21 de junho de 2007

A IMAGINAÇÃO

Seja por força das leis evolutivas que comandaram o desenvolvimento da espécie, seja por imposição e decreto de um qualquer Criador, a verdade é que os seres humanos possuem um especial mecanismo de refiguração da realidade: a imaginação. Actua ela como um duplo ou um eco do que nos rodeia e suscita. É virtual, mas carece da projecção de um cone de sombra, lançado a partir das existências concretas. Salda-se pela activação de um trabalho íntimo, que afeiçoa a nós mesmos as parcelas de exterioridade que cobiçamos de alguma forma. Não é verdade que esta imaginação se destine exclusivamente a sublimar frustrações, embora não seja mentira que a sua força provém da parte incompleta e carente de nós próprios. Tal como a vislumbro e procuro, a imaginação é a esfera concêntrica e recolhida de uma outra esfera bem maior, chamada Mundo, a que nos encontramos imediatamente votados e devotados. Votarmo-nos ou devotarmo-nos ao Mundo é sempre uma forma de heróico sacrifício. Por isso é que Heidegger nos definiu como “seres para a morte”. Se a criatura não fosse heróica, ela suprimir-se-ia a partir do instante em que tomasse consciência da fatalidade do seu desaparecimento, da inevitabilidade do seu perecimento, uma vez concluídos os rituais da breve e cruel sobrevivência. Ora, a nosso ver, o suicídio é o resultado de uma imaginação tornada impotente. É que ela, a imaginação, é a fina camada de protecção que selecciona e filtra os ingredientes mundanos que nos levam a persistir na vida, transportando-os, mais decantados e depurados, para os abismos de um Eu resistente. Desta forma, tais ingredientes não sofrem a erosão da realidade. Eles são vistos por órgãos interiores de apercepção, por uma espécie de pupila interior que os transfigura e torna aceitáveis. Situamos nos mecanismos da imaginação os redutos da alegria, do optimismo, da poesia e da vontade de viver. Queremos com isto dizer que rejeitamos a hipótese de uma imaginação maléfica. O Mal, na sua expressão mais absoluta, é a visão do Mundo no horror da sua nudez , no vazio da sua dimensão taxativa. O Mal é um Mundo dentro do qual a imaginação se deixou estrangular. É por isso que eu me recuso a acreditar que alguma vez chegue o dia em que os seres humanos abdiquem da Poesia, da Filosofia, do Romance, do Teatro, etc. Esse seria o dia do triunfo irreversível do Mundo sobre o Homem, ou seja, o dia da Criação impotente. Ora, não é isto o maior dos absurdos?

1 comentário:

Luís Alves de Fraga disse...

«O Mal é um Mundo dentro do qual a imaginação se deixou estrangular. É por isso que eu me recuso a acreditar que alguma vez chegue o dia em que os seres humanos abdiquem da Poesia, da Filosofia, do Romance, do Teatro, etc. Esse seria o dia do triunfo irreversível do Mundo sobre o Homem, ou seja, o dia da Criação impotente. Ora, não é isto o maior dos absurdos?»

Permiti-me a transcrição para lhe poder dar a resposta à pergunta deixada para todos nós. Aí vai ela.
- Sem dúvida, meu caro Amigo! Isso seria absurdo, mas deixe que acrescente mais qualquer coisa ao que tão bem disse.
Para mim – admito que, quase pela certa, não sou original – a imaginação anda ligada, de braço dado, à capacidade de sonhar. O sonho como fruto da imaginação; flor e fruto de uma só planta. O homem que deixou de sonhar – acordado, entenda-se – tem seca a sua imaginação ou, pelo menos, está muito próximo do deserto imaginativo.
A Poesia, a Filosofia, o Romance, o Teatro e tudo o mais que por aí fora vem, são o resultado de uma imaginação que sonhou; que buscou na experiência da sua vida, cujo resultado fez passar pelo filtro da sensibilidade até se esgueirar para o nível superior da imaginação onde deu largas ao sonho, fazendo retornar à racionalidade ordenada o produto decantado deste processo.
Deixo-lhe, em jeito de desafio, para outros responderem, a pergunta meramente retórica: - Estarei certo ou é delírio meu esta divagação?
Um abraço