18 de abril de 2013

APESAR DO MEU SONO

Em tempos de breu as palavras sabem a pão ázimo: // Mastigamo-las na boca e ficam ali sem sabor e sem sal // Como coisas suspensas num tempo sem razão de ser. // E o que é deveras obscuro, definitivamente imperfeito // É que o Criador do mundo fique ali, mas em ausência : // Cataléptico, dessorado, nos braços de Morfeu adormecido // Mas capaz de ditar o que deveremos esperar, apesar de nós. // Magoa-nos este sinal de impotência, o ficarmos na margem, // O rompimento entre o que vai do meu juízo que valora // E o orgulhoso veredicto que me determina apesar de mim. // A velhice é sempre e toda minha, nunca da fieira do Tempo. // Encaro-te de frente, oh Sombra do meu Ser, e vou em frente, // Como o absorto sonâmbulo que quer ver, apesar do seu sono.

14 de abril de 2013

FERNANDO NAMORA, O GIGANTE MAL AMADO

Quando um dia se fizer, com imparcialidade, o levantamento da literatura portuguesa do Século XX – dando de barato que os portugueses ainda saibam ler … - dir-se-á que os literatos portugueses não souberam ou quiseram amar um vulto de gigante. Refiro-me a Fernando Namora. Era natural de Condeixa – aqui mesmo às portas de Coimbra. E isto constituiu um primeiro óbice para quem pensa que as aves canoras do triunfo e da popularidade só cantam nas árvores ( se árvores houver …) da Avenida da Liberdade, em Lisboa. Lisboa é o reino da “pategada” ilustrada, ou melhor, ilustrável. Como Portugal é macrocéfalo, e Lisboa se considera “grande cidade” (quando, verdadeiramente, é apenas um bairro simpático quando comparada com Londres ou Nova-Iorque) , a crítica lisbonense – um putedo inconcebível e insuportável reunido à volta do Grémio Literário dos caducos e da “folha de couve” do “Jornal de Letras” ( que hoje ninguém que se preze lê) – essa crítica da Capital e do Capital decretou, desde sempre, que só quem nasce por lá é “colunável”. Ora, Fernando Namora começou a escrever em Coimbra. E foi médico, profissão que o obrigou a percorrer as veredas do Portugal interior e interiorizável. Começou aí a sua desdita. A outra parte da impopularidade surgiu, quando se pôde pressentir, em função dos seus textos, que Namora não subscrevia tudo do dogmatismo neo-realista, ou seja, comunista. Namora nunca foi um escritor de Direita. Mas foi sempre um Homem Livre. E isso não lho perdoaram os sicários da cartilha marxista-leninista-engelsiana. Crês ou morres ? E, tranquilamente, Fernando Namora, do alto da sua impressionante densidade humana, respondeu : -Morro, se me puderem matar. Não puderam. Quem escreveu o “Fogo na Noite Escura”, sobre a vivência de uma certa Coimbra praxista e de um universitarismo decepcionante; quem redigiu esse espantoso testemunho sobre a saúde e doença dos humildes e miseráveis, dos ganhões e dos campónios, tendo por título “Retalhos da Vida de um Médico”; quem foi capaz de percepcionar o drama cruciante da vida por um fio e do amor interrompido que foi rotulado com o nome de “Domingo à Tarde” ; quem se debruçou sobre a peculiaridade do julgamento que os beócios da estranja lançam a um certo Portugal solitário e intrépido – e é este o tema dos “Adoradores do Sol”; quem foi capaz de trazer à tona tudo o que há de mais densamente e quase psicanaliticamente existencial nesse críptico texto que deu pelo nome de “O Homem Disfarçado”, não precisa de meia dúzia de Elviras abonatórias, empoleiradas no Castelo de S. Jorge, a decretarem à posteridade, como o pretendeu fazer António Feliciano de Castilho, meia dúzia de “celebridades “amigadas”, todas aos gritinhos, praticando novamente a “escola do elogio mútuo”. Fernando Namora está connosco. Em Condeixa. Aqui mesmo, perto de Coimbra. Onde lhe devotaram um museu. E onde, definitivamente, a sua memória se eterniza.