Escrevo-te a partir do século oitenta e cinco
E quero dizer-te que não te reconheço.
No teu tempo, o mundo era só um começo
...Ignorante das certidões em que me finco.
A voz de Homero já não chega a mim.
Ulisses não pisou a gruta do obscuro Polifemo
Nem singrou pelo mar, nem teve barca e remo
Nem sereias cantaram anunciando o fim.
Escrevo-te a partir do século oitenta e cinco
Na linguagem dos signos virtuais
Morreu Dante, Camões e todos os demais
E a Beleza abalou, partiu, fechou o trinco.
Eu próprio nem como homem me conheço
E neste corpo torcido trago a fogo escrito
O drama do que foi fome, guerra e grito
Do que ditou em mim a marca do destroço.
Sabes, eu sou o último dos homens da tua geração
O que terminou a hecatombe anunciada
O que da vida e da esperança fez o nada
O que foi o profeta da própria maldição.
Lanço esta carta ao mar, dentro do desespero
Neste sinal de alarme inútil e perverso
Cerca-me agora o silêncio do Universo
Quebrado a espaços por meu uivo fero.
Recomece então a Natureza ou Deus
O seu teimoso e incessante retomar
Possam novas alquimias renovar
Caminhos, outros homens, outros céus.
2 comentários:
Permita que lhe diga, Professor,
que Ulisses, Polifemos e sereias
sempre há-de haver em longas odisseias
enquanto o ser humano vivo for!
JCN
Seus versos têm, distinto Professor,
além de uma cadência especial,
uma espécie de força interior
que nos envolve a todos em geral!
JCN
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