18 de junho de 2011

VISITAÇÃO AO NOME PRÓPRIO

Penso, por vezes, que a minha auto-percepção e a imagem que produzo nos outros poderia variar, melhorando ou piorando, se os meus pais me tivessem baptizado com outro nome. Imaginem que, em vez de me identificarem como um Amadeu, se lhes colocava a rude tarefa de me saudarem como um Afrânio. Nós também somos o som do nosso nome; ora, Amadeu faz suceder à neutralidade da letra a (todas as vogais são neutras, exceptuando o i ) a sequência murmurante da consoante m, logo seguida, uma vez mais, pela incolor presença de um outro a. Daqui se segue que eu terei de gerar – pelo menos perante mim – a imagem preguiçante que me confere personalidade. Ora, a letra que confere personalidade ao nome Amadeu, é claramente o m. Como o mar, como a manhã, como o mito, esse m determinante dá-me a certeza de que vou flutuando na vida, ao sabor das marés. O meu m possui dois “airbags”, um de cada lado, prontos a salvar-me de todos os naufrágios. Os meus ás, redondos e serviçais, dão-me o sossego da imponderabilidade. É o que me acontece, em geral, nas cidades desconhecidas – que eu gosto de descobrir a pé. Nunca traço itinerários. Nunca vou ao Turismo. Nunca tenho no bolso as listas dos monumentos. Vou caminhando, caminhando, e é a própria aventura da descoberta inesperada que me traz toda a alegria.

Imaginem, agora, que eu me chamava Afrânio. Logo após a impassibilidade do a, sobrevém o terramoto. O fr só funciona na Amazon.fr ; é uma dupla de um cabotinismo incrível, ou não fosse a França iniciada por essas duas famigeradas letras. Um Afrânio é um foguete em figura de gente : fr… fr … fr . Nenhum grão de poesia ou de contemplação resiste a um nome destes. Por isso, se um infeliz com este nome decide ir a Londres, ou a Paris, ou mesmo a Lisboa, ele terá de levar no bolso o mapa detalhado da respectiva urbe, com os locais emblemáticos marcados com bolinhas vermelhas. Um homem destes chorará se se enganar no nome da rua ou na saída do metropolitano. Leram a “Dona Flor e seus dois maridos”, de Jorge Amado? Pois bem, um Afrânio nunca será um Vadinho, vadio e trotamundos, mas será sempre o outro marido da Flôr, o tal cujo nome agora me escapa, mas que fazia amor com ela em dias prefixos, salvo se houvesse uma “ponte” de fim-de-semana, caso em que a cópula era adiada por um dia (será que me estou a lembrar bem?).

Seja como for, é óptimo chamar-me Amadeu!

(Com pedidos de desculpa a todos os Afrânios …).

2 comentários:

João de Castro Nunes disse...

O nome é tudo; o resto quase nada;
e como tudo o que nos acontece,
a vida passa e o nome permanece
mesmo depois da vida terminada!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Chamar-se Afrânio seria
uma desfeita sem par:
somente por ironia
ou sarcasmo, se calhar!

JCN