundo os quais se "prova" que Jesus Cristo foi um simples profeta, anunciando a vinda de Maomé. De acordo com a "sagrada" narrativa, quem morreu na Cruz foi Pilatos, embora Cristo tenha subido aos Céus. Não me perguntem como, porque também não sei. Mas o Vaticano teria ficado muito preocupado com tais contares. Vamos por partes. Há três "religiões do Livro" : a judaica, mais antiga, a cristã, a intermédia, e a maometana, a mais recente. Os tais Evangelhos da Turquia "borrifam-se" para o Antigo Testamento e fazem a ponte entre a narração cristã e o linguajar maometano. Foi nesta altura que surgiu na ribalta o Professor Choné, directamente vindo da África tropical , fazendo questão de perguntar : Então e eu ? Sim, e eu ? Que despautério é esse de me ignorarem?". Ora, eu acho que o Professor Choné tem toda a razão. Desconfio , até, que vá ser encontrado numa gruta da Ásia Menor um novo Evangelho, necessariamente apócrifo, que estabelecerá a ponte entre as cuecas de Maomé e a roupa branca do Professor Choné. Reparemos que Choné não é apenas um profeta, com pouca água de banhos e muita raiz de cenobita. Ele é um caso notável da Fé. Cura calos; resolve "encostos" de inveja; fornece satisfações nocturnas a viúvas em estado de carência ; prevê a melhor altura de cobrar dívidas ; esconjura a iminência de adornos de corno em testas de maridos de fraca potência libidinosa ; favorece embeiçamentos de urgência por franganotas de soquetes; aconselha a melhor altura de pagar o dízimo dos Jeovás ; e, finalmente, disfarça o cheiro da catinga com biliões de litros de "patchuli". Além disto, anda a escrever um Livro. Será, seguramente, a "quarta religião do Livro". O Chico 76 , que agora sobrenada a abundante porrada das ruas brasilienses, já lhe prometeu uma audiência, contra o compromisso de Choné rasgar de vez o malfadado incunábulo de sua lavra. Mais: marcou-lhe uma audiência com o responsável máximo (depois do Chico) do Banco Ambrosiano. Ora, isto é um crime. Um imperdoável crime. Porque consta que no Livro de Choné se provava sem contradita que Maomé era o filho bastardo de Cristo e de Maria Madalena. E que Choné, ele, sem tirar nem pôr, iria subir ao céu depois de desviar em proveito próprio cinco anos de dízimas dos Jeovás. A Cultura Teológica é um espanto. Nem quero outra coisa !

3 de julho de 2013

O ENREDO

O Contínuo : Sr. Primeiro, sr. Primeiro-Ministro, está aqui o Ministro Portas para ser recebido por Vocência. O Primeiro : Entra Paulo, entra. Espera lá , pá. Eu só disse para entrares NA SALA! O Paulo : Desculpa , pá. Mas , sabes, há impulsos ... Bem, mas então que razões te assistem para me mandares chamar ? O Primeiro: Estamos codilhados, pá ! O Gaspar quer zarpar ! E nesta terceira tentativa, declara que não há submarino que o demova. O Paulo : Lá tás tu a "mangar" comigo. Mas o gajo quer mesmo "dar de frosques" ? O Primeiro : Verdade, verdadinha, pá ! E agora ? O Paulo: Deixa-me pensar três minutos. (O Paulo pensa 3 minutos) O Paulo: Já sei, pá, já sei ! Isto vai ser porreiro pranós ! O Primeiro. Que é que dizes? Ensandeceste ? O Paulo: Nada disso, pá. Ora escuta ! Deixas o gajo ir embora. Verdade seja dita, que não perdemos grande coisa. O gajo tem voz de prisão de ventre. O Primeiro: "Tamos" perdidos, pá ! O Gaspar era o nosso seguro de vida e levava e dava beijinhos nas fuças da Merkel. O Paulo : És um básico, oh PPC ! Ora escuta e vê se consegues entender. Deixas o gajo ir embora. Depois, vou eu ! O Primeiro : Ahn ???? Quê ??? Como ???? O Paulo: Olha lá, onde é que tu estudaste, pá ? em que capim ? Com que soba ? Presta atenção. O Gaspar demite-se. A seguir, eu demito-me. Tu fazes uma cena digna de Shakespeare. Toda a gente vai dizer que a coligação já foi. O Primeiro : E não foi ? O Paulo : Claro que não, meu calhauzinho com olhos. Repara que tu estás com uma imagem descolorida. Tens de a muscular. O Primeiro: Muscular ? O Paulo: Sim, colorir, muscular, o que quiseres, pá ! Vai ser assim. Quando eu me demitir, ninguém dará 3 tostões furados pela coligação. O Primeiro : E não é assim ? O Paulo: Não ! É a altura exacta de tu fazeres um "flick-flack" ! O Primeiro : Um quê ? Um quê ? Um quê ? O Paulo : Uma malabarismo. Mas olha lá , eu tenho mesmo de te ensinar tudo ? Tu estás em estado comatoso. O Gaspar da voz de ventre demite-se. Eu também. O Primeiro: E depois ? Estou atirado aos bichos ... O Paulo: Tás nada. Vais à TV, em horário nobre e declaras que não abandonas Deus, não alienas a Pátria, não renegas a Família. Ou seja, não te demites . Percebes ? O Primeiro : Não ! O Portas : Lá vou eu ter de explanar tudo. Homem, o "portuga" é marialva e toureiro. Ele , do que gosta mesmo, é de chiquelinas. O Primeiro: DE quê ??????? O Portas: Deixa. Tu vais transmitir uma imagem de governante "con huevos" ... O Primeiro : Com ... QUÊ ?????????? O Portas: Com "eles" no sítio ( que é o que eu não tenho, mas isso não vem ao caso). O Primeiro : Estou a ver. Tu e o Gaspar ..." reciclam-me" ? O Portas: Claro. Vais ser mais considerado do que o Nuno Álvares Pereira !! O Primeiro : Ah, ah, ah pois, pois ! E tu ? O Portas: Eu livro-me desta cagada e vou ser a Consciência do País ! O defensor dos contribuintes. O Robin dos Bosques da classe-média baixa. A reserva da Nação. Percebes agora ? O meu Partido será o Bom Ladrão do montículo de Gólgota. O Primeiro : De quê ? Donde ? O Portas: Deixa lá, deixa lá, eu qualquer dia ofereço-te o Novo Testamento. O Primeiro : Mas tu vais morrer, pá ? O Portas: Vou ! Mas para ressuscitar e para te comer as papinhas na cabeça. O Primeiro, alarmado : Para ME COMERES O QUÊ ?????????? O Portas. Deixa. Deixa. Põe de lado. O Primeiro : Mas ... mas ... mas ...e o Boliqueimes ? O Portas : O Boliqueimes é um zero à esquerda. Esse faz tudo o que a gente quiser. O Primeiro: Tou a ver. O Portas : Não tás, não. Mas deixa lá. Se isto correr mal, embarcamos num submarino e zarpamos para o nosso destino natural. O Primeiro : Mas qual é o nosso destino natural ? O Portas : Bruxelas, meu burro, Bruxelas ! O Primeiro: Por submarino ? O Portas : E lá tenho eu de lhe explicar tudo outra vez ... (O pano cai. Aos soluços. Ao longe, gargalhadas mefistofélicas) FIM DO DRAMA

19 de junho de 2013

BIBA A CÓLTURA ! BIBA ! BIBA !

Continuo a gostar muito de entrar em livrarias. O que por lá se aprende ! Hoje, toda a gente escreve e isso é um seguro sinal do estado dos tempos. A locutora , toda penteadinha na capa colorida, que nas primeiras dez páginas ensina a fazer bolos de bacalhau e diz a razão do falhanço da antepenúltima namoração. O treinador de futebol, cheio de garra, expondo a arte do dribling e omitindo a melhor maneira de corromper os árbitros. O panasca de dedo mindinho no ar, explicando como se penetra (credo!!!) nos segredos das tiaças de Cascais e de que modo pode ser-se apalpado (no metropolitano, evidentemente) sem ninguém dar por isso. O triunfador do último Big Brother, ensinando como é que se descobre se as mamas da Vanessa são legítimas ou cheiram a silicone. Os romances daquele fulano que ninguém conhecia, mas que hoje vende mais do que sardinha em véspera de Santos Populares, pois inventa cenas incendiárias de alcova, com seguro recurso a urtigas- de-cu-lavado e a preservativos a saberem a extracto de tangerina. E depois há muito livro de jogging, de decoração, de artes performativas, de lingerie, de kamas-sutras ilustrados ou apenas imaginados, de bonsais, de comida vegetariana, de técnica de iluminação japonesa, de suchi, de jardinagem, de ervas cheirantes curativas, de religião com fotografias garantidas da Nossa Senhora de Fátima, da Nossa Senhora de Lurdes, da Santinha da Ladeira (que Deus a guarde, coitadinha !), de São João Nepomuceno, de Santa Rita de Cássia e tudo o mais. Quem é que disse que a Cultura estava em crise ? Acontece, isso sim, que Vocês não frequentam livrarias.

18 de junho de 2013

O CRATO DO "EDUQUÊS" ...

O Crato da UDP // Quem o viu e quem o vê // Gosta de fazer chinfrim // Aos Professores, porque sim // Diz que há que trabalhar // Nenhumas greves fazer // E as normas acatar. // Oh Crato, vai-te coser // Com as linhas da pulhítica! // Não te esqueças de dizer // Numa linguagem mítica // Que sim, que não , também acho : // Mas o que tu queres é TACHO !

13 de junho de 2013

PADRE ? PRIOR ? NÃO ! VIGÁRIO !

Temos uma língua sonora e variada. Todos os sabemos. Mas , no caso da sinonímia, não escapamos ao mundo das nossas preferências. Por exemplo: uma sacerdote da Igreja católica pode ser designado por Senhor Padre, Senhor Prior ou Senhor Vigário. Tenho de confessar que privilegio o terceiro vocábulo. O primeiro é equívoco. Por que carga de água é que eu hei-de chamar "padre" a um magano que não me é nada ? E por que diacho é que ele é "padre", estando condenado ao celibato ? Padre de quem ? Depois, a proximidade de duas vogais - o A aberto e o E fechado - torna a vocalização pouco expressiva. Prior é um pouco melhor. Induz a visualização de um praticante de "skate". A palavra, primeiro, sobe por força do I, impulsionado por um R que vem mesmo a calhar. E depois desce apressada e envergonhadamente, deslizante para um O tímido. Um Senhor Prior só pode ser um praticante de "skate" pelos corredores das sacristias. Mas bom, mesmo bom, é o Senhor Vigário. Um regalo para os ouvidos e para as beatas da Sé ! Desde logo, o qualificativo sacro inicia-se com um V, que é uma letra vitoriosa e vibrante. Depois, o resto é algo de parecido com a música do "Cosi Fan Tutte" do meu homónimo. Um A aberto, mais aberto do que o decote de uma viúva. E logo um I , a suspirar por um "ai" de confessionário. E tudo se resolvendo, com unção, num U murmurante e casto. Vigário, sim ! Se eu mandasse, obrigaria o Xico 76 a escrever uma decretal, impondo que os sacerdotes deixassem de ser padres ou priores. É que, o que eles são mesmo, por imposição da idiossincrasia e do hissope, é VIGÁRIOS ! Ah, seus Vigários de uma cana ! "Cosi Fan Tutte"

6 de junho de 2013

HISTÓRIA DE UM FERTILIZANTE DE MARCA " LÁPARO "

Uma vez era um país, que tinha ervas com formigas. E as formigas comiam as ervas. Tal país também tinha pássaros. Os gatos devoravam as aves. Lá existiam também peixes. Os pescadores apanhavam os peixes e davam os restos de presente aos gatos. E um dia apareceu um láparo. Grosso e inútil. Ignaro e baboso. Vesgo de alma e verboso. Como já não havia agricultura, deixaram de crescer ervas comestíveis. E morreram as formigas. Como já não se trocavam sementes, os pássaros tornaram-se raros. E os gatos que devoravam aves, morreram na sua maior parte. Como os restos de peixe foram abandonados pelos pescadores nos cais, surgiram febres malsãs que colocaram os pescadores em urnas. Ficou só o láparo e os amigos, contando com a pitança e as raízes que lhes haveriam de chegar de uma lesma gorda e alemã. Mas quando a lesma se apercebeu de que o país já era apenas um cemitério fétido, disse ela para o secretário : país sem formigas ? nem gatos? nem aves? nem pescadores? só com láparos roedores ? Está na hora de caçar os láparos todos. Vamos fazer com eles fertilizantes industriais. Era esse o projecto do Adolfo. E foi assim. Era uma vez um país. Nem os láparos escaparam !

23 de maio de 2013

O MAGO GASPAR LÊ "COMICS" ...

O Mago Gaspar andou este tempo todo a ler revistas em quadradinhos dos EUA. E apaixonou-se por duas figuras: o Superman e o Batman. Daí que tenha decidido transpor para as suas pulhíticas as figuras que o seduziram. Hesitou muito (como é natural, atendendo ao cansaço das sinapses). Pensou, pensou, tornou a pensar .. e decidiu-se. Assim, certas medidas de incentivo às empresas dos amigalhaços serão designadas por SUPER-CRÉDITO FISCAL. Fica por saber se os funcionários do respectivo ministério serão ou não obrigados a usar roupa azul e vermelha, com um grande e maiúsculo S a meio do peito. Depois de tomada a decisão, o Álvaro-dos-Pastéis-de-Nata interpelou-o : - Mas por que razão utilizaste tu a inspiração do Superman ? E o Gaspar-dos-Cálculos-Marados logo respondeu, sem a menor hesitação : - Porque, Alvarito, a inspiração do Batman está guardada para o próximo saque das pensões. Bat, Bat, Batman ! Já entendeste ? O Álvaro-dos-Pastéis-de Nada fez que sim com a cabeça.

16 de maio de 2013

O DEVER E O SONHO

Há no Dever um estranho rumor // De funda decepção // No sonho, não. // Galgamos nele as arribas do Amor // E assim vamos subindo // Nas volutas do fumo lindo // Que vai reconstruindo na figura a cor. // No Dever ficamos prisioneiros // Duma submissão // No sonho, não. // É livre a Liberdade dos ribeiros // Da alma. // E calma, muito calma // Chega a tarde dos afectos fagueiros.// Há no Dever um dedo hirto // Que te indica um só e único caminho // Mas só o Sonho te livra do espinho // Desse rude chão dos nardos e do mirto.// É um Dever o Sonho // De viver devaneando pensamentos // Sem horários, sem regras // E sobretudo … sobretudo sem lamentos.

10 de maio de 2013

GASTRONOMIA GENESÍACA

Hoje lembrei-me da Bíblia, mais concretamente do Livro do Génesis, do Antigo Testamento. Isto aconteceu porque o almoço consistiu numa boa feijoada, cujo complemento, sápido e bem temperado, consistia em muita costela de porco. A minha primeira reflexão partiu direitinha para o Corão e para as suas interdições. Pobres dos muçulmanos, impedidos de saborear estas surtidas gastronómicas. Mas depois disto, para minha infelicidade, lembrei-me da Criação do Homem, a qual, como é sabido, foi bem distinta da que coube em sorte à Mulher. O ser humano macho nasceu de uma estátua de barro. O Vasto Senhor do Universo, para além de outras qualidades, era oleiro. Por isso, modelou uma estátua de barro, à sua imagem e semelhança, e depois inoculou nela a vida, com o seu potente sopro. Presume-se que, dado o vigor do sopro, Ele poderia ter dado um competente tocador de gaita de foles. Mas depois recordei o modo como a Mulher veio à vida comunitária. Aí, as coisas complicaram-se. Por um lado, o Divino Demiurgo, antecipando talentos de Hannibal Lecter, retirou ao homem ... uma costela. E foi com essa matéria-prima que ele chamou à vida a Mulher. Quando disto me lembrei, a feijoada perdeu para mim todo o sortilégio.

5 de maio de 2013

BREVE HISTÓRIA DO EURO EM PORTUGAL

Era uma vez uma moeda nova que entrou num país para substituir uma moeda velha. Esta última tinha cumprido honradamente a sua missão. Tratando-se de um meio geral de troca ao serviço de uma população pobre, lá tinha conseguido animar modestamente uma agricultura de subsistência, um comércio de bairro e uma indústria protegida. Não é que todos vivessem bem, longe disso. Mas os que contavam os tostões ainda não tinham perdido de todo a esperança. Quando a este País chegou a tal moeda nova, ainda por cima a substituir a saia preta até aos pés pela minissaia da "estranja", muita gente se pôs de cócoras. Que sim senhor, que até que enfim se tinha uma moeda forte, que já era tempo de sermos europeus e etecétera. Mas a moeda nova trazia as suas exigências. Uma delas era que , no tal país secular, se acabasse com a agricultura. Nem interessava que a dimensão rural da existência comunitária estivesse plasmada nos Pereira, nos Macieira, nos Pinheiro, nos Carvalho, nos Cerejo da nomenclatura pessoal. E vai daí, viram-se agricultores de sempre serem pagos para arrancarem plantios muito antigos de vinha ou sementeiras recentes de cereais. A seguir, a moeda nova, toda dengosa, apresentou outra reclamação. Era necessário abater a frota pesqueira. Ela pagava, pagava tudo. E viram-se tisnados e experientes bacalhoeiros a desfazerem metodicamente os barcos que até então lhes davam de comer. Claro que houve quem perguntasse como é que este tal Povo iria sobreviver. E a moeda nova, muito serigaita, declarou que iríamos viver do Turismo, do sol e mar das praias e dos velhinhos com bicos de papagaios e espinhelas caídas que a Europa do Norte, friorenta e plúmbea, iria mandar até nós. Assim se fez. Mas para que esta moeda, universal à Europa, ficasse satisfeita e se impusesse, os tipos de Bruxelas deram uma ordem fatal : -Gastem, gastem à tripa forra. Tudo a comprar casa nova e a mudar de automóvel. E disseram mais. Viraram-se para a politicagem e ponderaram - Vocês deixem-se de ser parvos. Tratem de enriquecer a bem ou a mal. Metam a mão no pote da compota , que nós cá estamos. É também assim que se faz no resto da Europa. E foi um " vê se te avias ". Quando cá chegaram os milhões prometidos, fizeram-se todas as tropelias. Até se viram funcionários públicos, que não sabiam distinguir uma teta de vaca das mamas da mulher legítima a construírem hipóteses de vacarias ... Meninos, foi um fartote. E a moeda antiga, já suprimida, ficou como memória distante. Agora rebentou a bronca. A moeda nova deu em puta. Mas só ofereceu serviços aos tais velhinhos do norte e à sacanagem de Bruxelas. E agora ? Agricultura ? Já era. Pescas ? Não há. Florestas ? Ardem como tochas, no verão. Por falar em Verão, houve no meios disto tudo um gajo que aprendeu com a moeda nova e se foi safando. Safou-se com as tais velhinhas de espinhela caída e de bicos de papagaio. Era e é algarvio. Não sei se já se reformou. Dá pelo nome de Zé Camarinha. Desconfio que a Europa recomenda a "profissão" a todos nós. A moeda velha é que se está a rir a bandeiras despregadas.

18 de abril de 2013

APESAR DO MEU SONO

Em tempos de breu as palavras sabem a pão ázimo: // Mastigamo-las na boca e ficam ali sem sabor e sem sal // Como coisas suspensas num tempo sem razão de ser. // E o que é deveras obscuro, definitivamente imperfeito // É que o Criador do mundo fique ali, mas em ausência : // Cataléptico, dessorado, nos braços de Morfeu adormecido // Mas capaz de ditar o que deveremos esperar, apesar de nós. // Magoa-nos este sinal de impotência, o ficarmos na margem, // O rompimento entre o que vai do meu juízo que valora // E o orgulhoso veredicto que me determina apesar de mim. // A velhice é sempre e toda minha, nunca da fieira do Tempo. // Encaro-te de frente, oh Sombra do meu Ser, e vou em frente, // Como o absorto sonâmbulo que quer ver, apesar do seu sono.

14 de abril de 2013

FERNANDO NAMORA, O GIGANTE MAL AMADO

Quando um dia se fizer, com imparcialidade, o levantamento da literatura portuguesa do Século XX – dando de barato que os portugueses ainda saibam ler … - dir-se-á que os literatos portugueses não souberam ou quiseram amar um vulto de gigante. Refiro-me a Fernando Namora. Era natural de Condeixa – aqui mesmo às portas de Coimbra. E isto constituiu um primeiro óbice para quem pensa que as aves canoras do triunfo e da popularidade só cantam nas árvores ( se árvores houver …) da Avenida da Liberdade, em Lisboa. Lisboa é o reino da “pategada” ilustrada, ou melhor, ilustrável. Como Portugal é macrocéfalo, e Lisboa se considera “grande cidade” (quando, verdadeiramente, é apenas um bairro simpático quando comparada com Londres ou Nova-Iorque) , a crítica lisbonense – um putedo inconcebível e insuportável reunido à volta do Grémio Literário dos caducos e da “folha de couve” do “Jornal de Letras” ( que hoje ninguém que se preze lê) – essa crítica da Capital e do Capital decretou, desde sempre, que só quem nasce por lá é “colunável”. Ora, Fernando Namora começou a escrever em Coimbra. E foi médico, profissão que o obrigou a percorrer as veredas do Portugal interior e interiorizável. Começou aí a sua desdita. A outra parte da impopularidade surgiu, quando se pôde pressentir, em função dos seus textos, que Namora não subscrevia tudo do dogmatismo neo-realista, ou seja, comunista. Namora nunca foi um escritor de Direita. Mas foi sempre um Homem Livre. E isso não lho perdoaram os sicários da cartilha marxista-leninista-engelsiana. Crês ou morres ? E, tranquilamente, Fernando Namora, do alto da sua impressionante densidade humana, respondeu : -Morro, se me puderem matar. Não puderam. Quem escreveu o “Fogo na Noite Escura”, sobre a vivência de uma certa Coimbra praxista e de um universitarismo decepcionante; quem redigiu esse espantoso testemunho sobre a saúde e doença dos humildes e miseráveis, dos ganhões e dos campónios, tendo por título “Retalhos da Vida de um Médico”; quem foi capaz de percepcionar o drama cruciante da vida por um fio e do amor interrompido que foi rotulado com o nome de “Domingo à Tarde” ; quem se debruçou sobre a peculiaridade do julgamento que os beócios da estranja lançam a um certo Portugal solitário e intrépido – e é este o tema dos “Adoradores do Sol”; quem foi capaz de trazer à tona tudo o que há de mais densamente e quase psicanaliticamente existencial nesse críptico texto que deu pelo nome de “O Homem Disfarçado”, não precisa de meia dúzia de Elviras abonatórias, empoleiradas no Castelo de S. Jorge, a decretarem à posteridade, como o pretendeu fazer António Feliciano de Castilho, meia dúzia de “celebridades “amigadas”, todas aos gritinhos, praticando novamente a “escola do elogio mútuo”. Fernando Namora está connosco. Em Condeixa. Aqui mesmo, perto de Coimbra. Onde lhe devotaram um museu. E onde, definitivamente, a sua memória se eterniza.

28 de março de 2013

UMA PITADA DE HUMOR NEGRO

No combóio Alfa de ontem, o assento atrás de mim era ocupado por um homem, dos seus quarenta anos ou menos, que entre a estação de partida e a de chegada realizou bem para cima de vinte chamadas do seu telemóvel. Como eu ocupava a cadeira da frente, não tive outro remédio senão saber que se deslocava para o funeral da esposa de um amigo ; e que o dito amigo continuava a ser sovina ; que este e a defunta nunca se tinham dado bem ; que ele ia tentar que o viúvo lhe pagasse um calote antigo ; que ele imaginava que esse dito viúvo "iria ficar muito bem, porque afinal quem era rica era ela , que a terra lhe seja leve" ; que por acaso até constava que a defunta, imediatamente antes de se revelarem os sintomas da última doença, desconfiava que o marido andava metido com uma certa amiga, por acaso viúva recente ; que a eventual cobrança da dívida até lhe daria muito jeito, porque a danada da crise era madrasta para todos. Isto foi calmamente partilhado com cerca de duas dezenas de outros amigos, alguns dos quais, ao que parece, também iriam ao funeral. Atenção que isto é uma ficção. Eu ontem até nem andei de combóio.

2 de março de 2013

HITCH

Tirei do bolso o meu Hitchcock // P’ra ver se me iria sentir viver // Duas vezes como a tal mulher. // Ou então p’ra me julgar a ver // A vida dos outros duma janela // Muito indiscreta e igual àquela. // Só não queria estar com uma perna // Partida, embora não me importasse // Mesmo nada da Grace ante-nupcial. // Pois é: o Mal, o Mal, o Mal, o Mal // E um famigerado duplo com cara // De Perkins, a fingir de bom rapaz // E aquele chuveiro com música de zás- // Zás-zás como se houvesse um bicharoco // Gordo e feio matando pouco a pouco. // Havia também uma casa velha, rangente // Com uivos de vento bem dolente e trinta // E nove degraus. Por mais que faça ou minta // Há pássaros no ar e nunca saberemos // Se eles nos atacarão em fúria e à bicada. // Num porto de mar onde já não há nada … // Seja assim ou assado, seja assim ou diverso // Com Hitch, evola o celulóide um aroma perverso.

12 de fevereiro de 2013

VIAGEM EM TORNO DOS CAPITALISMOS

Creio que hoje torna cada vez mais clara a evidência de uma profunda mutação na lógica interna do capitalismo, aliás em plena concordância com a previsão de Karl Marx : o velho capitalismo de teor individualista e liberal vai desaparecendo, cada vez mais tragado pelo gigantesco e anónimo capitalismo das corporações financeiras multinacionais. Hoje, quase dá vontade de rir quando se transfere o qualificativo de “capitalista” para o Senhor Mendes, que possui uma fabriqueta onde dá emprego a duas dúzias de trabalhadores. Conhece-se tudo deste Senhor Mendes: a marca do automóvel, os restaurantes que frequenta, o partido em que se revê, as amizades que cultiva, o clube desportivo da sua preferência, etc. Este Senhor Mendes julgou-se protegido por um sistema económico que lhe exaltava o espírito de iniciativa e as capacidades de gestão. Imaginou que tal sistema permaneceria imóvel, amigável e sempre atento às suas necessidades de expansão do negócio. Quando chegou a crise, provocada pela concentração capitalista em grandes potentados financistas internacionais, o Senhor Silva confiou nas virtudes do sistema e não ficou intranquilo. Mas cedo concluiu que o financiamento lhe era negado, que ninguém se preocupava com a diminuição dos seus lucros e que nem sequer sabia a quem recorrer para alterar a caminhada para o abismo da falência. Hoje, o capitalismo é sumamente tentacular e anónimo. As suas linhas de força são cerzidas em círculos económicos longínquos, onde apenas meia dúzia de eleitos se reconhecem nos hábitos alimentares, nas preferências desportivas, nos gostos circunstanciais e em tudo o que anteriormente tornava familiar o Senhor Silva na sua comunidade de implantação. Damo-nos conta que este Grande Pai silencioso e distante vai subvertendo tudo a seu gosto e em concordância com os seus objectivos de domínio mundial: já subverteu a normal relação de negócio entre os homens, está a subverter a Democracia e amanhã acabará por subverter a própria esperança na mera possibilidade de um futuro melhor. Os milhares ou milhões de Senhores Silvas irão concluir que ESTE capitalismo lhes matou, sem remédio e sem escapatória, O OUTRO distante capitalismo, em que ingenuamente acreditaram.

8 de fevereiro de 2013

AVENTURAS E DESVENTURAS DO COMENTARISMO LUSITANO

(A imagem apresenta um "portuga", depois de ouvir os comentaristas cá do burgo) O Senhor Doutor Rebelho de Souza bota figura e discursata aos fins de semana. Aproveita também para ser comentador de livros, que apresenta às toneladas, como se os tivesse lido todos. O Doutor Rebelho é inquestionavelmente uma figura nacional e merece-o. Para tanto, já mergulhou intrepidamente nas águas do Tejo, ali no “mar da palha”, para que tal constasse do currículo. Refiro-me ao mar e não à palha. Durante muitos anos, este nadador, da estirpe de um Batista Pereira – que , coitado dele, não apresentava livros à tonelada – deteve o monopólio do comentarismo português. Perguntar-me-ão o que é o comentarismo português. É um jogo, ao que suponho bem remunerado, onde um “chico-esperto” decide passar um atestado de imbecilidade ao resto da população. E como o Doutor Rebelho é bem falante, usa fato completo e tem resposta para tudo – desde a alta política à baixa intriga e desde o futebol ao futesal – esta restante população fica convencida que o homem é mais sábio do que a antiga biblioteca de Alexandria, o que não admira, dada a profusão da livralhada que o Cérebro digere de véspera. Acontece que o comentarismo português foi recentemente adornado com outro cromo. Refiro-me a um tal Mendes de Marques, pequenino e não dançarino. Mas aqui, dá-se um caso singular, que muito deverá irritar o Doutor Rebelho. É que o seu competidor, Mendes de Marques de seu nome, mais pequenino do que um grão de arroz, possui sempre a informação privilegiada sobre o que o governo fez, está a fazer e irá fazer. Se eu estivesse na pele do Doutor Rebelho, o Doutor Mendes de Marques não escaparia a uma sova valente, coisa que não deveria ser difícil de obrar. É bom que se diga que isto de ter informação privilegiada não é crime nenhum. Um tal Senhor Silva também a teve e até ganhou com isso uns tantos carcanhóis. Tal façanha deu-lhe o direito de vir para a televisão dizer que teria de nascer duas vezes qualquer fulano que se apresentasse como mais honesto do que ele. Como eu só nasci uma vez, não estou à altura de contrariar a asserção. Mas voltemos aos nossos heróis. O Doutor Rebelho fala, fala, fala, mas como não tem informação privilegiada acaba por ser sistematicamente impreciso, improfícuo e verboso, além de desonesto, mas isto só pelo facto de , ao que se imagina, só ter nascido uma vez. O Doutor Mendes de Marques, detentor de todos os segredos e conchavos do Executivo, consegue alcançar “rankings” apreciáveis de rigor, exactidão e pertinência. Claro que isto se deve à circunstância de ter – com toda a certeza – nascido duas vezes. Pudera! Se só tivesse nascido uma, não chegava a ser um comentarista. Era um quarto de comentarista, em forma putativa. E é assim que vai o exercício do comentarismo cá pelo burgo. Agora vou jantar, que estou cheio de fome. Vou comer um bom arroz de polvo. Espero que não tenha sido pescado – o polvo, bem entendido – no “mar da palha”. Caso contrário, arrisco-me a comer quem eu não quero, em forma de grão de arroz.

4 de fevereiro de 2013

NO HOJE DUM PASSADO

Bem queria ter das águas // A subtileza. // Navegaria em barco de papel // Num lago de Beleza.// E depois convidaria // Um daqueles meninos // Do meu tempo de infância // Cheia de caracóis // Para com ele descobrir // Se no tal lago // Peixes haveria. // E se não os houvesse // Oh, como eu faria // O meu papel de mago // Eu só e o menino // Junto ao lago // Sonhando oiros e sóis // Iguais aos caracóis. // Adeus meu cândido menino // Adeus jardins de sonho // Vá lá, vá lá // Que não fiques tristonho // Só por teres crescido… // É bom sorver // A luz amarelada desta tarde // Que tão breve arde // Pela tarde // No jardim de mim. // Vá lá, vá lá // Faz-te sonho, menino e jardim // E aquela tarde soalheira // Entre todas a primeira // A pulsar // A vibrar // No hoje dum passado // Sem fim.

1 de fevereiro de 2013

FEMININO VS. MASCULINO ou OS IDEAIS DE BELEZA

A Bardot fez a passagem do tipo-ideal feminino da minha geração – seios generosos à Loren, lábios grossos e sensuais à Magnani, olhar firme e profundo à Moreau – para o tipo de beleza que Mary Quant e a sua minissaia passaram a advogar. Ou seja, a ninfeta escorrida, vibrátil, ousada, com “todas as coisas no sítio”, mas sem hiper-abundâncias de nenhuma espécie ou natureza. Não sendo grande autoridade para opinar, parece-me, contudo, que o estereótipo de beleza masculina não obedeceu exactamente aos mesmos critérios visuais que serviram todos os machos para qualificar e saudar entusiasticamente o “belo sexo”. Ou seja: hoje, uma Loren ou uma Magnani não impressionaria grandemente um adolescente. A Bardot dos velhos tempos, talvez. Mas estou em crer que o olhar de menino perdido de um James Dean ou o existencialismo de conduta de um Marlon Brando continuariam a provocar suspiros nostálgicos em certos travesseiros feminis. Se for assim – e eu não tenho a absoluta certeza que o seja – isto comprovará que a figura masculina varia menos, como padrão de beleza ou de tensão pulsional, do que a feminina. Já nada digo quanto à usura do tempo na imagem do macho e da fêmea. Não estou para ser crucificado. Sobretudo pelas Magníficas Senhoras que me frequentam a página e que eu tanto prezo. Cala-te, boca !

25 de janeiro de 2013

NOVAS AVENTURAS DE VERCINGETORIX

( A fotografia reproduz, com fidelidade total, o próprio Vercingetorix) O meu gato Vercingetorix está agora diminuído. Ou porque esteja constipado ou porque lhe tenha aparecido um pólipo na laringe, passa o tempo todo a roncar baixinho, no acto de respirar. Isto constitui para ele um grande transtorno. É que ele é o guerreiro indiscutível cá de casa. Basta referir as emboscadas heróicas, cumpridas atrás de todas as portas, para surpreender o Fugitivo, gato medroso que só aparece para comer ou beber e que, mesmo assim, está sempre de pata no ar, apto a bater em retirada, no caso de suspeitar de algum perigo. Ora, a partir do momento em que o Vercingetorix ronca – e ronca audivelmente – o expediente do esconderijo perde o seu secretismo. E é ver o pobrezinho, tardes inteiras, em posição de ataque, sem que a vítima apareça uma só vez. Como o alvo favorito já não vai na conversa, o Vercingetorix começou por ensaiar alvos em alternativa. E foi meter-se, pobre dele, com a Czarina. Ora, a Czarina tem muito mais unha do que o Vercingetorix. É uma gata imperial, de indiscutível personalidade, que nunca suspeitou, nem ao de leve, que um tenro de um Vercingetorix se atrevesse a acometê-la. Por isso, o primeiro – e último, digo eu – ataque bélico do putativo lutador à aristocrata teve o desfecho previsível. A Czarina ficou primeiro especada, como quem não acredita no miado pífio e plebeu do Vercingetorix. E, logo a seguir, ferrou-lhe a coça mais monumental que registam as crónicas dos gatos. É triste assistir ao quadro de um guerreiro de raça a fugir desabaladamente à frente do pêlo eriçado da Czarina. Eu, que isto vislumbrei, nutri nessa altura pelo Vercingetorix uma infinita piedade. E estou decidido a patrocinar-lhe , na clínica veterinária, a necessária operação para que desapareça o comprometedor ronco. E não darei parte disto ao Fugitivo. Aliás, este Fugitivo, exemplo denodado de cagaço, é tão furtivo que só me foi permitido dar conta dele quando o Vercingetorix lhe ferrou sovas homéricas. Ora, se eu tenho gatos em casa, é para poder vê-los. Já tenho saudades da camuflagem silenciosa do Vercingetorix, pelas picadas das portas deste seu lar. E que ninguém tente demover-me a fazer dele um campeão de "full-contact" .

20 de janeiro de 2013

PARA UMA PSICANÁLISE DO PORTUGAL DE HOJE

Povo de camponeses e pescadores, fomos um todo social que ruminou a sua própria pobreza de meios. Lavrar o campo ou colher do mar os frutos possíveis, nisto consistiu o destino dos nossos maiores. Foi essa escassez de riquezas que nos levou aos descobrimentos marítimos. Estes teriam sido motivo de orgulho e ufania para os Grandes do Reino. Para os pequenos, para os embarcadiços sem fortuna, a demanda do Reino do Preste João foi apenas a oportunidade de não rebentar de fome. "Os Lusíadas" - há que afirmá-lo - foram a epopeia dos filhos d'algo, jamais o espelho da arraia-miúda sem amanhã. Esta foi aplacada a golpes de Evangelho, com frades estonteados a guinchar de púlpitos histéricos que a miséria do hoje, a fome do agora, estava prestes a ser resgatada no amanhã da Eternidade. A Inquisição garantia a obediência de algum recalcitrante. E este era conduzido ao braseiro com a mesma impassibilidade com que era conduzido o coirão de um porco à matança e ao estonar das cerdas. Era aquilo um Povo? Lérias ! Aquilo era tão somente um magote de animais de rosto humano que os mais ladinos ajoujavam de obrigações e privavam metodicamente de todos os direitos. Foi assim toda uma existência multissecular. E desta hauriram os poderosos um jeito senhoril e imperial de reivindicar sacrifícios em proveito próprio, como se estes não apresentassem o rosto abjecto da espoliação forçada mas simulassem a face augusta da Justiça sem mácula. Tais antecedentes explicam tudo deste nosso presente. Os tiques dos poderosos são os mesmos, sem tirar nem pôr. E o jeito conformado dos pobretanas apenas reproduz o cagaço de que venha por aí alguma nova Inquisição, com um padreca intonso a resmonear uma “Avé-Maria” e a novamente acenar com uma Bem-Aventurança, administrada de acordo com o breviário, ou seja, a atingir depois de se ter esticado o conformado pernil. Somos o que somos. E é pena. Portugal, enquanto Povo, enquanto História, enquanto Identidade, tinha condições potenciais, já não digo para ser grande, mas para ser Ele-próprio, sem vergonha.

16 de janeiro de 2013

O DRAMA DO MARIDO DA MADAMA

Quando se discutia, aqui há uns anos, a viabilidade de um sistema económico e político para Portugal, havia quem sustentasse coisas que nos pareciam ter sentido. Os defensores do sistema capitalista afirmavam, entre vários outros princípios, o seguinte : os seres humanos são portadores de desiguais capacidades de apego ao trabalho e é justo que os que mais e melhor trabalham acabem por angariar maiores vantagens para a sua vida pessoal, ganhando mais e tendo uma vida mais confortável. Este argumento caracterizou adequadamente uma fase do desenvolvimento do capitalismo no nosso país, o qual pode ser designado por capitalismo individualista. Mas ao longo do tempo as coisas foram mudando. O burguês mediano, aferrado a um trabalho bem remunerado e com um nível de vida compatível, viu crescer ao seu lado, tentacularmente, a realidade da Alta Finança. Esta mora distante de si. Não tem rosto. Não bebe o café com ele. Não lhe frequenta a casa. É anónimo. A crise actual permite esclarecer este burguês de uma comezinha realidade : o capitalismo já não é o que era. E “está-se nas tintas” para o pequeno e médio burguês. Anichou-se todo atrás da couraça dos bancos, das grandes companhias de seguros e das multinacionais. E o nosso pequeno e médio burguês, em declive para a mendicidade acelerada, pergunta-se pelas sólidas realidades de outrora : as de um trabalho bem remunerado, que lhe permita o gozo honesto de um jantarzinho num bom restaurante ao fim de semana, com a Madama, e de umas férias em Acapulco ou no Varadero. E conclui que isso foi chão que deu uvas. A Alta Finança rouba-lhe tudo: o bom salário, a pensão folgada, a casa de cinco assoalhadas, as férias na estranja e a jóia que ele costumava oferecer à Madama quando ela fazia anos. O capitalismo dos banqueiros e financistas internacionais virou a página que narrava as aventuras e delícias deste capitalismo individualista, e tanto se montou nos lombos do trabalhador por conta de outrém como nos cachaços destes burgueses individualistas, que hoje vemos, meios assarapantados, continuando a votar em partidos de Direita, sem perceberem nada do que lhes está a acontecer, enquanto não os espoliam da casa, do carro, das férias … e talvez da própria Madama, se ela for louçã e bem apessoada.

12 de janeiro de 2013

UM PORTUGAL QUE O FMI DESCONHECE

O memorando do FMI acerca das desejáveis “reformas” a introduzir em Portugal constitui a prova mais evidente do seu total desconhecimento acerca do País que pretende intervencionar. Encerrado o ciclo do Império, Portugal ficou reduzido ao seu território afonsino e às sua ilhas adjacentes. Destas últimas, desvaneceu-se consideravelmente o interesse estratégico dos Açores, a partir do momento em que os Estados Unidos da América os declaram menos relevantes. A Madeira é um simples entreposto turístico e dificilmente poderá ser outra coisa. Ou seja : Portugal vale e valerá o que puder provar o seu território continental. As duas vocações tradicionais deste Portugal – a agricultura e as pescas – foram-nos confiscadas, por assim dizer, a partir da integração do País na Europa. Que resta ? Resta uma economia de serviços , sobretudo uma economia de serviços estatais. É um facto que o sector administrativo público sofreu , a partir do 25 de Abril de 1974, um inaceitável e excessivo empolamento. Mas isso não retirou à máquina administrativa do Estado a sua função equilibradora , no que toca à garantia de subsistência que proporcionava a uma significativa parte da população. Ou seja : a condição de funcionário público constituiu, desde sempre, um cimento aglutinador da organicidade social portuguesa. Não existem em Portugal funcionários públicos “porque sim” ; existem entre nós funcionários públicos porque tal actividade se perfila, para grande parte dos portugueses, como o único meio de vida. É sabido que esta visão é vigorosamente negada pela tecnocracia dominante. Diz esta que não senhor, que há que inovar, que há que incentivar a iniciativa privada, que isto é a visão do Passado e que outro será o Futuro. Infelizmente (ou talvez não), Portugal é o que é : uma formação social pobre, periférica e completamente dependente do exterior. Como realidade económica, Portugal possui fracos recursos ou, pelo menos, possui recursos em pousio, sendo o mar o maior e melhor deles todos. Mas parece não ser por aqui que quer ir quem nos governa. Verdade seja dita que quem nos governa também não confere objectividade às tais e tão decantadas “novas oportunidades” de uma “ nova “ Política e de uma “nova” Economia. O que se verifica é a tentação de descompensar inteiramente a hierarquia da Função Pública, diminuindo-a drasticamente na base, para a fazer crescer no topo ou, pelo menos, para fazer acrescer até ao limite máximo as benesses desse tal topo. O tal mundo de negócios prometido pela tecnocracia tem vindo a provar ser o território dos negócios crapulosos, da empenhoca siciliana, da especulação desenfreada e do financismo ladravaz. Para que Portugal se converta socialmente numa espécie de sociedade de tribalismo engravatado ou de miserabilismo apodrecido – e sem hipóteses de regeneração – só falta despedir da Função Pública os milhares de trabalhadores referidos pelo memorando do FMI.

9 de janeiro de 2013

"TENHO DE RESOLVER ISTO ..."

Andei ontem à procura de um contacto, no meu telemóvel. Quero explicar que sou bastante indisciplinado em quase todas as minhas actividades não profissionais. Ou seja, vou dizendo de mim para mim, com excessiva frequência : "Tenho de resolver isto". E as coisas ficam adiadas. Mas há uma tarefa que deveria ter sido cumprida por mim com maior escrúpulo : a de suprimir, no telemóvel, os contactos dos que já partiram. E eis-me - não tanto temeroso, não tanto aterrado, mas seguramente pensativo - a enumerar a lista dos que deveriam ter sido piedosamente suprimidos da minha tecnologia, em tempo próprio. "São já muitos", encontrei-me a murmurar, "são já muitos ...". . E ainda disse com os meus botões : "Tenho de apagar os contactos inúteis". Mas logo pude ouvir uma voz, talvez a minha, talvez a deles : "Mas tais contactos serão mesmo uma inutilidade ?" . E acabei por os deixar ficar. "Tenho de resolver isto". Um dia ...