16 de abril de 2009

MEMORIAL REPUBLICANO XV


XV - RODRIGUES DE FREITAS, PRIMEIRO DEPUTADO DA REPÚBLICA

Homem franzino, de estatura meã, com um rosto em que se distinguia uma testa alta, uns olhos bem rasgados, perscrutadores, e um farto bigode romântico, de longas guias, extravasando as comissuras da boca, assim foi fisicamente José Joaquim Rodrigues de Freitas, o primeiro deputado republicano que se fez escutar em plena Câmara Baixa da monarquia constitucional portuguesa. Homem do Porto, tão profunda e afectivamente identificado com o pulsar da sua cidade que todos o designavam por Freitinhas, símbolo de honradez, rectidão e desinteresse no serviço de representação em que se viu investido, Rodrigues de Freitas foi uma espécie de Galaaz idealista e generoso. Chegou à convicção republicana através da percepção autêntica da sua bela alma de patriota. Militou durante anos no seio do Partido Histórico, que afivelara a pretensão, em certo momento, de representar a tendência mais inovadora do liberalismo monárquico. A prova dos factos, a lenta necrose do tecido social e a análise dos comportamentos das figuras do Poder levou-o a dissentir da peleja que travava. Não o fez, porém, sem aviso prévio. Por isso o veremos, altaneiro na sua caracterial humildade, a proferir em plena Câmara dos Deputados, em 1874, um discurso memorável, no qual sustentou a superioridade do regime republicano sobre o monárquico.

Tirara um curso brilhantíssimo, de engenharia de pontes e estradas, na Academia Politécnica do Porto. Aí coleccionou uma tal profusão de prémios académicos, que logo então se desenhou o seu futuro de pedagogo e lente da mesma escola. Interessou-se também pela Ciência Política e pela Economia, escrevendo todo um conjunto de bem fundadas considerações sobre estes objectos da sua curiosidade intelectual. Assim surgiram obras como as Breves reflexões sobre a questão bancária (1864) e a Crise monetária e política de 1876 – causas e remédios. Mas foi nos discursos parlamentares que deixou o selo mais evidente da sua competência e seriedade. Eram alocuções muito moderadas, embora inflexivelmente denunciadoras dos malefícios causados ao país. E eram também peças que mantinham afinidades com a mentalidade científica, tanto pelo seu cuidado demonstrativo como por certo escrúpulo de rejeição para com a retórica empolada e o verbalismo estéril. Foi assim que Rodrigues de Freitas ganhou o respeito e a estima dos próprios adversários políticos.

O primeiro deputado republicano da história portuguesa candidatou-se pelo Porto, nas eleições de Outubro de 1878, e, embora tivesse havido outras candidaturas da mesma área ideológica, só ele acabaria por ser eleito. Nesta disputa, o governo, procurando simular algum pluralismo, patrocinara discretamente em Lisboa a candidatura republicana de José Elias Garcia. O único resultado visível que tal expediente alcançou foi o da cisão que desde logo se tornou explícita no interior do Centro Republicano Democrático de Lisboa, através da demarcação indignada de personalidades que interpretaram este patrocínio governamental como uma intolerável intromissão e uma vergonhosa cedência. Os dois restantes candidatos republicanos – Teófilo Braga pelo círculo 94 e Manuel de Arriaga pelo círculo 96 – não obtiveram sufrágios suficientes para a eleição.

O terceiro quartel do século XIX trouxera ao país um arejo de modernização evidente, mas alcançada através do crescimento da dívida externa. Ultrapassadas as convulsões internacionais de 1870 e de 1871, a Europa entrara em bonançoso pousio, seguindo-lhe Portugal o exemplo. Este abrandamento de tensões traduziu-se, entre nós, por um clima de tolerância em relação às organizações e instituições de oposição. Por isso, Rodrigues de Freitas não deixou de saudar, num dos seus discursos, o bom senso e o espírito de tolerância com que as regiões do Poder tratavam os centros republicanos. Por outro lado, este clima de franco pacifismo não apenas convinha a um movimento republicano que apenas ganhava expressão nas grandes cidades, como ainda coincidia com o significado do historicismo positivista. Os adeptos do positivismo entendiam que o desenvolvimento histórico transitava necessariamente por estádios de evolução que haveriam de transportar as colectividades das iniciais instituições “teocráticas” às finais instituições “científicas”, através da mediação intermédia e provisória das instituições liberais, tidas como “metafísicas”. Assim sendo, não subsistiam razões para estratégias de revolução ou de confronto. Tudo se jogava no campo da conversão pedagógica das mentalidades. O bom republicano teria apenas de difundir aos ignaros a sua Verdade, aguardando tranquilamente que o Tempo cumprisse a sua promessa, fazendo cair na mão expectante dos republicanos o fruto, finalmente maduro, da República sonhada. José Joaquim Rodrigues de Freitas foi o exemplo mais acabado desta leitura da realidade. Conciliador mas também firme, dialogante mas também afirmativo, justo, impoluto e humanista, ele foi decerto o grão-paladino dessa Távola Redonda republicana, vivendo ainda o sonho ingénuo dos começos.  

 

2 comentários:

Luís Alves de Fraga disse...

Meu Amigo,
Mais uma pincelada – excelente pincelada – na tela do republicanismo em Portugal.
No retrato que traça do Homem deixa perceber, em fundo, a ambiência social e política do país no último quartel do século XIX. Foi o tempo dos grandes empreendimentos em obras públicas especialmente vocacionadas para as vias de comunicação… que faziam falta. Todo esse clima de aparente desenvolvimento teve correspondência no Rotativismo.
Ora, tenho-me perguntado, vezes sem conta, se não poderemos estabelecer paralelismos entre o que então politicamente aconteceu e as décadas que se seguiram, no século XX – e, até mesmo já no começo do XXI – à admissão de Portugal na CEE (EU). Como é que um aparente desenvolvimento económico, feito a partir de obras públicas, dá origem a um outro tipo de rotativismo, agora chamado “Bloco Central” de interesses?
Se, de facto, alguma semelhança se pode encontrar será que a consequência apontará para uma nova mudança de regime? Ou, tão-somente, para uma alteração de modelo do actual?
Não arrisco mais do que isto e não procuro a sua bondosa resposta para uma questão meramente retórica; fica assim sob a forma de desabafo, talvez inoportuno.
Um abraço, com amizade

Anónimo disse...

CONTRASTAÇÃO

O que, a meu ver, faz falta a Portugal
neste baço começo de milenio
não é propriamente o capital,
mas para o bem gerr talento e génio.

Faltam pessoas, personalidades
de altíssima craveira, criaturas
de excelsas, eminentes qualidades
para o exercício das magistraturas.

Tomando desde logo por padrão,
no passado recente, de há cem anos,
os magnos corifrus republicanos,

constata-se que a lepra da nação
é no presente, é na actualidade,
uma insanável... mediocridade!

João d Castro Nunes