12 de fevereiro de 2013

VIAGEM EM TORNO DOS CAPITALISMOS

Creio que hoje torna cada vez mais clara a evidência de uma profunda mutação na lógica interna do capitalismo, aliás em plena concordância com a previsão de Karl Marx : o velho capitalismo de teor individualista e liberal vai desaparecendo, cada vez mais tragado pelo gigantesco e anónimo capitalismo das corporações financeiras multinacionais. Hoje, quase dá vontade de rir quando se transfere o qualificativo de “capitalista” para o Senhor Mendes, que possui uma fabriqueta onde dá emprego a duas dúzias de trabalhadores. Conhece-se tudo deste Senhor Mendes: a marca do automóvel, os restaurantes que frequenta, o partido em que se revê, as amizades que cultiva, o clube desportivo da sua preferência, etc. Este Senhor Mendes julgou-se protegido por um sistema económico que lhe exaltava o espírito de iniciativa e as capacidades de gestão. Imaginou que tal sistema permaneceria imóvel, amigável e sempre atento às suas necessidades de expansão do negócio. Quando chegou a crise, provocada pela concentração capitalista em grandes potentados financistas internacionais, o Senhor Silva confiou nas virtudes do sistema e não ficou intranquilo. Mas cedo concluiu que o financiamento lhe era negado, que ninguém se preocupava com a diminuição dos seus lucros e que nem sequer sabia a quem recorrer para alterar a caminhada para o abismo da falência. Hoje, o capitalismo é sumamente tentacular e anónimo. As suas linhas de força são cerzidas em círculos económicos longínquos, onde apenas meia dúzia de eleitos se reconhecem nos hábitos alimentares, nas preferências desportivas, nos gostos circunstanciais e em tudo o que anteriormente tornava familiar o Senhor Silva na sua comunidade de implantação. Damo-nos conta que este Grande Pai silencioso e distante vai subvertendo tudo a seu gosto e em concordância com os seus objectivos de domínio mundial: já subverteu a normal relação de negócio entre os homens, está a subverter a Democracia e amanhã acabará por subverter a própria esperança na mera possibilidade de um futuro melhor. Os milhares ou milhões de Senhores Silvas irão concluir que ESTE capitalismo lhes matou, sem remédio e sem escapatória, O OUTRO distante capitalismo, em que ingenuamente acreditaram.

8 de fevereiro de 2013

AVENTURAS E DESVENTURAS DO COMENTARISMO LUSITANO

(A imagem apresenta um "portuga", depois de ouvir os comentaristas cá do burgo) O Senhor Doutor Rebelho de Souza bota figura e discursata aos fins de semana. Aproveita também para ser comentador de livros, que apresenta às toneladas, como se os tivesse lido todos. O Doutor Rebelho é inquestionavelmente uma figura nacional e merece-o. Para tanto, já mergulhou intrepidamente nas águas do Tejo, ali no “mar da palha”, para que tal constasse do currículo. Refiro-me ao mar e não à palha. Durante muitos anos, este nadador, da estirpe de um Batista Pereira – que , coitado dele, não apresentava livros à tonelada – deteve o monopólio do comentarismo português. Perguntar-me-ão o que é o comentarismo português. É um jogo, ao que suponho bem remunerado, onde um “chico-esperto” decide passar um atestado de imbecilidade ao resto da população. E como o Doutor Rebelho é bem falante, usa fato completo e tem resposta para tudo – desde a alta política à baixa intriga e desde o futebol ao futesal – esta restante população fica convencida que o homem é mais sábio do que a antiga biblioteca de Alexandria, o que não admira, dada a profusão da livralhada que o Cérebro digere de véspera. Acontece que o comentarismo português foi recentemente adornado com outro cromo. Refiro-me a um tal Mendes de Marques, pequenino e não dançarino. Mas aqui, dá-se um caso singular, que muito deverá irritar o Doutor Rebelho. É que o seu competidor, Mendes de Marques de seu nome, mais pequenino do que um grão de arroz, possui sempre a informação privilegiada sobre o que o governo fez, está a fazer e irá fazer. Se eu estivesse na pele do Doutor Rebelho, o Doutor Mendes de Marques não escaparia a uma sova valente, coisa que não deveria ser difícil de obrar. É bom que se diga que isto de ter informação privilegiada não é crime nenhum. Um tal Senhor Silva também a teve e até ganhou com isso uns tantos carcanhóis. Tal façanha deu-lhe o direito de vir para a televisão dizer que teria de nascer duas vezes qualquer fulano que se apresentasse como mais honesto do que ele. Como eu só nasci uma vez, não estou à altura de contrariar a asserção. Mas voltemos aos nossos heróis. O Doutor Rebelho fala, fala, fala, mas como não tem informação privilegiada acaba por ser sistematicamente impreciso, improfícuo e verboso, além de desonesto, mas isto só pelo facto de , ao que se imagina, só ter nascido uma vez. O Doutor Mendes de Marques, detentor de todos os segredos e conchavos do Executivo, consegue alcançar “rankings” apreciáveis de rigor, exactidão e pertinência. Claro que isto se deve à circunstância de ter – com toda a certeza – nascido duas vezes. Pudera! Se só tivesse nascido uma, não chegava a ser um comentarista. Era um quarto de comentarista, em forma putativa. E é assim que vai o exercício do comentarismo cá pelo burgo. Agora vou jantar, que estou cheio de fome. Vou comer um bom arroz de polvo. Espero que não tenha sido pescado – o polvo, bem entendido – no “mar da palha”. Caso contrário, arrisco-me a comer quem eu não quero, em forma de grão de arroz.

4 de fevereiro de 2013

NO HOJE DUM PASSADO

Bem queria ter das águas // A subtileza. // Navegaria em barco de papel // Num lago de Beleza.// E depois convidaria // Um daqueles meninos // Do meu tempo de infância // Cheia de caracóis // Para com ele descobrir // Se no tal lago // Peixes haveria. // E se não os houvesse // Oh, como eu faria // O meu papel de mago // Eu só e o menino // Junto ao lago // Sonhando oiros e sóis // Iguais aos caracóis. // Adeus meu cândido menino // Adeus jardins de sonho // Vá lá, vá lá // Que não fiques tristonho // Só por teres crescido… // É bom sorver // A luz amarelada desta tarde // Que tão breve arde // Pela tarde // No jardim de mim. // Vá lá, vá lá // Faz-te sonho, menino e jardim // E aquela tarde soalheira // Entre todas a primeira // A pulsar // A vibrar // No hoje dum passado // Sem fim.

1 de fevereiro de 2013

FEMININO VS. MASCULINO ou OS IDEAIS DE BELEZA

A Bardot fez a passagem do tipo-ideal feminino da minha geração – seios generosos à Loren, lábios grossos e sensuais à Magnani, olhar firme e profundo à Moreau – para o tipo de beleza que Mary Quant e a sua minissaia passaram a advogar. Ou seja, a ninfeta escorrida, vibrátil, ousada, com “todas as coisas no sítio”, mas sem hiper-abundâncias de nenhuma espécie ou natureza. Não sendo grande autoridade para opinar, parece-me, contudo, que o estereótipo de beleza masculina não obedeceu exactamente aos mesmos critérios visuais que serviram todos os machos para qualificar e saudar entusiasticamente o “belo sexo”. Ou seja: hoje, uma Loren ou uma Magnani não impressionaria grandemente um adolescente. A Bardot dos velhos tempos, talvez. Mas estou em crer que o olhar de menino perdido de um James Dean ou o existencialismo de conduta de um Marlon Brando continuariam a provocar suspiros nostálgicos em certos travesseiros feminis. Se for assim – e eu não tenho a absoluta certeza que o seja – isto comprovará que a figura masculina varia menos, como padrão de beleza ou de tensão pulsional, do que a feminina. Já nada digo quanto à usura do tempo na imagem do macho e da fêmea. Não estou para ser crucificado. Sobretudo pelas Magníficas Senhoras que me frequentam a página e que eu tanto prezo. Cala-te, boca !