E se, verdadeiramente, Portugal não devesse ter saudades do que foi? E se os Gamas, os Cabrais, os Perestrelos, a demanda do Preste João e o elefante ao Papa não tivessem sido senão o pesadelo do domínio fero e bruto sobre populações inermes ou o simbolismo cenográfico de uma esquizofrenia da Vontade? E se tivessem sido muito mais imperiosos e vivos os desejos egoístas de encher o bornal de ouro fácil do que as intenções altruístas de dar ao Mundo novos mundos? E se um Sá de Miranda tivesse tido razão, quando escreveu que “ao cheiro desta canela o Reino se despovoa”? E se o implacável requisitório de Antero de Quental, nas Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, imputando filáucia e desvergonha às imposições de partida lançadas pelos grandes da Corte sobre os “gentios do interior”, se revelasse singelamente razoável e cristalinamente verdadeiro? Quem poderá impedir-nos de pensar assim, com a radicalidade ousada dos que já nada esperam, já nada têm a perder ou a ganhar, mas decidem dar respiradouros a todo um mundo de possibilidades, de verdades em embrião? E se a mais íntima vocação portuguesa tivesse sido o agro em vez da onda, a miniatura em vez da imensidão, o castiço em vez do universal apátrida? A Suíça de ontem e de hoje, para referendar o argumento com um exemplo óbvio, valeu ou vale menos do que Portugal, por não ter tido epopeia ultramarina? Lá se ostentou, com drama, uma aventura mental e religiosa, se nos lembrarmos que por lá se incendiaram as cóleras protestantes de um Calvino, entre outros, contra o desenfreado apetite das bulas pontificais romanas. “Pois sim”, replicarão uns tantos, “mas estão agora condenados aos chocolates, aos relógios de precisão e aos cofres de segredo”. E nós? Com tamanho passado, estamos hoje condenados a vender o sol do Algarve aos abonados anciãos da Europa, repletos de pecúnia e de artrite, e nem sequer nos é permitido cultivar, por grosso, as couves do caldo verde. A Europa não deixa!
Além disto, teria sido justo, criterioso, equilibrado, fundar na maresia, segundo alguns, uma identidade nacional multissecular e cortar agora, inopinadamente, o nexo, tantas vezes apresentado como umbilical, pondo-nos apenas ao olhar a realidade do além-Pirinéus ? Será isto um retorno a nós próprios? Poderia aqui emergir a teoria da dupla matriz nacional: éramos lavradores e cabreiros por tradição, mas a realeza renascentista fez de nós nautas por vocação. Por vocação ou por obrigação?
Pressentimos que tantas são as perguntas que se colocam como as que se dissolvem numa infusão de perplexidades. De uma forma ou de outra, quero ir contemplar o Tejo. Ali para os lados do “mar da palha” …