8 de setembro de 2008

CONTRA A DEMAGOGIA


O Patriotismo, o Civismo, o Espírito de Missão, a Cidadania, todos esses supremos encantos democráticos, todas essas maravilhosas dádivas da deusa Democracia, enfermam de um mal profundo, cujo diagnóstico está por fazer, apesar da sua manifestação periódica: tais primores dormem admiravelmente, em torpor invencível, impenetrável, durante meses a fio, anos atrás de anos, para darem finalmente conta de si, muito alegres, muito opiniosos, muito repletos de viço e de seiva … nas vésperas dos actos eleitorias.
As Pátrias mal se aguentam nas andas carunchosas, revelam desfalecimentos, resvalam à beira de fundões infinitos – mas os patriotas ressonam em boa ordem, à luz das estrelas mortiças. A Educação Cívica anda por aí aos baldões duvidosos de vândalos, armados de “sprays” ou camartelos para as vandalizações de edifícios privados ou para a destruição do Património colectivo – mas os bravos campeões do Bem Comum, estirados na “chaise longue” da comodidade, viram-se para o outro lado e pigarreiam, de olhos bem fechados. A Obra Colectiva revela-se anémica, enfezada, quase envergonhada, como se necessitasse de suprimentos de alma ou de unguentos reconstituintes – mas estes tais Missionários da Colectividade coçam a moleirinha da preguiça e entregam-se, regalados, aos braços de Morfeu. A Cidade desordena-se, entope, descaracteriza-se, perde influência, perde força, perde indústria, ganha insegurança, ganha bolores de incomodidade, ganha o ranço da paragem no tempo e da deselegância do espaço – e os paladinos da Polis continuam abúlicos e eternamente devotados ao remanso dos lençóis.
Entretanto, o tempo vai passando, implacável. Aproximam-se eleições. E então é um “valha-me Deus, que dormi demais”. Todos despertam, sem excepção, muito lépidos, muito senhores das suas verdadinhas, muito trepadores, muito escritores, muito vaidosos da sua entrevista, muito guardadores da sua rua, do seu bairro, da sua Cidade, do seu País, do seu Cosmos.
Há em toda esta comichão “patrioteira” e “civiqueira” , em toda esta geringonça de afogadilho, um halo de mercantilismo, um cheiro a Feira da Ladra (com vantagens sobejas para o que nesta se vende), um fartum a Ali Babá que deixa perplexo o mirone ou o simples curioso.

É tempo de desmascarar esta mistela. E de dizer que as sonoras afirmações, os descantes, os despiques, os motes e motejos desta raça de gente são percepcionados pelo anónimo, pelo simples pagador de impostos, pelo aplicado oficial do seu ofício, como uma coisa “lá dos gajos”, que apenas provoca um bocejo de tédio e, em certos momentos, uma imensa explosão de hilariedade. O mal é que rimos sobre a hipoteca do futuro das mais próximas gerações.

2 comentários:

Anónimo disse...

"CANTIGAS DE ARROZ PARDO"


Estúpido não é, mas insensato
o povo português, a nossa gente,
deixando-se levar frequentemente
por um qualquer inepto ou mentecapto.

Por iso os maus políticos prosperam
no seio deste povo que é o nosso,
a quem nada mais deixam que o caroço
dos frutos cuja polpa eles comeram.

Por falta de bom senso ou de cautela,
sem nos valer de nada a experiência,
caímos sempre todos na esparrela.

Com lérias ou cantigas de arroz pardo,
induzem-nos, à força de insistência,
a docilmente suportar o fardo!

João de Castro Nunes

Luís Alves de Fraga disse...

«Uma coisa lá dos gajos», diz o meu Amigo, traduzindo o sintoma primeiro da falta de legitimidade do Poder e de quem o exerce. É exactamente assim que a ilegitimidade se define e manifesta. E eles sabem-no, por isso a mascaram, à última hora, com discursos plenos de promessas que não vão cumprir. E nós sabemo-lo, razão pela qual alternamos o voto, inutilizamo-lo, ou simplesmente mandamo-lo às ortigas ficando em casa ou indo passear para esquecer a desgraça e o atoleiro onde estamos condenados a viver. Mas há quem continue teimosamente a votar neles e, para mim, cada boletim de voto assim deixado nas urnas é um grito sonoro onde são marteladas as palavras «Enganem-me que eu gosto». Esses são ou beneficiários de benesses inconfessadas ou a massa ignara e alienada dos que respondem ao patriotismo barato da bandeirinha à janela.
Que saudade eu tenho dos centros republicanos onde se cumpria o ensino da prática da cidadania! Talvez nos falte um outro António Sérgio (sem apoio e crença em ditaduras) descrente dos partidos, mas fiel à ideia de transformar a Grei, dando-lhe conhecimentos e consciência dela.
Um forte abraço