8 de janeiro de 2011

" NO PASSARÁN !"


Que rumor é este? Que subtil fluido se desprende da vida dos homens concretos, das dificuldades de sermos humanos e livres, do indómito desejo de nos considerarmos parte activa da Pátria, irmãos-gémeos da Democracia, ombro a ombro com Cidadãos iguais-a-nós, no raso plano deste viver contingente, a caminho do fim? Que desafio é este? Cai-nos em cima a matéria fecal do crapuloso latrocínio do Capital, das agências de “rating” (que ninguém sabe de que enxerga podre surdiram), do conluio entre meia-dúzia de ventrudos banqueiros e de outra meia-dúzia de pestíferos e ignaros políticos, e nós, aturdidos com tamanho e pulhostre conluio, declaramos, como Dolores Ibarruri, no auge da guerra civil espanhola : “No passarán!”. Que estranho caminho é este? De um lado as agigantadas pretensões dos que pensam que o viver é um exercício de cálculo, uma empalmação de ilusionismo com que se enganam multidões de ingénuos, sempre prontos ao sacrifício do Bezerro de Ouro. Do outro lado, as inumeráveis multidões dos que nada esperam senão a tranquila sentença de quem dirá : “Trabalhaste, toma o fruto do teu suor e vai em paz!” . Afinal, que estranho caminho é este? Ah, minha “Passionaria defunta”, pudesses tu saber que não morreste quando morreste, que a tua gloriosa rebelião ficou por cá, dormiu connosco, gerou filhos bem nascidos, desbravou gloriosas veredas de amanhã e descobriu sóis radiantes para além do sol que nos ilumina. Sim , Dolores, “no passarán!” . Vencem agora ? Talvez. Aos ombros dos ladinos, mas também dos desprevenidos, às espaldas dos inocentes, mas também dos pobres de espírito, no dorso dos desprevenidos, mas também dos vendidos. Dolores, minha Dolores, “no passarán!”. Sabes porquê, Irmã da minha carne, sacerdotisa da minha Crença, Senhora do meu Coração ? Porque, no auge da guerra civil espanhola, um Homem houve, chamado Hemingway, que descreveu a cópula entre um guerrilheiro e uma Mulher militante e a contou como um terramoto, como uma telúrica experiência de sangue , esperma e vida, como uma Esperança de Futuro, como uma litania de Amanhã, como uma “finalidade sem fim”, à maneira de Kant. Descansa, Dolores, “no passarán!”. E se passarem, Amante, Esposa e Filha, saibas tu que o teu Verbo, como religião intemporal, nos galvanizará numa prece sem distância, renovada em cada Primavera, e que de ti fluirão as torrentes de Dádiva e de Futuro que será o pesadelo de todo o despotismo, a decepção de todo o arbítrio, a execração de toda a lábil conformação. Dolores, estamos aqui, na luta. Como teus Irmãos! Para sempre. Em nome do Futuro!

( No início da campanha presidencial do ano de 2011. Viva Portugal ! )

Post Scriptum - Um bom Amigo fez-me notar que a correcta expressão em castelhano é "No pasarán". Pois que seja. Não vou corrigir. Mas dou a mão à palmatória, desde que ela permaneça íntegra, depois da punição, para saudar a nossa vizinha Espanha.

AMADEU CARVALHO HOMEM

9 comentários:

Marco da Raquel disse...

amigo Prof. Amadeu Carvalho Homem, ao ler estas linhas fico sempre triste por sentir que em mim urge criar o fogo que outrora iluminou as cavernas escuras da ditadura, creio que vamos voltar a navegar no lodo dogmatico e da intolerância, não sei se quero esta "democracia" cooporativa, selvagem e anti-humana, não sou um bom amigo, nem tão pouco um bom primo, infelizmente...Marco da Raquel

Luís Alves de Fraga disse...

Caríssimo Amigo,
Embora eu ligeiramente mais velho, somos ambos da mesma geração. Vivemos tempos de obscurantismo, de ditadura, de servilismos, mas tempos de resistência também. Por nós passaram várias crises e nelas crescemos, mas a que se avizinha neste começo de 2011 vai ser a pior de todas, pois vamos deixar de herança aos nossos filhos e aos nossos netos um Portugal empenhado, já sem anéis e sem dedos, sem mãos.
O futuro é negro e a Democracia não é do Povo... pertence a meia dúzia que tomam decisões poderosas enganando-nos com mascaradas de eleições onde nos digladiamos, julgando que reside em nós a decisão do futuro.
Lastimo desiludi-lo, mas eles já passarão! Resta-nos oferecer, com resistência, o dorso para nele nos colocarem a albarda. Sacudi-la impunha uma ruptura com todo o sistema e, mesmo assim, passaríamos fome. A fome que está na linha do nosso horizonte.
Está na altura de perguntar: - Onde está a imaginação para a pormos no Poder?
Um abraço

João de Castro Nunes disse...

Para onde quer que se vire
o nosso olhar não se enxerga
onde está quem nos retire
esta albarda que nos verga!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Quando em verdade não temos
qualquer outra solução
para a crise em que vivemos,
impõe-se a revolução!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Quando em verdade não vemos
uma qualquer solução
para a situação que temos,
só nos resta a oposição!

João de Castro Nunes disse...

Altero a última palavra da quadra anterior para "defecção". JCN

António disse...

Gostei. Principalmente da atitude afirmativa e intransigente: "No Passarán". Assim mesmo. Com dois SS. Como quem grita e não cala: No passarán. Posso-me enganar na forma mas não tenho dúvidas do conteúdo.

Apenas um pequeno comentário em forma de "update", como dizem agora esses que mais nos fecundam: Os ventrudos banqueiros estão também em vias de extinção. Foram substituídos por uma nova forma de vida, de seres magros e enérgicos (slim and fit, na boca deles), que jogam golfe e vão todos os dias ao ginásio. É vê-los nos aparelhos de exercício, com os aifones nos ouvidos e o tablete à frente, a correr em streaming as cotações da bolsa, com a seiva de todos nós; cuja actividade soció-sexual se resume ao onanismo em casa, frente ao plasma e a sessões grupais na sauna do clube men's (?) only. O nosso velho amigo, gordo e de charuto ao canto da boca, com a esposa anafada em casa e a amante de casa posta em local próprio e a distância decente; que as únicas tabletes que conhecia eram as da Regina, que oferecia na Páscoa aos afilhados; que encaixava sempre o moço filho da cozinheira e do motorista numa das suas empresas. Esse... ainda lhe vamos sentir saudades.

Abraço
Zé Ledo

João de Castro Nunes disse...

Estes novos passarões
são a vergonha da gente:
com todos os seus senões
antes os de antigamente!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Os abutres, não podendo
abrir caminho de frente,
acabam sempre comendo
pelas ilhargas a gente!