2 de março de 2011

ELEGIA PARA UM FIM DE MUNDO


Escrevo-te a partir do século oitenta e cinco

E quero dizer-te que não te reconheço.

No teu tempo, o mundo era só um começo

...Ignorante das certidões em que me finco.

A voz de Homero já não chega a mim.

Ulisses não pisou a gruta do obscuro Polifemo

Nem singrou pelo mar, nem teve barca e remo

Nem sereias cantaram anunciando o fim.

Escrevo-te a partir do século oitenta e cinco

Na linguagem dos signos virtuais

Morreu Dante, Camões e todos os demais

E a Beleza abalou, partiu, fechou o trinco.

Eu próprio nem como homem me conheço

E neste corpo torcido trago a fogo escrito

O drama do que foi fome, guerra e grito

Do que ditou em mim a marca do destroço.

Sabes, eu sou o último dos homens da tua geração

O que terminou a hecatombe anunciada

O que da vida e da esperança fez o nada

O que foi o profeta da própria maldição.

Lanço esta carta ao mar, dentro do desespero

Neste sinal de alarme inútil e perverso

Cerca-me agora o silêncio do Universo

Quebrado a espaços por meu uivo fero.

Recomece então a Natureza ou Deus

O seu teimoso e incessante retomar

Possam novas alquimias renovar

Caminhos, outros homens, outros céus.

2 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Permita que lhe diga, Professor,
que Ulisses, Polifemos e sereias
sempre há-de haver em longas odisseias
enquanto o ser humano vivo for!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Seus versos têm, distinto Professor,
além de uma cadência especial,
uma espécie de força interior
que nos envolve a todos em geral!

JCN