27 de fevereiro de 2009

MEMORIAL REPUBLICANO VII


VII - José Elias Garcia

A geração republicana que actuou entre 1870 e 1890 pode designar-se por geração doutrinária, pedagógica ou evolucionista. Estas designações mantêm entre si um nexo de profunda afinidade. Os propagandistas assumiam-se como doutrinadores de uma nova tábua de valores sociais; e essa doutrina devia ser ensinada às camadas mais desprotegidas da população através de uma pedagogia clara e simples; finalmente, todos esses republicanos tinham a consciência de serem uma vanguarda numericamente rarefeita, o que afastava completamente a hipótese de recurso a soluções violentas, de tipo revolucionário. Doutrinar, educar, fazer evoluir a maior parte da população – eis as linhas programáticas que deveriam ser levadas à prática, consoante as exigências, necessidades e forças de cada momento. A dimensão evolucionista era aceite com tão grande naturalidade que alguns dos primeiros centros republicanos se apresentaram como eleitoralistas, nomeando-se a si próprios como Centros eleitorais republicanos democráticos.

Este pendor obrigatoriamente pacífico, contemporizador, esta contemplação idílica de uma República a conquistar quando estivesse concluída, num amanhã indeterminado, a educação popular, encontrou em José Elias Garcia o seu mais notável e notório intérprete. Filho de um combatente liberal que conhecera as perseguições absolutistas e os cárceres miguelistas, portador de um livre-pensamento que lhe amparou a escalada para o Grão-Mestrado maçónico, professor distinto da Escola do Exército, fazendo jus à sua condição de Oficial superior, José Elias Garcia foi um elemento fortemente estabilizador da sociedade e da política do seu tempo. A opinião monárquica mais próxima do radicalismo liberal tinha-lhe respeito e aquela outra que afinava diapasões por claves conservadoras não o aborrecia. Ele era visto como uma espécie de flor de adorno das conveniências monárquicas. A verdade é que a aristocracia realenga, conhecendo embora o seu ideário, não deixava de lhe confiar missões e lhe dirigir convites. O bispo de Viseu, D. António Alves Martins, e o Visconde de Sá da Bandeira, cobiçaram os seus préstimos, fazendo-lhe saber que gostariam de contar com ele em funções ministeriais. A sua bonomia e circunspecção, a sua inegável capacidade de diálogo, o seu gosto de responder afirmativamente a todos os que requisitavam os seus empenhos, sem distinguir os campos políticos de onde partiam as súplicas, identificavam-no como um homem probo, simpático e confiável. Por isso, foi acumulando, sem oposições, um rosário de cargos oficiais e corporativos. Passou pelo Conselho Geral de Instrução Militar e pelo Conselho de Instrução Naval, presidiu à Junta Departamental do Sul e à Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses, foi vereador da Instrução da Câmara Municipal de Lisboa, antes de nela ocupar a presidência.

Como sempre acontece em casos similares, José Elias Garcia viu gravitar em torno do eixo da sua invejável influência pública toda uma pequena legião de satélites. Por isso, as correntes republicanas mais intransigentes não lhe poupavam sarcasmos, designando os seus protegidos por filhotes do Garcia ou simplesmente por garcias. A sua bondade ou complacência passava por transigência ou por cálculo aos olhos dos oponentes.

A figura de Elias Garcia não ficaria suficientemente caracterizada sem uma alusão à sua notável actividade no jornalismo. Fundador de vários jornais, redactor de mais uns tantos, a sua obra mais significativa acolheu-se à sombra daquela folha que mais favoreceu a mensagem republicana antes da fundação do jornal O Século. Referimo-nos à Democracia, órgão doutrinário da corrente menos radical do evangelho democrático. É inimaginável a importância deste periódico no contexto de uma Lisboa cheia de refegos aburguesados e de preconceitos pé-de-boi. Metodicamente, sem apavorar ninguém, José Elias Garcia converteu a sua Democracia na catapulta discreta ao serviço de uma demolição silenciosa. Os fundamentos da futura Lisboa jacobina iam ser construídos, pedra a pedra, por este republicano – com quem o Paço simpatizava – e por este jornal – que até os monárquicos liam …  

23 de fevereiro de 2009

MEMORIAL REPUBLICANO VI

 ( A gravura representa o General Sousa Brandão, um dos pioneiros da propaganda republicana em Portugal)

VI – Pela República: organizações embrionárias

 Os citadinos cultos que iniciaram a propaganda republicana em Lisboa e que, um pouco mais tarde, encontraram seguidores no Porto e em Coimbra, não eram mais do que um reduzido número de amigos que se reuniam em tertúlias, sonhando com um destino mais justo e progressivo para o seu país. É provável que dessas reuniões, mantidas inicialmente em cafés, farmácias, livrarias ou até em casas particulares, tivessem resultado propostas e projectos mais ambiciosos. Conseguirem um local próprio de encontro e fazerem dele o fulcro organizativo para a publicação de um modesto jornal foram desígnios assumidos com naturalidade e entusiasmo. Desta maneira, os primeiros núcleos republicanos estabeleceram-se mediante o arrendamento de partes de casa, de garagens ou de decrépitos escritórios. O passo seguinte foi o da constituição de sociedades por quotas, as quais definiam como objectivo principal a publicação de um “periódico” noticioso e doutrinal. A maior parte destas aventuras não tiveram amanhã e goraram-se sem apelo. Para isso concorreram diversos factores. Os improvisados jornalistas não dominavam suficientemente os circuitos de distribuição; mesmo em cidades de alguma dimensão, os cidadãos assumidamente republicanos eram escassos; a generalidade da opinião pública tinha do fenómeno político uma visão que oscilava entre o ingénuo e o bronco, sendo facilmente influenciável pela contra-propaganda monárquica ou clerical; havia quem evitasse, em público, o uso da palavra república, supondo-a herética ou portadora de maus presságios; os jornais vendiam-se mal e as receitas recolhidas ficavam aquém do custo das responsabilidades contraídas.

Não obstante tamanhas dificuldades, foi este o caminho seguido, entre outros, por Casimiro Gomes, Felizardo Lima e Sousa Brandão, que nos finais de 1869 e inícios de 1870 fundaram em Lisboa um centro democrático que teve como órgão difusor a folha A República Federal. Por esta altura começou a organizar-se um núcleo de imprensa democrática nas três maiores cidades portuguesas. O Porto viu surgir o bissemanário Gazeta Democrática, ao qual Guilherme Braga deu a nota do seu vibrante anti-jesuitismo. O lente de Direito Manuel Emídio Garcia, ajudado por estudantes, fez estampar em Coimbra o semanário O Trabalho, de que vieram a lume onze números, entre 17 de Março e 20 de Junho de 1870.

Em Fevereiro de 1873 seria proclamada em Espanha uma República. Foi um poderoso rastilho para que entre nós viesse a atear-se uma labareda de crença, concretizada em organizações um pouco mais sólidas. Não havia ainda, por este tempo, uma noção clara das fronteiras que separavam o republicanismo do socialismo. Dentro do leque republicano vicejavam correntes diversificadas, que se distribuíam desde as posições moderadas, de pendor democrático-reformista, às opções socializantes do republicanismo federalista. Foi desta última sensibilidade que partiu a iniciativa de organizar, em Maio de 1873, o Centro Republicano Federal de Lisboa. Este resultado foi obtido pelas vontades conjugadas de Eduardo Maia, Leão de Oliveira, Silva Pinto, Nobre França, Azedo Gneco, Cecílio de Sousa, Martins Contreiras e outros. Publicaram trinta e dois números do jornal O Rebate, sob a direcção de Carrilho Videira. Foram os redactores d’O Rebate que promoveram em Lisboa, no Teatro do Príncipe Real, uma récita memorável, por nela se ter ouvido A Marselheza, ao mesmo tempo que surgia no palco uma criança em cujos trajes e bandeira, empunhada galhardamente, preponderavam as cores verde e vermelha. Segundo supomos, teria sido esta a primeira manifestação do cromatismo do futuro estandarte republicano. Por seu turno, os democratas reformistas, mais moderados, reuniram-se em torno do jornal A Democracia, à frente do qual se encontrava a figura de José Elias Garcia, que os federalistas consideravam excessivamente timorata e contemporizadora. Esta tendência republicana, não se revendo no radicalismo dos federalistas, tratou de se conluiar num Centro Republicano Democrático Português, formado em 1876, no mesmo ano em que no Porto também apareceu um Centro Eleitoral Republicano Democrático. O republicanismo conimbricense avançaria cerca de dois anos mais tarde. Como se vê, sopravam ventos de mudança no velho Portugal.

17 de fevereiro de 2009

MEMORIAL REPUBLICANO V

Mudar Portugal, cerne do programa republicano

 Quem eram e como se organizaram os que, por volta de 1870, pretenderam difundir em Portugal a nova cartilha do republicanismo? Em termos numéricos, estavam bem longe de ser uma multidão. Identificavam-se, sociologicamente, com os estratos da pequena e média burguesias, encontrando-se munidos de alguma formação literária de base. Tenhamos presente que o republicanismo foi entre nós um fenómeno de propaganda urbana. Os campos permaneciam cativos dos caciques, os quais, pela superioridade da formação escolar ou pela hegemonia da condição económica, logravam sujeitar a numerosíssima hoste dos lavradores sem terra, dos agricultores sem agro, numa palavra, dos possuidores de uma despojada e submissa força braçal. As realidades camponesas, trabalhadas pelo padre da aldeia e pelo proprietário fundiário, pelo boticário, pelo mestre-escola e pelo “notável” local, eram completamente refractárias à difusão de quaisquer novidades político-ideológicas. Os que sabiam ler e reflectir encontravam os seus cómodos e os seus modos de vida nas cidades. Foi nas cidades, por isso, que despontaram as primeiras veleidades e os primeiros clamores de dissentimento em relação à monarquia constitucional que, segundo a terminologia oficial do tempo, “felizmente nos regia” …

   Como os campos portugueses podiam ser talhados, qual carne morta, pelos “notáveis” da região, sobravam as cidades como focos potenciais de rebelião. Era nelas que se aglomeravam os pequenos e médios comerciantes por conta própria, os funcionários públicos de carreira, os possuidores de fabriquetas semi-improvisadas, os protagonistas de profissões liberais (advogados, médicos, professores-leccionistas, profissionais de tecnologias rudimentares, etc). Ao contrário de todo o resto do país, estes agentes sociais sabiam que em 1848 houvera em França uma revolução, fundadora de uma República que instituíra o sufrágio universal; comentavam o advento ao Poder, nessa mesma França da Segunda República, de representantes socialistas, para assombro do mundo e pavor de camadas burguesas endinheiradas. Também nesses círculos se argumentava sobre as vantagens e perigos eventuais do programa descentralizador da Comuna de Paris, bem como sobre o ideário do republicanismo espanhol e sobre as teorias sociais, radicalmente inovadoras, de Proudhon, Saint-Simon, Auguste Comte, Spencer e de tantos outros.

O movimento republicano português nasceu do funcionamento informal de tertúlias citadinas, reflexivas, dialogantes e agregadoras de gente com algumas letras. Era gente identificada com certa burguesia economicamente modesta, embora auto-suficiente. Esses círculos foram os primeiros a reflectir sobre a profunda decadência do país e sobre a enormidade da distância que separava a realidade portuguesa daquela que era vivida para além dos Pirenéus. Portugal arrastava o peso de uma população ignorante e miserável, facilmente manipulável pelos detentores do mando. Era um país vergado ao atavismo de uma economia quase exclusivamente agrária, com um comércio pouco desenvolvido e com uma indústria anémica, concentrada em insignificantes manchas na cintura de Lisboa e Porto. As vias-férreas tinham chegado com um atraso de cerca de sessenta anos; as estradas dignas desse nome quase não existiam, pois preponderavam as veredas escabrosas e os trilhos entre pinhais, sempre sujeitos ao iminente perigo dos vagabundos e salteadores de estrada. Uma viagem entre Lisboa e o Porto, feita de diligência, obrigava frequentemente os transportados, moídos da estafa, a pernoitar numa qualquer malaposta, a meio do percurso. A fome camponesa era uma insofismável realidade. A abastança apenas privilegiava minorias insignificantes, ainda que poderosas do ponto de vista da afirmação social. E os poucos grandes burgueses que tinham sido promovidos à dignidade da nobilitação, através da compra, ao desbarato, de bens nacionais, preferiam especular na Bolsa ou comprar títulos de dívida pública a investir em empresas e negócios de risco.

É necessário que isto se compreenda para que nos apercebamos da verdade de uma situação que esses primeiros republicanos portugueses desejaram mudar radicalmente: mudar, sim, para benefício da maioria dos portugueses e de Portugal.

13 de fevereiro de 2009

MEMORIAL REPUBLICANO IV


José Falcão e a  "Cartilha do Povo"

      

José Falcão, para além de ter sido das raras vozes que se ergueram a favor dos revoltosos da Comuna de Paris, foi também um dos mais obstinados divulgadores da ideia republicana. Este propósito de tornar acessível ao povo a nova mensagem política sofria o obstáculo da elevadíssima taxa de analfabetismo. No início do último quartel do século XIX mais de quatro quintos da população portuguesa não sabia ler, escrever e contar. Os livros, brochuras e jornais eram apenas lidos por uma minoria da burguesia culta, concentrada sobretudo em Lisboa, no Porto e em Coimbra. O problema da instrução pública esteve sempre presente nas preocupações dos evangelizadores republicanos. Era necessário encontrar uma fórmula susceptível de levar às massas populares os valores do republicanismo, apesar da calamitosa ignorância que grassava em todo o país. Urgia proceder à elaboração de textos de doutrinação política que fossem redigidos em linguagem muito simples e que pudessem ser escutados por aqueles a quem a monarquia não tinha infundido os benefícios do conhecimento.

    Foi esse o objectivo de José Falcão, quando elaborou e fez imprimir a sua memorável Cartilha do Povo. Foi uma obra que surgiu em 1884, uma vez mais anónima, ilustrada com desenhos saídos da mão artística de António Augusto Gonçalves. Impressa em papel modesto, para que os custos pudessem ser facilmente suportados, esta Cartilha obedeceu também à directriz de ser facilmente entendida por gente humilde, caldeada em trabalhos de invulgar dureza e, até então, desprezada pelas regiões da governação. Para isso, o autor praticará nela o método do diálogo. Os assuntos de interesse colectivo, aí versados, são debatidos entre duas figuras, as quais encetam, com amena bonomia, uma participada conversação. À figura mais douta, mais ciente dos reais problemas da Grei, deu José Falcão o nome de João Portugal; à outra, disposta a quebrar a escuridão da sua falta de informação e de cultura e que, por isso, coloca questões e pede esclarecimentos, foi dado o nome de José Povinho. Esta designação traz-nos imediatamente ao espírito o Zé Povinho das famosas caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro, tais como elas haviam aparecido em jornais de boa tiragem, como O António Maria, Pontos nos ii e A Paródia. Essas abordagens eram, ao tempo, a mais perfeita síntese, em registo satírico, da tipologia do português aldeão, bom mas boçal, submetido pacientemente às cargas e derrotas com que os poderosos o albardavam. Pelo contrário, o José Povinho da Cartilha do Povo, de José Falcão, é o ser humano humilde mas atento, que deseja promover-se, que quer aprender e que aspira à construção de um Portugal melhor e mais justo.

    A Cartilha do Povo teve uma consagração clamorosa junto dos estratos mais humildes da população. Dela se fizeram várias edições e teriam sido muitos os republicanos que a quiseram divulgar junto dos menos esclarecidos. Aliás, o modelo aqui adoptado teve similitudes com o Catecismo Republicano para uso do Povo, redigido por Carrilho Videira e por Teixeira Bastos. Tanto José Falcão como os responsáveis  pelo Catecismo sabiam que os destinatários das suas mensagens careciam da explicação circunstanciada de um conjunto de noções muito elementares, similares à que os sacerdotes transmitiam aos seus pequenos catecúmenos. Também os elementos do povo português eram encarados, com inteiro realismo – mas também com evidente carinho – como  crianças a quem tivessem de ser ensinados os rudimentos de uma cidadania interiorizada e consciente. É isto que explica as designações destes livrinhos: cartilha e catecismo, meio de sublinhar, a partir do próprio título, a missão iniciática e patriótica a que se davam estes propagandistas da “nova ideia”. Foi também por este caminho de simplicidade expositiva que enveredou um outro republicano distinto, Consiglieri Pedroso, quando organizou e deu aos prelos a sua Biblioteca Democrática.

É quase comovente a dádiva destes homens às camadas sociais mais desvalidas do seu país. E é também isto que explica que o Partido Republicano tenha sido referido como “o Partido do Povo”, enquanto principal factor da dignificação e de evolução mental dos que lhe escutaram as directrizes doutrinais.

8 de fevereiro de 2009

GENTE HONRADA : COIMBRA E O 31 DE JANEIRO

Em Janeiro de 1974, um grupo de Cidadãos de Coimbra solicitou ao Governador Civil da altura a necessária autorização para a realização de uma sessão pública nesta cidade, comemorativa do 31 de Janeiro de 1891, pretendendo, deste modo, evocar a primeira movimentação revolucionária, infelizmente frustrada, que pretendeu implantar a República em Portugal. 

Essa sessão pública estava projectada para o Teatro Avenida. Seria presidida pelo Professor PAULO QUINTELA e nela usariam da palavra AIDA PIRES ROCHA, ALBERTO VILAÇA, ANTÓNIO ARNAUT, CARLOS FRAIÃO, LUÍS CARLOS JANUÁRIO, LOUZÃ HENRIQUES, MANUEL RIBEIRO DOS SANTOS, REGINA CARVALHEIRO e VICTOR COSTA. É necessário que o nome destas individualidades seja escrito com maiúsculas, dada a firmeza das convicções democráticas e republicanas de que deram mostras e a que, segundo supomos, se mantiveram fiéis

O pedido a que aludimos mereceu do Governador Civil, Engº Cunha Matos, o seguinte despacho: 

« Em Coimbra não se pode alegar qualquer tradição na comemoração do 31 de Janeiro. Com o requerido pretende-se realizar uma sessão de propaganda política, sem fundamento aceitável. Nestes termos, indefiro. 28 de Janeiro de 1974. Assina – Leopoldo  da Cunha Matos ». 

4 de fevereiro de 2009

OS "DO COSTUME" ...


Que tal uma Água das Pedras para esmoer ?

As evocações festivas do Centenário da República ainda mal principiaram e já provocam azia … aos “do costume”. Os “do costume”, para que nada fique por dizer, são os das igrejinhas do campanário e do são-benito, utilizem eles água-benta (e opa) ou água-pé (e cogula vermelha de foice - foi-se? – e do martelo) … Há até quem diga que é “uma iniciativa que [lhes] faz  simpatizar com a monarquia”. Pudera!, nem sequer há opostos a tocar-se…mas apenas convergências a registar. Depois, à boa maneira do terrorismo ideológico, em que se tornaram peritos, estes tipos enfardam tudo na mesma encomenda, por défice de inteligência e por entranhado ódio à limpeza de cérebro: aqui vai uma dose de Esquerda Freeport (também há a Esquerda norte-coreana, que, ao menos, já transitou em julgado), mais outra dose da Direita dos sobreiros (dos sobreiros? é preciso que se saiba que também há uma Esquerda “das rolhas”), e dos submarinos (esta alusão aos “submarinos” faz-me lembrar ou a batalha naval ou os “infiltrados” do tempo dos “amanhãs-que-cantam”), mais os negócios em Angola ( da Angola de Eduardo dos Santos, lídimo farol da “cartilha”, agora apressadamente posto de parte, por ser referência demasiado comprometedora). E o Sagitário remata dizendo que “olha [para nós] com grande desânimo”. Caspité! O melhor é não olhar, que “cá a gente” até fica agradecida. O desânimo de espécimes deste jaez é a causa (uma das causas) do nosso vigor. A seguir, bota-se verso. Mau, muito mau, demasiado mau para ser Verdade ou Literatura. Mas aí se diz que agitamos “bandeiras outrora poderosas”. Este Oráculo é mais proficiente do que a Pitonisa de Delfos. Ele já prevê o Posterius. Este é dos tais que quer entrar no Futuro “às arrecuas”. Paz á sua igrejita e à sua alma. Achamos bem que continue a “botar fala”. Por nós, não aludiremos mais às suas eructações.  

1 de fevereiro de 2009

MEMORIAL REPUBLICANO III


III – José Falcão e a Comuna de Paris

 José Joaquim Pereira Falcão, natural do concelho de Miranda do Corvo, nasceu em 1 de Junho de 1841 e viria a falecer em Coimbra, no dia 14 de Janeiro de 1893. Obteve o doutoramento em Matemática na Universidade de Coimbra em 1865 e foi nomeado lente substituto dessa disciplina em 1870.

     Em Julho de 1870, a França de Napoleão III declarou guerra à Alemanha militarista de Bismarck. A sorte das armas revelou-se desastrosa para o exército francês, que, humilhantemente derrotado em Sedan, arrastou na sua queda o próprio regime imperial. O exército prussiano cercou Paris, pelo que o drama francês irá ser vivido no interior da cidade sitiada, assumindo o trágico contorno de um embate sangrento, opondo franceses a franceses, sob o olhar inimigo. Com efeito, logo em Paris se desenhou uma estrutura dual de poderes e de dissemelhantes projectos de futuro. A Guarda Nacional foi reconhecida como a força depositária das esperanças do elemento popular e dos estratos jacobinos, pugnando por um programa político e social baseado no republicanismo federalista, na descentralização, na redistribuição das riquezas e na participação activa das populações quanto à detecção das insuficiências colectivas. Thiers, condutor e intérprete das franjas mais conservadoras, retirou-se com o seu Executivo para Versalhes, separando geograficamente o poder bicéfalo que até então se amalgamara em Paris. Para os parisienses, Versalhes passou a significar o lugar da reacção antidemocrática, o santuário dos privilegiados e o nicho dos negociadores incondicionais com as forças sitiantes. Para os versalhenses, por seu turno, Paris assumiu o significado de um espaço urbano abusivamente apropriado por todos os que tramavam a liquidação dos valores tradicionais, a usurpação da Propriedade, a dissolução da Família, o tripúdio da Ordem e o dissoluto avanço da revolução comunista. Foi sobre este quadro de antinomias que se inscreveu o drama do embate decisivo entre os adeptos de Paris e os defensores de Versalhes.

     O mundo, horrorizado, tomou conhecimento dos rios de sangue que correram em Paris na “semana sangrenta” de 21 a 28 de Maio de 1871, terminada com uma sucessão de execuções sumárias, perpetradas pelas forças de Thiers. Foram cerca de 30.000 as vítimas.

     A defesa calorosa dos adeptos da Comuna e a concomitante condenação da ferocidade dos combatentes de Thiers expressou-se num folheto intitulado A Comuna de Paris e o governo de Versailles , da autoria de José Falcão, que não o assinou por recear as consequências pessoais e profissionais decorrentes deste seu alinhamento ideológico. Na sua substância, as palavras do autor saldam-se pela reabilitação do programa de democracia social, sustentado pela Comuna, e pela exautoração dos políticos mais conhecidos do tempo, como Thiers, Picard, Jules Favre e Jules Simon, sem escapar sequer Louis Blanc, um dos expoentes da esquerda republicana. Ora, no entender de José Falcão, o radicalismo de Paris não ia além da pretensão de conferir viabilidade às pretensões do federalismo republicano, atrás referidas. Deveremos notar que os combatentes acantonados em Paris não teriam pretendido a implantação do comunismo e do radical nivelamento, mas apenas o funcionamento de um sistema económico depurado de excessivas concentrações de riqueza e da acção nefasta de minorias ávidas e parasitas.

     Como logo se verificou, assistiram a José Falcão boas razões para manter o anonimato, uma vez que o marquês de Ávila e Bolama, então chefe do governo, manifestou a vontade de processar o autor do desassombrado texto, cuja identidade veio a ser facilmente referenciada.

    A partir deste momento, José Falcão seria reconhecido como uma das vozes mais audazes e justas da propaganda republicana. A futura “geração do Ultimato”, esmaltada por nomes como o de António José de Almeida e o de Afonso Costa, prestou-lhe o crédito de o escolher como chefe indiscutível. Coimbra, pelo menos a parte de Coimbra que se revê na tábua dos valores da República, tem a obrigação de o lembrar sempre. E para sempre.