19 de dezembro de 2010

NATAL NA TERRA


O menino que nasceu, envolto em roupa feia

Não trazia um pecúlio, nem sequer uma Ideia.

Filho de prostituta e de um carpinteiro,

Ninguém lhe atribuiria estatuto divino.

Não era mais que aquilo, apenas um menino

Que do mundo colheria o quinhão derradeiro.

A mãe, de vermelho vestida e pouco virtuosa,

Afagava seu filho com ternura mimosa,

Como se nele repousara a salvação do mundo.

E era tudo tão vero, tudo era tão fundo

Que o próprio pai, no seu carpinteirar

Se imaginava autor dessa arte de amar

E simulava esquecer o tempo da prisão

Por crime consciente, delito sem perdão.

E o menino dormia, dormia sossegado

Numa alcofa de vime, em casebre ignorado,

No regaço do tempo em eternal avanço.

A mãe, virgem não era, mas vendo-o tão manso

Julgou poder erguê-lo ao cume do resgate;

E o pai deu-se a pensar não poder ser dislate

Que um malfeitor qualquer pudesse ser autor

Da maravilha dos dias e do calor do amor.

E o menino dormia, dormia descansado

Junto da alcofa um cão, à beirinha dum prado.

E foi assim, só assim, tal qual como é contado

Que homens de carne e osso, mulheres de bem e mal

Reprimindo desgostos … criaram o Natal.

4 comentários:

João de Castro Nunes disse...

ILLE PUER

Fosse qual fosse a estirpe do menino
que há dois mil anos viu a luz do dia,
o certo é que ainda agora , pequenino,
é causa de bonança e de alegria.

Iluminam-se as ruas da cidade,
trocam-se prendas, faz-se em cada lar
o pueril presépio que nos há-de
servir para o evento... simular.

Que menino foi esse tão estranho
que pese ao seu minúsculo tamanho
ainda hoje é festejado em todo o mundo!

Sabe-se lá! Digamos que, no fundo,
com o sorriso azul dessa criança
se viu na treva um raio de esperança!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Marco da Raquel disse...

Nem poderia ser de outra forma, um fraternal abraço, e que em ano vindouro possa tê-lo disponivel a uma tertulia. Marco da Raquel, alguem que uma vez lhe disse publicamente ser um mau Republicano, e que conyinua a acreditar no mesmo, infelizmente.

João de Castro Nunes disse...

Desse menino Jesus,
réu de morte na Judeia,
tem cada qual sua ideia
consoante a sua cruz!

JCN

Luís Alves de Fraga disse...

Aqui está uma perspectiva iconoclasta que não repugna aceitar! É, até, mais fácil de nela crer do que aquela outra imposta pela tradição eclesiástica que nos remete para um milagre de concepção tão difícil de entender.
O excelente neste poema, para além da forma, está no sentido maravilhoso de uma história que se repete há muitos milhares de anos para invocar um momento de fraternidade entre os homens de boa vontade, ou seja, por conseguinte, entre aqueles que estão dispostos a não discutir origens para aceitarem efeitos.
Obrigado, meu Amigo.