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A degradação actual de quase todas as formas mais estruturadas de pensamento conduziu-nos ao culto do improviso e da facilidade. E a mercantilização da vida oferece hoje à mediocridade uma aparência de realização que decorre de simples exercícios de contrafacção. Não são apenas as calças ou videocassetes de marca falsificada que se propõem ao consumo, em feiras de ciganos. Na grande tenda do consumo cultural português, toda a mercadoria que constitui, no seu conjunto, o espólio superior do Espírito, se encontra em almoeda. Daqui resultaram modalidades de cultura kitsch, com muito aparato e pouca substância, que forcejam por passar incólumes ao crivo da crítica exigente. No romance, na poesia, no teatro, no cinema, em todas as modalidades de comunicação valorativa (ou pseudo-valorativa), nos vão aparecendo anõezinhos de jardim ou grossas louças das Caldas, apresentados como se fossem peças de Míron ou faianças de Rafael Bordalo Pinheiro. Como é evidente, nada disto poderá enganar o especialista informado e o verdadeiro estudioso. O português escrito por Camilo Castelo Branco, por Miguel Torga ou por Aquilino Ribeiro distinguir-se-á sempre, aos olhos do mais desprevenido, da rudeza linguística e da impropriedade lexical da loquacidade galega. Queiramo-lo ou não, a produção e a fruição cultural mais intensas e acabadas estarão prometidas, como sempre, ao reduzido número dos que sabem, dos que se aplicam, dos que não se poupam ao esforço do conhecimento. Sobrarão depois, para os preguiçosos ou para os apaixonados pelo kitsch, esses delambidos romances róseos, esses vaporosos espectáculos de cinema holywoodesco, esses entremezes de fácil populismo, esse jornalismo de pacotilha, essas revistas de fado choradinho, esses desprimores de bom-gosto e de bom-senso.
E Antero de Quental terá outra vez razão, em Portugal, neste ano da graça de 2008.