Quando ocorreu a revolução republicana, em 5 de Outubro de 1910, Teófilo Braga estava perto dos 68 anos. Vivia então na Travessa de Santa Gertrudes, numa pequena moradia forrada de azulejos. Perdera os dois filhos num espaço de pouco mais de três meses, entre Dezembro de 1886 e Março de 1887. Quando foi ocupar o cargo de Presidente do Governo Provisório da República, Teófilo vivia o segundo grande drama da sua existência: a mulher com quem casara e que o tinha acompanhado carinhosamente existia agora apenas no plano vegetativo e manifestava uma completa alienação mental. Apesar disso, Teófilo respondeu à chamada – da História? do Destino? – e engolfou-se no mundo activo da conturbada vida política do tempo. Depois cedeu o lugar a Manuel de Arriaga, presidente eleito pelo bloco formado por António José de Almeida e Brito Camacho, contra a candidatura de Bernardino Machado, patrocinada por Afonso Costa e desejada pelo próprio Teófilo. Foi novamente chamado interinamente à mais alta magistratura da República quando a revolução de 14 de Maio de 1915 obrigou à renúncia de Arriaga. Foi este o seu último serviço patriótico em funções políticas oficiais. A mulher já falecera e ele voltou para a cartucha de Santa Gertrudes, agora na solidão afectiva completa, mas cercado sempre por esses fiabilíssimos companheiros silenciosos que são os livros e os papéis amarelecidos pelo tempo. Perguntemos agora isto: pode um homem muito gasto e velho, preocupado apenas com alfarrábios e documentos de antanho, frágil e cada vez mais dependente, inteiramente devotado à leitura e à escrita, poderá um homem destes continuar a ser visto como uma ameaça por opositores políticos? Pode. Mas essa possibilidade só existe para os que se converteram em símbolos e entraram, sem retorno, num imaginário colectivo onde se fundem afectos e ressoam esperanças de futuro. Faltava a Teófilo Braga coleccionar certa forma de homenagem que a Autoridade exorbitante presta à Liberdade natural sob a forma do ódio de estimação que só se tem por quem se teme. Quando, em Dezembro de 1917, Sidónio Pais interrompeu a experiência democrática do republicanismo e enveredou pela via ditatorial uma das suas decisões foi a de remover o retrato de Teófilo do Palácio de Belém. Depois da morte de Teófilo, o busto em bronze que uma comissão de amigos lhe tinha colocado no Jardim da Estrela, que ficava perto do seu domicílio, foi retirado do local pelas autoridades municipais do Estado Novo e atirado como um trambolho para um depósito empoeirado da autarquia de Lisboa. É a política a continuação da guerra por outros meios? Talvez seja. Mas há no ódio o estranho sortilégio de enobrecer sempre o objecto sobre o qual se derrama.
7 de janeiro de 2010
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