23 de dezembro de 2012

LIXARAM-ME : O MUNDO NÃO ACABOU !

Tinha-me dado um jeito enorme que o mundo tivesse acabado. Em Janeiro, tenho de pagar um balúrdio à Autoridade Aduaneira e Tributária. Se tivesse acabado, as contas estariam saldadas. Para ambos os lados, ao que se supõe. Depois, já há muito tempo vinha pensando, atendendo ao estado do País, em passar à clandestinidade. Evitaria a conta da luz, do gás, da electricidade, da revisão do carro, dos víveres e de tudo o que se impõe à vida de um mortal. Claro que nós não sabemos como seria uma clandestinidade "in articulo mortis". Mas um Infernozito de trazer por casa ( que é para onde eu irei, pois quero procurar a Ana Magnani, que eu suspeito ter pecado muito , ) não pode comparar-se a uma barca de Caronte com o Relvas, o Gaspar, o Coelho e o Cara-de-Cú aos remos. Não sabe V. quem é o último comparsa ? Ora pense, vá lá ! Ainda não descobriu ? Que vergonha ! Você não merece que o mundo acabe. Até foi por isso que não acabou ...

19 de dezembro de 2012

A DEMOCRACIA DOS DIAS

Gostava muito que o dia 18 de Dezembro fosse um dia comemorativo. Ou o 4 de Março. Ou o 16 de Novembro. Não é justo que o dia de hoje não seja comemorativo. Até no domínio das datas existem classes , bem como é nelas notória a celebrada e sempre invocada luta de classes. Verdadeiramente, digam-me ( se souberem) o que distingue um 18 de Dezembro de um primeiro de Janeiro ou de um 24 de Dezembro. Bem sei que os responsáveis fizeram esforços estimáveis para que qualquer um dos dias do ano subisse no “ranking”. Até é por isso que se convencionaram os aniversários. Os aniversariantes consideram o seu dia um dia especial. E isto promove inquestionavelmente os anseios da Democracia Cronológica. Mas as realidades do calendário gregoriano forçam-nos a reconhecer que há que trilhar um longo caminho para que um qualquer 24 de Outubro possa ter o brilho, a ressonância, o entono de um primeiro de Maio ou de um primeiro de Janeiro. É necessário o empenhado esforço de todos os “democratas cronológicos” para que todos e cada um dos dias do calendário (gregoriano) tenham a dignidade que qualquer dia deve ter : com direitos sociais estabelecidos, abono de família atribuído, cartão diarista de cidadania e direito ao trabalho. Neste último aspecto, o Domingo está francamente diminuído. Parece que houve uma Divindade qualquer que não trabalhou ao sétimo dia. E , vai daí, fica o pobre do Domingo privado do direito ao trabalho ! Não pode ser ! A continuarmos assim, resvalaremos para a ominosa situação do calendário chinês, onde existem anos do burro, da lagartixa e do cão. Será uma rasoira absolutamente deprimente, pois todo e qualquer dia não escapará a ser apontado como um dia de cão. Em frente pela Democracia Cronológica ! Morte ao calendário chinês !

15 de dezembro de 2012

A MADURA ESTAÇÃO

Já alguma vez tiveste saudades de ti ? // De ti que foste um dia // De certo modo e de vária feição. // Lembras-te ? Era no tempo // Em que o sol rodava à tua // Como um Galileu transviado; // Eras ou julgavas ser o eixo do teu mundo // E tu levavas Laura pela mão. // Laura ou Dinamene ? Pouco importa : // Camões já não se ocupa destas coisas. // Era então que tudo gerava poentes vermelhos // E papoilas impacientes em campos de trigo. // Dançavas um minuete todo arcaico // E não davas conta de que a baga da romã // Quebrara já a casca verde da madura estação. // Lembras-te de ter saudades de ti ? // Não por então, não nessa altura, não nesse tempo // De Laura ou Dinamene no centro do coração // De algum Camões versejador mas ocupado. // Muito depois, bem mais tarde, tiveste saudades de ti; // Mas não soubeste bem porquê. Nem eu to vou dizer. // Escuta, escuta essa raiz silenciosa e saberás // Que também tu quebraste a casca verde // Do fruto que contém, inteiro e vago, a madura estação.

12 de dezembro de 2012

EVOCAR HERCULANO : UM DEVER NOS DIAS DE HOJE

Houve um dia um Homem ponderado, até talvez um pouco severo, que cometeu a proeza, em pleno século XIX, de ter criado – praticamente desde os alicerces - a História portuguesa como um saber obje ctivo e fundamentado. Era conservador. Alinhava pelas perspectivas de um grande partido liberal e ordeiro, o Partido Regenerador, que tinha saído de uma revolução comandada militarmente pelo irrequieto Saldanha, que mais tarde seria feito Duque. O Partido Regenerador deu a conhecer um dos maiores políticos portugueses de sempre, sem o qual o nosso país se teria afundado ainda mais na comparação com as realidades europeias transpirenaicas. Referimo-nos a Fontes Pereira de Melo, também ele muito afecto aos valores tradicionais da burguesia. Esse Homem e historiador, inicialmente referido, foi Alexandre Herculano. Evocamo-lo aqui porque foi ele que desde sempre defendeu o papel histórico e insubstituível das “camadas médias”. Alexandre Herculano deu a entender, em todos os seus textos, que Portugal se desfiguraria sem remédio e sem retorno se um dia a classe média desaparecesse. Quando verificou que as consequências da revolução regeneradora, em que inicialmente acreditara, se encaminhavam para um argentarismo especulativo e infrene, Herculano abandonou a vida pública e retirou-se para a sua quinta de Vale de Lobos, onde iria produzir “o melhor azeite de Portugal”. É obrigatório que hoje relembremos Herculano. Se ele por cá andasse, certamente que voltaria a retirar-se para o seu Vale de Lobos. As razões da sua retirada seriam as mesmas.

6 de dezembro de 2012

ESPECIALMENTE PARA UMA TIA DE CASCAIS

Eu cá gostava de escrever um texto modernaço, com palavras assertivas e com resiliência bastante para não ser inócuo. Pois, bem vistas as coisas, a razão entre o bom senso e o vocábulo é a mesma que vai da taxa de câmbio à taxa de juro. Eu juro que me reconverterei ao mercado e utilizo a palavra reconverter porque também é muito “in”. Também prometo que, como as “ tias de Cascais”, tratarei toda a gente por você, mesmo que seja um bébé de mês e meio, e chamarei menina a uma avózinha, já com guia de marcha para as regiões do Eterno. E se vier ter comigo um mendigo andrajoso e esfomeado, eu prometo que farei cara de Eva antes de ter surripiado a maçã e direi nojosamente ao meu acompanhante : “Ai, filho, esta Cascais está cada vez pior frequentada”. Não sei ao certo se consegui escrever um texto modernaço e resiliente. Mas tentei. É como o governo: farta-se de tentar! Acerta é pouco . Ai, que saudades eu tenho da “linha" !!!!