27 de junho de 2007

ORGANIZAR A SOCIEDADE

Vale a pena insistir neste ponto: a proposta válida para um modelo aceitável de organização social e política deverá basear-se numa análise realista da natureza humana. De pouco valerão os conceitos grandiosos, as moralidades atléticas, os épicos esboços de Devir se tivermos esquecido o alicerce estruturante de qualquer proposta viável. E esta proposta , queiram-no ou não os parteiros dos sistemas “a priori”, radica, nutre-se e ganha alento a partir da definição objectiva do que é, irrefutavelmente, axiomaticamente, definitivamente, a natureza humana. Se isto for verdade, será possível sustentar que o que deve ser, formula a sua legitimidade a partir do que é. Temos para nós que não é possível construir um mundo mais justo a partir de uma abstracção, de uma ideia pura, por muito apelativo que se revele o seu poder de atracção. Os grandes mitólogos políticos dos séculos XIX e XX construíram os seus sistemas através da fragmentação do género humano, decretando que uma parcela dele seria, por desígnio providencial, portador de uma Verdade a que se furtava a parte excedentária. Karl Marx tentou opor a autenticidade do operariado à alienação da burguesia, sem ter tido tempo de se dar conta que o alegado triunfo histórico do proletariado mais não era do que o pródromo da constituição da nova burguesia vermelha partidocrática. Por seu turno, Augusto Comte quis entregar o governo da Cidade aos “generais da indústria moderna”, sem se ter dado conta que os “dignos trabalhadores” não poderiam sustentar sem protesto a emergência e a afirmação de uma plutocracia dominante. O que vemos em ambos os casos é uma radical incapacidade para tentar o resolução do “problema humano” a partir dele mesmo, sem sofismas e sem mutilações preconcebidas. Agora dão-nos um mundo globalizado, procuram convencer-nos que a História atingiu o seu fim através do triunfo de critérios económicos de “eficácia”, como se não fosse possível recordar a esta elementar e parcelada “eficácia” a infinita tragédia de continentes inteiros em putrefacção social, como a África e uma boa parte da Ásia. No dia em que for possível a constituição de uma disciplina de Antropologia Social escorada na tentativa de discernir a mais funda intimidade da natureza humana, sem o sofisma e a aberração de um qualquer pretexto sectário, nesse dia talvez eu comece a acreditar que estão prestes a ceder as grossas portas da duplicidade, da hipocrisia, da manipulação e do oportunismo que define esta parte do Universo, onde (tão mal …) vivemos.

1 comentário:

Luís Alves de Fraga disse...

O que dizer, quando se concorda plena mente com o afirmado?
Estou nessa situação difícil. Gostaria de comentar, mas que mais acrescentar se tudo parece dito e dito da maneira mais clara que é possível? Resta-me a vã tentativa de descortinar uma ponta por onde pegar de modo a tornar o diálogo viável. Vamos então.

Para além dos aspectos focados pelo meu Amigo, que mais em comum têm Augusto Comte e Karl Marx? A descrença nas soluções religiosas; a negação de Deus e, por conseguinte, nos caminhos de uma bondade humana apaziguadora de diferenças materiais; a descrença de que a solução para a perversidade humana pode estar na crença de uma salvação que não passa pelo “reino deste mundo”. Esta parece-me ser a grande “fuga para a frente” que todos os mentores de religiões aparentemente coerentes deixaram como mensagem. No fundo, terão percebido «que não é possível construir um mundo mais justo a partir de uma abstracção, de uma ideia pura, por muito apelativo que se revele o seu poder de atracção», ou seja, terão percebido a natureza humana e foram assaltados pela solução mais simples: o Homem tal qual é não pode ser modificado aqui onde ele vive; vamos dar-lhe a esperança de que tudo é diferente num outro plano após a morte física e, assim, por um processo de deslocação de interesses, talvez consigamos atenuar-lhe as tendências perniciosas, tornando-o um pouco melhor na relação com o seu semelhante.
Terá sido assim que um príncipe Sidharta se transformou em Buda, que Jesus deu a garantia de ser mais fácil um camelo passar pelo Buraco da Agulha do que um rico entrar no reino dos céus, que um S. Francisco a todos irmanava, que Maomé, profeta de Deus, impôs regras comportamentais aos homens do seu tempo e que Moisés divulgou o decálogo sagrado. “Fugas para a frente” – como lhes chamo – porque o Homem só se concebe a viver em sociedade desde que individualmente se imponha a todos os que puder e domine quantos lhe estão por perto.
Será que o princípio islâmico de associar ao religioso o político, dando a um só homem ambos os poderes, não constitui a via a ser explorada, para se conseguir uma qualquer melhoria que não caia nas aberrantes situações de certas seitas seguidoras de Mafoma?

Terei conseguido matéria suficiente para uma reflexão comparada do texto que tão bem expôs?
Um abraço