13 de fevereiro de 2008

PELAS BANDAS DE SÍRIUS

Os meus pacientes leitores farão o favor de considerar a seguinte situação. Imaginem um ser humano curioso, dotado de um cérebro pronto a responder a subtis estímulos, com um QI que qualquer psicólogo da “velha guarda” consideraria notável, fruindo de uma “inteligência emocional”que todos os psicossociólogos da “nova vaga” teriam por excelente. Imaginem agora que essa infeliz unidade do género humano, feitos os respectivos estudos elementares, complementares e superiores, se decide a mergulhar mais nas raízes do saber, propondo-se tirar um curso de 2º ciclo (mestrado) ou de 3º ciclo (doutoramento). A situação descrita será ainda mais probatória se imaginarmos também que o dito espécime galgou por áreas de conhecimento estranhas às preferências de todos os coxos e gagos deste planeta, isto é, por disciplinas de literatura, de história, de filosofia, de estética e por outras sublimes “inutilidades” (útil, útil, verdadeiramente, é o arroto fácil, a arte do mão-pilha, o bit, o betão, a tecnologia das escadas rolantes e os golaços do Rui Costa, a quem chamam de Maestro por desconhecimento de ou desprimor para com Oistrakh e Barenboim).
Imaginem agora que o dito cidadão habita um país lá para as bandas do planeta Sírius, uma triste nação absorta, pilhada sistematicamente por uma alcateia de medíocres, entregue ao devorismo de politiquelhos rudes, de patos-bravos cúpidos, de financeiros venalíssimos, de articulistas sem gramática e sem vergonha, país completamente rendido e avassalado por mandantes cujo perfil oscila entre os farrapos do Zé Povinho bordaliano e a puerilidade ávida do Tio Patinhas. Neste conglomerado de egoísmos em luta, luta perversa e sem regras, uma entidade vagamente parecida com um Estado proclama todos os dias que é imperativo o critério das Competências (com C maiúsculo) e que é tão urgente introduzir entre nós o princípio da Qualidade (com Q maiúsculo) como urgente foi salvar a Humanidade, mandando-lhe um Messias.
O incauto e ingénuo pagador de impostos de que falámos, persuadido pelas loquazes asserções de todos os coxos e gagos desse planeta, tratou de se abalançar a somar leituras, a tirar apontamentos, a compulsar livros em línguas estrangeiras, a galgar quilómetros para esquadrinhar peregrinas bibliotecas, insólitos museus, recônditos arquivos. Queria agora adiantar que o modesto homúnculo de que tratamos ocupa o lugar mais ínfimo da hierarquia das profissões do planeta Sírius: é por lá professor dos 9º, 10º, 11º e 12º anos da escolaridade obrigatória. E a prova dessa inferioridade resulta, em linha recta, do facto mirabolante de se saber insultado, vexado, vilipendiado e diminuído, todos os dias, pela Ministra da respectiva tutela. Numa terra decente, com governantes decentes, um Ministro decente deveria servir para estimular as suas gentes. Mas nós não estamos a falar de um país normal. Deixámos claro que nos reportamos ao planeta Sírius. E aí, torna-se trivial que um governante irrompa, para com os subordinados, em diatribes como estas: “Malandros! Safados! Absentistas! Desonestos! Esperem aí, que eu já vos escovo a penugem!”. Numa terra decente, a primeira das medidas a tomar para com esta Harpia seria baldeá-la, na primeira remodelação governamental. Mas nós não estamos a falar sobre nacionalidades recomendáveis. Reportamo-nos, isso sim, ao planeta Sírius. E nele, a Ministra permanece em funções, à maneira de todos os coxos e gagos deste mundo, para continuar a insultar.
Voltemos agora ao nosso descoroçoado professor. Ei-lo a prestar provas, primeiro de mestrado, depois de doutoramento, perante júris que o avaliam sem o insultarem. E como as coisas correram bem, Sírius passou a contar com mais um Mestre, primeiro, e depois com mais um Doutor. Se estivéssemos a referir-nos a uma sociedade saudável, estimuladora, progressiva, arejada, este modesto homem subiria, como efeito inevitável de boa gestão social, nas escalas profissional, funcional e económica, vendo reconhecido o seu maior esforço e o seu mais aprofundado saber. Mas não é assim em Sírius, terra de papalvos encadernados e de mandaretes de opereta. Em Sírius, o novo Doutor irá ser encarado pelos poderes instituídos como um pobre pateta, que delapidou o seu tempo a aprender, em vez de o aplicar mais rentavelmente, em negociatas ilegítimas ou em intrigalhadas partidocráticas…
Ele voltará, cabisbaixo, ao seu posto de trabalho. O acréscimo do seu cabedal de conhecimento, longe de o catapultar na subida hierárquica, empurra-o para baixo. As leis vigentes consideram mais importante a inércia das gestões acéfalas do quotidiano escolar do que quaisquer graduações, obtidas em quaisquer Universidades. E o infeliz voltou ao seu posto de trabalho para ser julgado na sua competência profissional, na sua valia intrínseca, por Colegas menos habilitados, menos competentes, menos sabedores, mas com mais tempo de carreira ou com mais acções “de formação”, na arte dos ramos de flores, dos barquinhos de corno ou da dobragem de papéis japoneses. Claro que uma coisa destas nunca poderia ocorrer em Portugal. Só em Sírius. Entre nós, felizmente, está prevista para mais logo uma intervenção do Primeiro-Ministro no Parlamento e outra na televisão, onde ele falará, grave, muito grave e pomposo, na Qualidade e na Competência. Irá fazê-lo … sem gaguejar!

PS- Última notícia de Sírius : parece que se prevê que um dos quesitos na futura avaliação dos professores venha a ser o da permissibilidade de passagem de estudantes madraços, manhosos, absentistas ou irrefragavelmente estúpidos. Mas como falamos de Sírius, isto não tem a menor importâcia.


1 comentário:

Anónimo disse...

É com muito pesar, caro colega, que faço minhas as suas palavras!
QUALIDADE? Como é que desqualificados poderão avaliar a qualidade alheia?! Não a vêem nem reconhecem pura e simplesmente! É tão maçador, isso da qualidade!!! É para climas mais frios, não para o nosso!