Após os tiros da Guarda Municipal e as descargas de artilharia da Serra do Pilar terem frustrado as esperanças dos revolucionários portuenses, o Paço recuperou da sua desorientação inicial e a imprensa monárquica cobrou com raiva o juro do seu ajuste de contas. O jornal Novidades, de Emídio Navarro, divulgou a atoarda de um hipotético desvio de dinheiros em benefício do respeitado chefe republicano Alves da Veiga e, não contente com a injúria, apressou-se a pedir que fossem aplicadas sentenças de morte contra os vencidos. Por seu turno, a folha regeneradora A Tarde aplicou-se a macular a honra de alguns conjurados, insinuando que no decurso do confronto bélico teriam ocorrido alegadas quebras de carácter de protagonistas republicanos. A palavra “República” foi administrativamente banida de todas as publicações. Dissolveram-se sem complacência numerosas agremiações republicanas, mesmo aquelas que, nos termos estatutários, apenas se dedicavam à causa da educação popular.
O embate militar produziu cerca de cinquenta mortos e talvez mais de uma centena de feridos. Alguns civis e militares comprometidos com a revolução exilaram-se em Espanha, como foi o caso de José Pereira de Sampaio (Bruno) e de Basílio Teles. Como as colunas militares desafectas à monarquia tinham sido vitoriadas por magotes de gente na Invicta cidade, a partir dos passeios e das varandas, as autoridades judiciais temeram que os julgamentos fossem aproveitados para que uma parte da população manifestasse aos revoltosos a sua simpatia e solidariedade. Por isso, o navio “Índia”, a corveta “Bartolomeu Dias” e o vapor “Moçambique”, fundeados no porto de Leixões, passaram a funcionar como cárceres e como espaços de funcionamento de improvisados conselhos de guerra. Isso não obstou a que se tivesse popularizado o hábito de se fazerem peregrinações populares de simpatia e desagravo a Leixões. A vida a bordo era espartana e com laivos de desumanidade para com os prisioneiros: muitos deles tiveram de dormir sobre as tábuas do convés, ao relento, sem que sequer lhes fosse proporcionado o mísero conforto de um cobertor. As sentenças revelaram-se severas, tendo a maior parte dos acusados incorrido em penas que oscilaram entre a prisão maior celular e o degredo. Como seria de supor, os rigores mais drásticos contemplaram os chefes militares: o alferes Malheiro viu-se exilado, ao passo que o tenente Manuel Maria Coelho e o capitão Amaral Leitão vieram a cumprir dilatados períodos de aprisionamento. João Chagas não pudera tomar parte activa na revolta de 31 de Janeiro, uma vez que tinha sido anteriormente aprisionado na cadeia da Relação. Mas nem isso lhe evitou uma sentença de deportação. Na sua quase totalidade, a firmeza dos réus foi admirável. O primeiro-sargento Abílio justificou perante os juízes o seu envolvimento na revolta com estas altaneiras palavras: “Entrei no movimento para ajudar a depor o rei D. Carlos, porque sou republicano e tenho muitas razões para o ser. Não sou republicano de evolução, porque por ela nem daqui a um século, julgo, teríamos a República em Portugal”. O sentido fundamental do seu depoimento foi compartilhado por soldados como Felício da Conceição, por cabos como João Borges e Galileu Moreira, por sargentos como Silva Nunes, Castro Silva, Galho, Pinho Júnior e Pereira da Silva, numa demonstração de pundonor e de preciosa convicção patriótica. A única nota dissonante foi a de Santos Cardoso, um oportunista vaidoso e poltrão, que tentou minimizar em tribunal as responsabilidades conspirativas que assumira por desejos de simples protagonismo social.
O Directório do Partido Republicano, que tinha em Francisco Manuel Homem Cristo e em Teófilo Braga as suas figuras mais proeminentes, demarcou-se da “aventura nortenha”. Para Homem Cristo, o que ocorrera no Porto não era mais do que uma sargentada, um acto aventureiro de indisciplina, nascido da emotividade das casernas. Por isso, as chefias democráticas lisbonenses permaneceram indiferentes, não tanto às sentenças saídas dos tribunais de Leixões, mas ao rol imenso de dificuldades materiais com que se debateram os correligionários que haviam conseguido refugiar-se em Espanha. Em carta de 1 de Março de 1891, dirigida por Basílio Teles a Teófilo Braga, ressumava a decepção amarga dos exilados: «Que [o directório do partido republicano português] não aprovasse esses homens que, num ímpeto talvez inconsiderado, mas incontestavelmente sincero e nobre, foram comprometer o seu futuro, é, pelo menos, concebível, visto ter de ressalvar perante a opinião pública e perante a história a sua responsabilidade individual e colectiva num movimento que se lhe afigurava inoportuno. Mas que, uma vez efectuado, embora contra o seu voto, não queira dar o menor passo para auxiliar as vítimas da própria imprudência, é o que jamais se lhe poderá perdoar. É atentar contra o que é de mais íntimo e radical no carácter humano – a piedade espontânea e inconsciente». Pouco depois, com data de 12 de Abril, surgiu um notável manifesto dos emigrados, da responsabilidade de José Pereira de Sampaio (Bruno). Foi assinado por numerosos fugitivos, dos quais importa destacar os nomes do Alferes Malheiro e ainda de Alves da Veiga, António Claro, Basílio Teles, Aníbal Cunha e Infante da Câmara. Esse texto, emblema de intocável dignidade e de acendrado amor à Pátria-mãe, rematava assim: «Solde-se assim um pacto santo. Que a última palavra que pronunciamos seja a que, em breve, verbo reformador, ascenda de todos os corações generosos e irrompa em todos os lábios puros como a consumação salutar e fecunda da grande obra iniciada em 31 de Janeiro : Viva Portugal! Viva a República!».
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