
Somos ocidentais, europeus e cristãos – queiramo-lo ou não. E, ao sê-lo, por muito grande que possa ser a nossa indiferença religiosa ou até a nossa militância ateísta, o tema do Crucificado vem até nós e subjuga-nos – ao menos uma vez por ano.
Na história do pensamento ocidental foram feitas as mais esforçadas tentativas para a aniquilação desta espécie de mito identitário, sempre sem resultados. Referindo apenas a Época Contemporânea vislumbramos, como momentos supremos de negação, a tentativa dos revolucionários franceses de 1789 e os cultos de substituição nessa altura encetados, desde a Teofilantropia ao Culto Decadário, passando por todas as modalidades de Panteísmo ou de Religião Natural; veio também Augusto Comte e a sua Religião da Humanidade; apareceram seguidamente Marx e Engels e os diversos ateísmos radicais do século XX. O Supliciado do Gólgota resistiu. Parece até que resiste tanto mais quanto maior é a visível decadência institucional das suas Igrejas. Por que acontece então isto? Porque Cristo é o perfeito emblema simbólico do drama humano. Ele recolhe os vagidos inocentes do nascimento – e faz-se Natal ; depois, acompanha a história da luta pela sobrevivência das nossas mais convictas verdades – e faz-se Pastor; e é ainda Ele o depositário de todas as nossas fragilidades, de todas as nossas dores, de todas as nossas decadências, de todas os nossos pressentimentos de finitude – e faz-se Paixão. Assim, como emblema do que fomos sendo na multissecular estrada do Ocidente, a história de Cristo deixa de ficar contida em si mesma para passar a ser o elo de suporte entre todos e cada um.
Escrevo isto porque sou religioso? Não. Sei-me agnóstico. Escrevo isto porque sou, como quase todos nós, um cristão do Ocidente.
Escrevo isto porque sou religioso? Não. Sei-me agnóstico. Escrevo isto porque sou, como quase todos nós, um cristão do Ocidente.
1 comentário:
Curiosa esta abordagem à cultura ocidental – melhor dito, mediterrânea-europeia.
Este agnosticismo teológico, mas cristão, de que fala, dá forma, em política, a tomadas de posição que se julgam desenraizadas da matriz cristã e, acima de tudo, católica, mas que mais não são do que manifestações de uma cultura fruto de um mito: o do Cristo Redentor que só o pode ser por ser, também, origem da Vida. Recordo-me, por exemplo, da problemática do aborto; tema que ultrapassa a moral cristã para ser quase aceite como uma questão de moral comum, de ordem cultural. E quantos se esquecem de que, sendo agnósticos e, até, ateus, ao tomarem posição contra o aborto estão a tomar posição a favor da religião que definiu um Cristo Redentor? Estará no mesmo plano a pena de morte? E a eutanásia?
Pode decretar-se o fim de uma religião, mas não se decreta o fim de uma cultura. As culturas corroem-se, dissolvem-se, diluem-se, porque as culturas enformam as mentalidades e a transformação destas é sempre lenta e cheia de recuos e avanços. O Crucificado, como tão bem lhe chama, queria somente ser o Cristo dos Judeus e foi, afinal, por força não Dele, mas de quem O usou, o mentor de uma cisão na religião que era a Sua. Aí começou o mito, aí começou a cultura judaico-cristã, aí, lentamente, foram os homens construindo o Natal, o Pastor e a Paixão. E, lentamente, o Natal vai deixando de ser uma identidade com o nascimento para se aproximar do grande potlatch da cultura cristã ocidental. O Menino Jesus foi substituído pelo Pai Natal.
Um grande abraço com votos de excelente 2008
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