8 de março de 2008

SENHORA DAS ÁGUAS

A Senhora das Águas vivia num aquário
Forrado de paredes cor de rosa.
Quando pela manhã o vidro coalhava
Os primeiros raios do primeiro sol
A Senhora das Águas estendia os limos
Dos seus cabelos e deslizava molemente
Para o meio dos corais e dos moluscos.
Havia na Senhora das Águas uma indecisão
De ser e uma perplexidade de estar
Que a fazia enigmática e distante.
Dizia o maior dos peixes que um dia
A Senhora das Águas haveria de obrar
O milagre que todos aguardavam
Desde o começo da vida aquática.
E foi assim que um dia, dia de primavera
E de puras brisas, a Senhora das Águas foi
Por igual requestada por um sol muito macho
E por um cor de rosa muito feminino.
A Senhora das Águas descobriu então
Que era uma divindade hermafrodita
Celebrada por Ovídio e pelo velho Homero.
Foi nesse dia, dia de maravilha e de sol posto,
Que a Senhora das Águas se derramou de tal modo
Pelas areias do fundo do aquário e pelos musgos
Anões das paredes de vidro, e de tal modo se espalhou
Por cada gota e por cada bolha do líquido elemento
Que o sol, quando a quis possuir, só acabou por encontrar
A doçura daquela água cor de rosa, branda e opalina,
Onde se perdeu em demandas de luz e em lágrimas de adeus.


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