3 de dezembro de 2008

BRAGANÇA, O ÚLTIMO

Foi-me pedido um trabalho sobre o ano de 1909, para a exposição bibliográfica que proximamente irá ser feita pela Biblioteca Nacional. Quando acabei de escrever o primeiro parágrafo, entendi que ele não ficaria deslocado nesta tribuna. As realidades são certamente muito diferentes. Até por isso, valerá a pena o cotejo. Passo a citar(-me) – e perdoe-se a imodéstia autoral:

 

Um rei imberbe, vacilante e tutelado por sua mãe, a rainha-viúva; quatro gabinetes governamentais – os de Campos Henriques (este vindo do ano anterior), Sebastião Teles, Venceslau de Lima e Veiga Beirão – que se sucedem de modo pouco pacífico, gerando nos próprios arraiais da monarquia uma tempestade de recriminações, ressentimentos e amarguras; uma oposição republicana que se prepara para todas as eventualidades, pronta a aproveitar as oportunidades que vierem a suscitar-se, de modo espontâneo ou preparado, para desencadear contestações e paradas públicas de força; a Autarquia lisboeta com a presidência entregue, desde Novembro do ano anterior, a Anselmo Braamcamp Freire, um antigo servidor do Paço, que a desilusão atirara para os braços do republicanismo; uma sociedade corroída por suspeições de honorabilidade em relação à gestão das finanças públicas e ao escrúpulo do seu pessoal político; um sector religioso, talvez minoritário mas muito activo, defensor de um catolicismo afectado por princípios radicalmente conservadores e por ânsias de intervencionismo bem distantes do simples “serviço das almas”; um quotidiano só aparentemente tranquilo, mas na realidade desconfiado da “acalmação” que lhe fora prometida, após o rei D. Carlos e o príncipe-herdeiro terem sido assassinados, no pretérito primeiro de Fevereiro do ano de 1908 – eis aqui uma sucinta súmula das notas caracterizadoras do ano de 1909

3 comentários:

Anónimo disse...

D.MANUEL II


Com ele terminou a dinastia
com outro Manuel iniciada:
há quase nove séculos fundada,
findou também com ele a monarquia.

Previsto não estava que reinasse
por ser filho-segundo, mas o certo
é que o acaso quis ou Deus por certo
que esse destino ingrato lhe tocasse.

Renunciou ao trono muito moço
e sem alarde, em paz, sem alvoroço,
partiu para o exílio... de bom grado.

No Panteão Real jaz sepultado
ao pé do seu irmão, cujo lugar
ele assumiu no ofício de reinar!

João de Castro Nunes

Anónimo disse...

UM JOVEM REI NO EXÍLIO


Discretamente, de cabeça erguida,
sem qualquer enxovalho popular,
D.Manuel Segundo na partida
foi simplesmente nobre e singular.

Leva no peito em sangue uma ferida
que nunca mais havia de sarar,
uma chaga recôndita, escondida,
que faz questão de para si guardar.

Entregue aos seus estudos na Inglaterra,
nem por isso, na sua solidão,
deixa de cogitar na sua terra.

Consigo morre toda a esperança
de persistir a Casa de Bragança
à frente dos destinos da Nação!

João de Castro Nunes

Luís Alves de Fraga disse...

Caro Amigo,
Por muito republicano que me sinta não posso deixar de dizer que a figura de D. Manuel II me é simpática. Simpática pelas condições que o catapultaram para uma função que nunca ninguém imaginara possível na época – ficar órfão de pai e sem o irmão saudável para lhes ocupar o lugar que, por direito, lhes pertencia constitui, de certeza, um abalo para qualquer mortal; simpática, porque, podendo fazer o contrário, se remeteu, paulatinamente, ao destino que a República lhe impôs: a de rei exilado; simpática, porque, no exílio, quando o perigo de perda da independência nacional era grande, soube aconselhar os seus apaniguados a cumprirem os deveres de patriotas, deixando para trás os deveres de monárquicos; simpática, porque, tanto quanto se sabe, não alinhou com, nem alimentou, conspirações contra o regime que o depusera – conformou-se com o destino; e o destino, que o havia empurrado para um trono carcomido pelo caruncho, colocou-o em Londres, vivendo modestamente (atendendo ao possível desafogo que os bens de família lhe permitiam), coleccionando livros raros e catalogando-os para se deleitar a folheá-los e os deixar como património nacional. Pressentiria ele que a vida lhe ia ser curta?

O último dos Braganças teve, ao que parece e até haver prova em contrário, dignidade no seu infortúnio.
No panteão da família, no mosteiro de S. Vicente de Fora, repousam, com ele, as últimas esperanças do reino de Portugal. Ficou-nos uma República à qual, nem sempre, os republicanos sabem prestar honrada homenagem; a qual, certos republicanos, não são capazes de honrar como D. Manuel II honrou a Monarquia deposta.