25 de janeiro de 2010

MEMORIAL REPUBLICANO - XXXV

( O estandarte do "Centro Democrático Federal 15 de Novembro", com as suas cores verde e vermelha, flutuou como bandeira republicana na varanda do município portuense, em 31 de Janeiro de 1891 )

XXXV - A REVOLTA DE 31 DE JANEIRO DE 1891

Uma das reacções que o Ultimato inglês suscitou foi a dos meios militares de mais baixa patente. Do mesmo modo que os restantes nichos sociais exteriorizaram as torrentes emocionais em concordância com a especificidade do seu protagonismo social, assim certos homens fardados, mas sem profusos galões, vieram a converter o sangramento do amor-próprio corporativo num projecto de sedição. Compreende-se que assim tivesse sido: os académicos já haviam discursado contra a “pérfida Albion”; os comerciantes já tinham retirado das montras os chapéus de coco e as bebidas espirituosas britânicas; os jornalistas já se tinham dado a expurgar das suas folhas os malditos e proscritos vocábulos ingleses, tais como meeting, whiskey ou high-life; os “vivas” e os “morras” já haviam estrondeado em paradas cívicas, formigando pelas avenidas centrais de Lisboa.

E o Exército português? Esse era monárquico nas suas mais altas hierarquias; e só o Todo-Poderoso conhece as recomendações de prudência a que devem submeter-se os postos cimeiros da servidão castrense ! Mas… e a arraia-miúda fardada? Também ela apresentava a irritação indomável dos corações ressentidos, provocada pela provação dos vexames inesperados. Foi isto que compreendeu o jornalista João Chagas, quando, no Porto, após redigir alguns linguados do jornal A República, se viu constrangido a abandoná-lo, devido à discreta resistência dos seus proprietários , temerosos com a vibração da sua palavra indignada. Chagas fundou então A República Portugueza (sic), que não foi mais do que uma espécie de cartilha da insubordinação das casernas. Aí desaguavam torrentes de depoimentos colectivos, assinados agora por “um grupo de soldados”, depois por “cinco cabos de artilharia”, mais tarde por “vários sargentos da guarnição”, proclamando aos quatro ventos ser imperioso lavar a desonra, responder ao vexame, vingar o ultraje, resgatar a vergonha. Eram, certamente, ingenuidades românticas de almas esbraseadas pela centelha patriótica. Mas valiam pela autenticidade da raiva, pelo genuíno frémito do brio, pelo desejo de remover da face do país o peso da cabisbaixa humilhação.

Em Lisboa, o Directório republicano, recentemente recomposto, não se dispunha à cumplicidade com uma dinâmica que já era explicitamente revolucionária. Um dos novos directores, Francisco Manuel Homem Cristo, na altura tenente, acabara de afastar do mando a figura tutelar de Elias Garcia. Para aquele, o que se tramava no Porto não poderia deixar de ter um epílogo desastroso, quer pelo público e ostensivo anúncio de projectos bélicos iminentes, quer pelo alheamento demonstrado por quase todos os oficiais superiores da Invicta. Em Coimbra, como nos conta António José de Almeida no seu livro Desafronta, conspirava uma aguerrida vanguarda de estudantes, que mantinham contacto com os revolucionários nortenhos através de Alves da Veiga, um dos chefes do republicanismo portuense. Essa juventude estudiosa pensava atacar os principais quartéis da cidade do Mondego, logo que houvesse confirmação, vinda das margens do Douro, da vitória militar aí alcançada, depondo seguidamente o poder nas mãos leais e veneradíssimas de José Falcão.

No Porto movimentou-se um pequeno “estado-maior civil” da revolução, acrescentando-se como mais evidentes protagonistas ao nome de Alves da Veiga, os de João Chagas, José Pereira de Sampaio, Basílio Teles, Felizardo Lima e Santos Cardoso. Pouco antes de 31 de Janeiro de 1891 as autoridades monárquicas encarceraram João Chagas na cadeia da Relação. O movimento militar iniciou-se sob o júbilo da festa e encerrou em tragédia. Foi uma tentativa revolucionária que se realizou sob o modelo da remota revolução de 24 de Agosto de 1820, também ela portuense, antes de ter sido nacional. As forças que saíram dos quartéis, comandadas apenas, ao nível da classe dos oficiais, por um alferes, um tenente e um capitão, seguiram os itinerários que os vintistas haviam trilhado, nesse distante tempo de Pátria e festa. Movimentaram-se, por entre brados, aclamações e músicas marciais, pelas ruas e lugares por onde também andaram os homens do “Sinédrio” vintista. Chegaram mesmo a proclamar um governo republicano da varanda da autarquia portuense, incluindo nele, com manifesta precipitação, nomes que nem sequer tinham sido sondados para tal efeito. Nessa varanda chegou a tremular o estandarte do “Centro Democrático Federal 15 de Novembro”, cujas cores, verde e vermelha, anteciparam as que viriam a ser adoptadas após o 5 de Outubro de 1910.

Fogacho romântico, sentimentalmente bordado com a seda da ingenuidade e da militância improvisada, a revolta nem sequer cuidou de dominar militarmente os lugares estratégicos da cidade. Nem sequer foi adoptada a precaução elementar de submeter o telégrafo às intenções da conjura. Nem sequer se curou de ocupar a Serra do Pilar, do lado de Gaia, onde se aninhavam consideráveis recursos de fogo artilheiro. Tudo se jogou no movediço território da convicção punitiva, da vontade sabedora de razões irrenunciáveis, da psicologia imediatamente reactiva que, por crer tão avassaladoramente em si, despreza cálculos, repudia artimanhas, esconjura pressentimentos de desgraça. A meio da subida da rua de Santo António, os revoltosos foram alvo, inesperadamente, do contra-ataque das forças monárquicas. Recuaram, em desconjuntada vozearia, procurando uma reorganização que se lhes negou. As últimas esperanças desvaneceram-se quando o edifício do município, que tinha dado guarida aos últimos resistentes, capitulou sob os implacáveis disparos dos contingentes fiéis ao regime vigente.

Uma derrota previsível? Decerto. Mas também – talvez sobretudo – um prenúncio, uma premonição, um símbolo, que a evolução dos factos haveria de consagrar como uma efectiva e rutilante vitória adiada.

21 de janeiro de 2010

O MEU HOMEM VITRUVIANO


Por volta de 1490, Leonardo da Vinci desenhou num caderno de notas a figura compósita de um homem, ao qual talvez tenha pretendido atribuir a proporcionalidade ideal, já proposta por Vitrúvio, arquitecto romano, no século I antes de Cristo. Este “homem vitruviano” contém-se nos limites de duas figuras perfeitas: o círculo e o quadrado. Quanto mais me dedico ao estudo da imagem mais me convenço que o acto de ver nos remete para o bornal das nossas simbologias particulares. A verdade é que, sem querer, identifico o quadrado como um espaço claustrado, asfixiante, como se nada mais representasse senão as paredes de uma prisão. Ainda sem querer, atribuo ao círculo uma dimensão libertadora, pois para mim o céu é infinitamente circular, por muito grande que este paradoxo possa ser. Na minha leitura, radicalmente subjectiva e provavelmente ignara, este “homem vitruviano” é representado por Leonardo na duplicidade da sua natural condição: um prisioneiro (quadrado) que aspira voar (círculo). Esta minha convicção, talvez delirante, é sustentada pela imagem duplicada e sobreposta que lhe confere sentido. Para mim – baixinho o confesso – aqueles dois braços de um mesmo homem, em posturas não coincidentes, são apenas as ambicionadas asas de alguém que se sabe agrilhoado, mas que aspira ao vasto horizonte do céu redondo, próximo e distante ao mesmo tempo.

17 de janeiro de 2010

OS DOIS SABERES



Há dois saberes: o da razão e o do coração. O primeiro é todo exterior; vive do equilíbrio, da solidez que nos dá a demonstração, da relação empírica entre a realidade e o conceito formulado através dos sentidos. O saber da razão é semelhante ao jardim dos tempos de Luís XIV, com os seus canteiros geométricos, alinhados e sem segredos. Visitá-lo é descobrir uma Natureza límpida e sem segundas intenções, é cirandar com segurança entre as certezas possíveis. Pelo contrário, o saber do coração é todo interior; vive da mutante discriminação do que não é imediatamente visível, da subtileza com que se capta o que se entremostra, da ressonância das coisas na zona sombreada e ambígua da compreensão. O saber do coração é semelhante a um bosque pouco frequentado, em relação ao qual se imagina poder surgir, por detrás duma frágua, um fauno ou um sátiro. Visitá-lo é correr o risco de nele nos perdermos.

12 de janeiro de 2010

TEÓFILO - ATÉ AO FIM !

Num lance, o Acaso, o Destino ou o que se queira admitir de mais transcendente, pode roubar-nos tudo. A Teófilo Braga, tudo foi roubado, com a inexorabilidade do Deus ex machina que punia cegamente os protagonistas nas representações das tragédias gregas. Foram-lhe roubados os dois filhos, muito depois de um terceiro que morreu ao nascer. Depois viu partir a mulher, que tanto e tão bem o amou, que tanto e tão bem por ele foi amada. Recusou-se a vergar a cerviz aos ditames do Inexorável. Estavam lá os livros? Estavam lá os papéis? Avante, então! E foi esse mesmo Inexorável que se irritou perante a tremenda declaração de resistência. E disse-lhe: “Ai, queres estudar, escrever, publicar? Pois espera, meu menino, que já te ‘faço a cama’”. E foi-o cegando, progressivamente, talvez com um risinho de escárnio a ajudar. “Então, Teófilo, estás finalmente de joelhos?” Não estava! Espantosamente, não estava!

Outros, menos resistentes, teriam abatido bandeiras, numa mais do que compreensível capitulação. Mas Teófilo foi sempre uma Vontade, um Orgulho, uma Afirmação, uma “Consciência” “que nunca soube capitular . Deste arcaboiço moral inteiriço retirou ele, nos momentos mais angustiosos da sua vida, o impulso vital para perseverar na existência. Dias depois de falecer sua mulher, escreveu uma carta a Joaquim de Araújo que comprova esta jura de prosseguimento de caminhada, esta renitência a confessar uma derrota, esta irredutibilidade na recusa da rendição. Dizia: “Aqui estou sozinho na mesma casa e na mesma forma de viver, mas cerca-me o vácuo. (…) Volto a ser o antigo estudante solitário. Amei, fiz a minha família, trabalhei para ela, e, nesta trajectória da vida, perdi os filhos, agora a esposa – e acordo de um sonho, de um idílio, de uma tragédia, de um naufrágio, de quarenta e três anos. Valeu a pena? Antero diria que não; eu acho que foi uma revelação da vida equilibrada entre duras realidades e altos ideais. E já é uma grande coisa poder dizer: - Vivi.

Praticamente cego, pediu a antigos discípulos que o ajudassem, como secretários particulares, lendo-lhe os textos por ele seleccionados e sobre os quais ditava os parágrafos dos livros que quis continuar a fazer. Na antevéspera do seu falecimento ainda mandava para os seus editores uma carta, obviamente composta por mão de terceiro, onde pedia que a devolução das provas tipográficas fosse feita de acordo com o calendário dos seus voluntários colaboradores. Uma sobrinha, que lhe levava as modestas refeições, encontrou-o morto na manhã de 28 de Janeiro de 1924, de borco, sobre a cama. Pormenor conclusivo: estava semi-vestido. Deu luta à Inexorabilidade até ao momento decisivo. A Inexorabilidade ganhara a partida. Ganha sempre, aliás.

Houve, continua havendo, muita gente a detestar Teófilo. Tenho de confessar que ele é, para mim, um dos raros heróis que tento imitar (tão mal, apesar da teima…).

7 de janeiro de 2010

TEÓFILO E O ÓDIO


Quando ocorreu a revolução republicana, em 5 de Outubro de 1910, Teófilo Braga estava perto dos 68 anos. Vivia então na Travessa de Santa Gertrudes, numa pequena moradia forrada de azulejos. Perdera os dois filhos num espaço de pouco mais de três meses, entre Dezembro de 1886 e Março de 1887. Quando foi ocupar o cargo de Presidente do Governo Provisório da República, Teófilo vivia o segundo grande drama da sua existência: a mulher com quem casara e que o tinha acompanhado carinhosamente existia agora apenas no plano vegetativo e manifestava uma completa alienação mental. Apesar disso, Teófilo respondeu à chamada – da História? do Destino? – e engolfou-se no mundo activo da conturbada vida política do tempo. Depois cedeu o lugar a Manuel de Arriaga, presidente eleito pelo bloco formado por António José de Almeida e Brito Camacho, contra a candidatura de Bernardino Machado, patrocinada por Afonso Costa e desejada pelo próprio Teófilo. Foi novamente chamado interinamente à mais alta magistratura da República quando a revolução de 14 de Maio de 1915 obrigou à renúncia de Arriaga. Foi este o seu último serviço patriótico em funções políticas oficiais. A mulher já falecera e ele voltou para a cartucha de Santa Gertrudes, agora na solidão afectiva completa, mas cercado sempre por esses fiabilíssimos companheiros silenciosos que são os livros e os papéis amarelecidos pelo tempo. Perguntemos agora isto: pode um homem muito gasto e velho, preocupado apenas com alfarrábios e documentos de antanho, frágil e cada vez mais dependente, inteiramente devotado à leitura e à escrita, poderá um homem destes continuar a ser visto como uma ameaça por opositores políticos? Pode. Mas essa possibilidade só existe para os que se converteram em símbolos e entraram, sem retorno, num imaginário colectivo onde se fundem afectos e ressoam esperanças de futuro. Faltava a Teófilo Braga coleccionar certa forma de homenagem que a Autoridade exorbitante presta à Liberdade natural sob a forma do ódio de estimação que só se tem por quem se teme. Quando, em Dezembro de 1917, Sidónio Pais interrompeu a experiência democrática do republicanismo e enveredou pela via ditatorial uma das suas decisões foi a de remover o retrato de Teófilo do Palácio de Belém. Depois da morte de Teófilo, o busto em bronze que uma comissão de amigos lhe tinha colocado no Jardim da Estrela, que ficava perto do seu domicílio, foi retirado do local pelas autoridades municipais do Estado Novo e atirado como um trambolho para um depósito empoeirado da autarquia de Lisboa. É a política a continuação da guerra por outros meios? Talvez seja. Mas há no ódio o estranho sortilégio de enobrecer sempre o objecto sobre o qual se derrama.

4 de janeiro de 2010

POR QUE SOU REPUBLICANO


SOU REPUBLICANO porque acredito que a história da Humanidade comporta um sentido e que esse sentido tem o alcance de um reforço de Cidadania: enquanto membros de uma horda primitiva, os seres humanos foram os joguetes submissos de chefes brutais; enquanto súbditos de monarquias absolutas, a esmagadora maioria dos seres humanos foi alvo de violências vassálicas e de sujeições servis e de gleba; enquanto súbditos de monarquias constitucionais, a maior parte dos seres humanos sofreu toda a casta de discriminações censitárias e foi vítima do vexame de ser olhada como parte plebeia por aristocratas arrogantes e, na maior parte dos casos, sem méritos comprovados.

SOU REPUBLICANO porque a razão me demonstra que só sob o regime republicano estará plenamente garantido o sufrágio universal, cujo caminho se iniciou entre nós através da propaganda democrática de homens de cultura e de acção como Teófilo Braga, João Chagas, Manuel de Arriaga, António José de Almeida, Afonso Costa, José Falcão e tantos mais.

SOU REPUBLICANO porque quero lutar por um sistema político e social em que predomine cada vez mais o critério de eleição - e não de nomeação - e em que TODOS os cargos políticos não possam ser vitalícios e hereditários, devendo antes ser temporários e amovíveis.

SOU REPUBLICANO porque o estudo da História de Portugal me ensinou que as grandes reivindicações patrióticas, desde o repúdio do Ultimato inglês de 1890 à entrada em guerra, no primeiro conflito mundial, ao lado de potências democráticas como a França e a Inglaterra, foram causas assumidas pelo património de valores do republicanismo, ao passo que uma boa parte dos monárquicos do tempo foram passivos ou (mais grave ainda!) germanófilos.

SOU REPUBLICANO porque quero para os meus filhos e netos um ensino público laico, ou seja, neutral em matéria religiosa. Isto significa que os meus valores me impedem de transigir com uma qualquer “religião de Estado”. A monarquia, mesmo na sua forma constitucional, nunca abraçou este princípio na nossa experiência histórica passada. A exigência da laicidade é hoje maior do que nunca, dado que o fenómeno da globalização nos fará viver cada vez mais num mundo plural de crenças e de culturas contrastadas. O Estado não deverá, assim, privilegiar uma forma de religião em detrimento de todas as demais, pois isso significaria que esse Estado estaria a privilegiar uma parcela de Cidadãos em detrimento dos demais.

SOU REPUBLICANO porque foi a República que instituiu um serviço público de registo civil, contemplando os momentos decisivos da vida humana: tornou obrigatórios os registos civis de baptismo, de casamento e de óbito. O que isto representou para o planeamento progressivo da Grei e para o reforço do princípio da solidariedade nacional foi (e é) verdadeiramente incalculável.

SOU REPUBLICANO porque foi a República que conseguiu reduzir as taxas de analfabetismo para patamares aceitáveis, sendo certo que em 5 de Outubro de 1910 cerca de três quartos da população portuguesa não sabia ler, nem escrever, nem contar.

SOU REPUBLICANO porque foi a República que permitiu o casamento civil e estatuiu o recurso ao divórcio, sempre que os cônjuges entendessem que a relação conjugal se tinha depreciado e tornado inviável.

SOU REPUBLICANO porque prezo e defendo a Res Publica, entendendo por isto a Casa Comum dos portugueses, o domínio público, o património edificado e imaterial que o nosso Povo foi construindo ao longo de gerações; e porque acredito, portanto, que o serviço público é o mais meritório e abnegado dos serviços que o Cidadão pode prestar, desde o do médico que trabalha num hospital público ao do professor que ensina numa escola pública ou ao do pedreiro que serve com a sua força de trabalho as obras públicas. Servir a Res Publica, a Coisa Pública, a Casa Comum dos portugueses, é contribuir, portanto, para a mais nobre e inviolável das causas: a causa da Democracia.

SOU REPUBLICANO porque não acredito em castas privilegiadas e não aceito servir famílias “notáveis”; a única família notável que reconheço é a dos portugueses no seu todo.

SOU REPUBLICANO porque outros títulos de nobreza que não sejam os do trabalho, do mérito, da qualidade de serviço e da honrada labuta quotidiana são por mim encarados como as excrescências de um mundo velho, apenas destinados a adornar o tecido social com ridículas fatuidades ou com pequenas vaidades inconsequentes.

SOU REPUBLICANO porque quero ver um Cidadão mandatado pela maioria dos meus Concidadãos no exercício da suprema magistratura da Nação e porque quero reservar para o universo desses Concidadãos a revogação desse mandato, sempre que tal cargo não seja exercido de acordo com os superiores interesses da Pátria (que somos todos nós).

SOU REPUBLICANO porque acredito que a República é o regime que melhor garante o valor da Igualdade dos cidadãos perante a lei, o da Liberdade responsável e o da Solidariedade e mutualidade de serviços. Acreditar em tudo isto é confiar num futuro mais justo para Portugal e para os portugueses.

2 de janeiro de 2010

CARTA AOS MAIS NOVOS

Uma galeria da "mina"

Foram muito generosas as suas observações sobre o meu texto. Asseguro-lhe que foi penosa a sua produção, porque é sempre muito difícil traçar uma evolução daquele calibre em páginas contadinhas. Não concordo quando me diz que jamais será capaz de fazer coisa semelhante. E isto por duas razões: em primeiro lugar, apesar do esforço, eu não penso que a análise esteja tão certeira quanto isso. Há que relativizar sempre (que coisas importantes me escaparam? que coisas menores foram enfatizadas? que coisas "entre-o-cá-e-o-lá" foram explanadas sem a devida leitura do contexto? ). A segunda razão da minha discordância está nisto: eu levei toda uma carreira para fazer o que hoje faço (e, entenda-se, o que hoje faço não é nenhuma maravilha); são decénios de investigação acumulada, e isto é assim porque eu nunca deixei de estudar e de me considerar - com TOTAL SINCERIDADE - um ignorante. Aliás, é o que nós todos somos perante tudo: uns ignorantes sem remédio. Esta ponderação tem-me evitado fazer a figura triste de me sentir envaidecido ou importante. Mas tem-me mobilizado para um projecto de vida: se és ignorante, vê lá se estudas um bocado mais para seres MENOS IGNORANTE, PORQUE SÁBIO É QUE TU NUNCA SERÁS. Ao adoptar esta directriz, eu senti-me pacificado comigo mesmo e com o mundo. Daí resulta que se um inimigo ou "amigo menor" me quiser atacar, alegando que sou uma completa nulidade, eu até acabarei por concordar com ele. Não pelas razões dele, mas pelas minhas! E isto dá-me a serenidade indispensável para continuar calmamente a investigar.
Tenho procurado transmitir esta postura aos meus discípulos, sobretudo aos que estão na calha do ensino superior. Mais do que o que lhes ensinei, é importante esta mensagem de humildade profunda e muito autêntica perante o Saber. É que este é a mina inesgotável que nós trabalhamos toda a nossa vida, para trazer à superfície (se conseguirmos e quando o conseguimos) uma pepita de ouro de um ou dois gramas. O que lá fica, nas profundidades e longe do nosso alcance, são toneladas. Eu acredito em si, na medida em que antevejo que também a minha Amiga poderá vir a trazer à tona um ou dois gramas dessa incomensurável mina de ouro. Isto acontecerá ... se: SE continuar a trabalhar; SE não vier a deslumbrar-se com o seu próprio saber; SE for permanentemente humilde perante o Conhecimento; SE se mantiver indiferente perante a lisonja e perante o insulto de terceiros; SE tiver a serenidade do Filósofo ("amigo do saber", mas não "sábio", como nos declara a etimologia). Ora, eu pressinto que será capaz de tudo isto.

Obrigado pelas suas palavras, que são sempre importantes, porque me trouxeram estímulos para dar continuidade ao meu trabalho.

Vou ler os seus textos e depois lhe transmitirei as minhas opiniões.

Um grande 2010, para si e para todos os seus Familiares.

Seu Amigo (e Colega) verdadeiro,