27 de julho de 2013

HISTÓRIA DE UM TURCO

Ela era brasileira. Pelo menos, falava um português com melaço. Para os que tivessem um evidente e esdrúxulo apetite, aquela outoniça quarentona ainda "marchava". Talvez por isso, ia acompanhada por um "portuga" muito verboso. Notava-se que ela acabara de chegar a Portugal e estava a "tomar-lhe as medidas". Ao País, claro. O trintão, talvez macho porque falava alto - mas com jeitos "larilas", porque se fazia capacho - o trintão que a acompanhava, fazia os possíveis por a ver deslumbrada com os bons serviços lusitanos. Irromperam, perto das três da tarde, por uma das carruagens do combóio Alfa, que iria rumar para norte, em minutos. Dizia o magano: - " Está a ver ? Está a ver ? Tem ar condicionado. Lá fora estão 28 graus. Olhe estes 22 aqui dentro ". A "brasuca", que me pareceu com sono, acenava que sim com a cabeça. E a carraça lusa prosseguia: - "Já apreciou os bancos? Ora sente-se lá !". E ela, a bocejar, lá se sentou. O tipo: " Boa cadeira, não é ? Cómoda ! Estes Alfa são sensacionais. E olhe que fazem, em certas alturas, 220 quilómetros à hora". E ela : - "Tou vendo ...". E ele : - "Agora tem de vir ver o WC". Ela : - " O ... o ... o quê ?" Ele : - " O que vocês lá no Rio chamam banheiro". Ela, cabeceante : - "Máis tem di tê, né ?". Ele, convicto: - "Mas este "banheiro" é mesmo moderno. Olhe bem, a porta é automática ; a água sai para a bacia de lavar as mãos quando se carrega com o pé ; se precisar de "verter águas" ... Ela, perplexa : - "Vertê o quê, moço ?" Ele, enrascado: - "Bem, se for com a bexiga entalada ... " Ela, levemente escandalizada : - Ah, isso, e então ?" Ele, vitorioso : - " É só carregar neste botão. Depois de, claro, depois de..." Ela, conformada : - "Oh, moço, então haveria di sé antis di ??? " Ele, em catadupa : - "E depois de fechar a porta, tem um dispositivo de duas cores para avisar as pessoas de fora sobre se o WC, bem, o "banheiro", está ocupado ou não. É como nos semáforos. Verde, pode avançar. Vermelho, está ocupado". Ela, vencidíssima: - " Tá, moço. Tá. Tá tudo muito bem. Olha, tá ná hora di partir. Muito obrigado por tudo, viu ?" Quando a "brasuca" ficou entregue apenas ao verde-amarelo dos seus próprios pensamentos, deu um quase imperceptível suspiro de alívio e recostou-se comodamente. Mas lembrou-se então que precisava de uma garrafinha de água para o resto da viagem. Eu estava no banco contíguo. Estudou-me, com disfarce, antes de me dirigir a palavra. E acabou por inquirir : - "O Senhor mi disculpi. Mas tém bar nesti trem ?" Eu, fingindo segurança total : - "Claro que tem bar, minha Senhora. Carruagem oito". E ela : - "O Senhor é portugueis ?" E eu, sem vacilar : - " Não, minha Senhora, sou turco. Vivo é cá há muitos anos".

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