20 de janeiro de 2013

PARA UMA PSICANÁLISE DO PORTUGAL DE HOJE

Povo de camponeses e pescadores, fomos um todo social que ruminou a sua própria pobreza de meios. Lavrar o campo ou colher do mar os frutos possíveis, nisto consistiu o destino dos nossos maiores. Foi essa escassez de riquezas que nos levou aos descobrimentos marítimos. Estes teriam sido motivo de orgulho e ufania para os Grandes do Reino. Para os pequenos, para os embarcadiços sem fortuna, a demanda do Reino do Preste João foi apenas a oportunidade de não rebentar de fome. "Os Lusíadas" - há que afirmá-lo - foram a epopeia dos filhos d'algo, jamais o espelho da arraia-miúda sem amanhã. Esta foi aplacada a golpes de Evangelho, com frades estonteados a guinchar de púlpitos histéricos que a miséria do hoje, a fome do agora, estava prestes a ser resgatada no amanhã da Eternidade. A Inquisição garantia a obediência de algum recalcitrante. E este era conduzido ao braseiro com a mesma impassibilidade com que era conduzido o coirão de um porco à matança e ao estonar das cerdas. Era aquilo um Povo? Lérias ! Aquilo era tão somente um magote de animais de rosto humano que os mais ladinos ajoujavam de obrigações e privavam metodicamente de todos os direitos. Foi assim toda uma existência multissecular. E desta hauriram os poderosos um jeito senhoril e imperial de reivindicar sacrifícios em proveito próprio, como se estes não apresentassem o rosto abjecto da espoliação forçada mas simulassem a face augusta da Justiça sem mácula. Tais antecedentes explicam tudo deste nosso presente. Os tiques dos poderosos são os mesmos, sem tirar nem pôr. E o jeito conformado dos pobretanas apenas reproduz o cagaço de que venha por aí alguma nova Inquisição, com um padreca intonso a resmonear uma “Avé-Maria” e a novamente acenar com uma Bem-Aventurança, administrada de acordo com o breviário, ou seja, a atingir depois de se ter esticado o conformado pernil. Somos o que somos. E é pena. Portugal, enquanto Povo, enquanto História, enquanto Identidade, tinha condições potenciais, já não digo para ser grande, mas para ser Ele-próprio, sem vergonha.

Sem comentários: