23 de fevereiro de 2011

OS PENITENTES


Os penitentes saem das casas ao lusco-fusco

E ao lusco-fusco caminham por estradas sem distância.

Os penitentes levam na mão um nodoso bordão

E na alma uma incomensurável Fé

E fazem sempre muitos calos no pé.

Os penitentes são de muitas cidades e de muitas idades

E de condições plurais ; e não soltam ais

Quando os músculos já doem

Quando as pernas vacilam

Quando os corpos se encharcam

Em Deus e em suores devotos; e também

Em inevitabilidades de carne viva.

Os penitentes gostam de orar nos longos caminhos

Muito sofridos e onde carinhos não abundam.

Por vezes, automóveis arquejantes em velocidades impiedosas

Matam os penitentes piedosos e os jornais do dia seguinte

Anunciam que morreu atropelado um penitente

E que não foi realizado o teste alcoólico

Porque o penitente trazia no bornal um papelinho

Dobrado em quatro vincos onde dizia que perdoava,

Que perdoava tudo a todos ( e também obviamente

À carripana desarvorada). Os penitentes morrem então

De excesso de octanas e de míngua de código da estrada.

Tenho pena de nunca ter sido um penitente.

Por agora, limito-me a ser um resistente

Já não é mau. Resisto ao Tempo. Que esse

Mata mesmo e sempre. Mata sim, sem contrição

Por força de trânsitos a que não demos atenção

E também, como nem sempre convém,

Por míngua de octanas de saúde

E ainda por decretos do Divino, daquele Divino

Sempre honrado, finalmente,

Pelo peregrinar do penitente.

Lastimo nunca ter sido penitente

Mas cumpro a minha jornada lealmente

Contra o Tempo, a destempo

Procurando evitar o contratempo inevitável

Não sei bem se do Motor Imóvel de Aristóteles

Se daquele Anjo Caído, Mefistófeles,

O monstro, o transviado, o grande cão

Que continua a peregrinar

( e a guiar, valha-nos Deus)

Sem carta de condução.

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