13 de janeiro de 2011

A REPÚBLICA E "ISSO QUE AÍ ESTÁ"



Encaminham-se para o fim as celebrações relativas ao centenário da implantação da República em Portugal. Várias conclusões se puderam tirar desta efeméride, que alguns viram como campanha cívica e outros analisaram como assunto de morgue. A primeira e mais gratificante conclusão é a de que a República permanece viva nos seus ideias de pluralismo teórico e ideológico, de convívio tolerante, de reivindicação de igualdade perante a lei, de reclamação de maior equidade na distribuição dos rendimentos e de maior civilismo laicista na vivência social quotidiana. Foram estes os valores que os mais humildes puderam saudar e que se demonstraram exuberantemente, em Coimbra, nesse memorável 5 de Outubro de 2010. No espreguiçar de uma tarde cálida, a Praça Velha e a Baixa de Coimbra, com a Praça 8 de Maio apinhada, contemplaram o desfile das mais variadas organizações populares, desde os ranchos folclóricos às bandas de música, sem esquecer as tendas de artesanato e as locandas de comes-e-bebes. Foi uma torrente de Povo, Povo verdadeiro e anónimo, que se juntou à festa e que se sentiu jubilosa. Uma festa deste jaez teria, seguramente, provocado o incómodo (indisfarçável, em certos casos) de certa gente, dita bem-pensante, do burgo conimbricense. E à Pedagogia dos valores houve quem quisesse contrapor a realidade dos factos, insinuando que “a República é isso que aí está”. Este juízo comprova, de uma só vez, duas coisas: a pusilanimidade dos que confundem os ideais com a perversão dos mesmos pela natureza humana, e o inconsciente pendor dos depoentes para o sarro do conservadorismo mais cego e mais rasteiro.

Imaginemos que um convicto defensor do regime republicano pudesse dizer, a esta casta de gente, coisas como estas: a generalidade dos dirigentes históricos do republicanismo em Portugal deu mostras de uma inconcussa probidade; Teófilo Braga utilizava os transportes públicos e rejeitava as demonstrações de faustosa vaidade; Manuel de Arriaga fazia questão de pagar do seu bolso a ocupação do seu domicílio presidencial; Bernardino Machado foi verdadeiramente exemplar, tanto na sua esfera profissional como na sua vida pessoal; José Falcão ensinou a cidadania aos seus concidadãos. Tudo isto, pensaríamos nós, no reduto da nossa ingenuidade, brilha como ouro e como ouro deverá ser conservado. Mas há quem se compraza com os detritos da “História”. É tudo uma questão de escolher, confundindo paradigma com perversão. E logo alegam o regicídio, de que o Partido Republicano esteve isento. E vem a seguir a instabilidade ministerial, sem se referir que ela apareceu, sobretudo, na ressaca de uma Grande Guerra completamente arrasadora. E metem no mesmo bornal o Pimenta de Castro, o Sidónio Pais e o Oliveira Salazar, como se fossem estes os exemplos mais lúcidos e acabados da mensagem republicana, em vez de terem sido, como foram efectivamente, os falsificadores de todo um trabalho, escorreito e idealista, de honrada propaganda. E tratam de remexer no lixo do passado para concluírem, impávidos mas pouco serenos, que a República é “isso que aí está” …

Levada a lógica destas especiosas mentes às suas últimas consequências, poderemos entrar no campo do mais completo delírio surrealista. A Igreja Católica é pedófila – houve Cristo, sim, o Doutrinador, mas há que atentar “nessa coisa que aí está”. A literatura portuguesa é a Rebelo Pinto, pois ela, a escrevente, é “isso que aí está” e que mais vende, em concreto, nas livrarias. A honradez política – que ainda existe – é uma figura de retórica, porque “isso que aí está” é o “Freeport”, as acções do Cavaco e o cheque do Alegre. Estes “intelectuais” não querem que a República seja uma Demopedia em marcha. Querem-na rameira, vulgar e pulha, mas dentro do velho princípio, convenientemente psicanalítico, do “similia similiabus”. Há, em tudo isto, um ajuste de contas a fazer. E nem sequer serão os republicanos sinceros, intransigentemente aferrados aos princípios fundamentais, a pedirem a satisfação da factura. Quem vai proceder ao balanço final será … a História. E ela, segundo cremos, irá dizer isto: “No decurso da efeméride do Centenário da Implantação da República houve gente que se disse republicana, que se confessou democrata, que se apresentou como cultíssima, e que não fez outra coisa senão acutilar, deprimir e vexar – o melhor que soube e pôde – o Republicanismo e a Democracia”.

No dia em que a lógica e a análise possam provar isto, não haverá outra sanção para estes “Catões-de-meia-leca” senão a justa punição de uma monumental gargalhada.

10 comentários:

João de Castro Nunes disse...

REJUVENESCIMENTO

Isto que temos hoje, há que o dizer,
insigne Professor, já não é nada:
é como ave ferida e tresmalhada
que a asa arrasta sem voar poder.

Da Primeira República a imagem
deteriorou-se, degradou-se até,
muito pouco restando dessa fé
de vigorosa e altíssima voltagem.

Há que soprar as cinzas da lareira
para de de novo as atear por forma
a vermo-las viradas em fogueira.

Esta hora é porventura de reforma,
ou seja, de retorno aos ideais
transpostos oara os tempos actuais!

JOÃO DE CASTRO NUNES

João de Castro Nunes disse...

Corrijo, no último verso, a gralha "oara" por "para". JCN

João de Castro Nunes disse...

O ser humano nasceu
sem ser servo de ninguém,
não devendo ser refém
senão daquilo que é seu!

JCN

Luís Alves de Fraga disse...

Caríssimo Professor,
Dizer mais o quê? Não há mais para dizer depois do que foi por si dito. Mas vou "espremer" o assunto e deixar aqui claro - se assim o meu Amigo o aceitar - que houve historiadores que procurando, dizem eles, uma isenção de análise, fizeram um balanço da República - a 1.ª, entenda-se - como se de um armazém de géneros se tratasse. E, ufanos, "descobrem-lhe" os "pecados" de que o Estado Novo, para se justificar, havia feito alarde. Incapazes de perceber que a História tem de ser interpretada segundo os parâmetros que ditaram os acontecimentos, vêm eles, afinal, julgar a República à luz de uma mentalidade gerada nos 48 anos de ditadura. E tiveram acolhimento nas editoras, junto dos leitores e, até, nas Escolas. Para eles, viver o centenário da República foi a oportunidade de emporcalhar o passado com os seus juízos distorcidos e anacrónicos. É triste!
Aceite um abraço fraternalmente republicano

João de Castro Nunes disse...

Para a espinha dorsal endireitar
deste país à beira da ruína
com Homens como Vós há que contar,
republicanos de alma genuína!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Corrijo, no último verso, a gralha "republicanos" por "republicano", no singular, evidentemente. S... traiçoeiro! JCN

João de Castro Nunes disse...

Se um dia for necessário
pegar em armas na mão,
por mim não digo que não,
pese a ser nonagenário!

JCN

João de Castro Nunes disse...

A desgraça do país
são as aves de rapina
que desde a sua raiz
o conduzem à ruína!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Aos abutres que nos cercam
há que sem tréguas dar luta,
há que enfrentá-los à bruta,
não vá ser que eles nos percam!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Aos abutres há que dar
luta sem tréguas, de frente,
senão vão comer a gente
quando mais nada restar!

JCN