8 de julho de 2007

O "EFEITO DE HALO"

Da crueldade, desse mosto infuso no vinho de todos os homens, deixa que te diga que é um estranho ingrediente, do qual nada sei, talvez por saber sobre ele demasiado. É que todos, em centenas de situações, somos implacavelmente cruéis, mas todos também desejamos manter, perante nós mesmos e sobretudo perante os outros, o alvo manto da inocência.
Há uma hipocrisia superlativa na condenação indignada (que digo eu? indignadíssima!) do Holocausto, da exploração do trabalho infantil, da violência doméstica, da pedofilia, do racismo, etc., etc. Porém, ocorre na nossa esfera doméstica ou privatística uma estranha remissão das culpas que sabemos ter. O objectivo é podermos chegar à Praça Pública com um excelente certificado de bom comportamento civil, ético, social e político, apesar de sabermos, na profundeza implacável das nossas consciências, que somos uns pequenos patifes, em processo infamante de actualização contínua. Já vos falei do “efeito de halo”? Passo a explicar. O “efeito de halo” é a auto-justificação da mais requintada pulhice humana. Imaginemos que alguém, metodicamente, sistematicamente, deliberadamente, projecta o assassinato físico ou moral de alguém. No conciliábulo secreto que precede a consumação do acto, o assassino escolhe as armas, calcula os lances, escolhe os efeitos, selecciona as circunstâncias e planeia até à mais insignificante minúcia o golpe que se propõe vibrar. Logo depois da feliz realização do evento, o mesmo assassino de ontem enceta um ambíguo processo de autojustificação, que se destina ao completo branqueamento da infâmia. Seleccionará então, da vasta panóplia do viver usual, esta afirmação, aquele gesto, o outro comportamento do sujeito por si lesado , para que resulte, de tudo isto, uma espécie de absolvição universal de culpas e de responsabilidades pessoais. Em regra, tais maganões abonam-se com a água benta da simulação e da duplicidade. E ficam possessos quando a imagem laboriosamente construída é desmontada na mesma Praça Pública pelos que lhes conhecem as manhas e lhes apontam a sarjeta. Sarjeta à qual, verdadeiramente, pertencem.

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