22 de outubro de 2012

OS "JOTINHAS"

O exercício mais ridículo e mais infantil é o do jogo-de-empurra entre pêésses e pêéssedês sobre o primado das culpas referentes à presente situação. “Foi Cavaco”, dizem aqueles ; “Foi Sócrates”, replicam estes. E fica por julgar o verdadeiro responsável, que é, em minha opinião, o actual sistema da Democracia partidocrática, onde estamos mergulhados. A ditadura do Estado Novo reorga nizara as finanças públicas dentro do pressuposto de que os direitos individuais não existiam e de que o “tudo pela Nação, nada contra a Nação” seria o mote justificativo do totalitarismo personalista, do qual avultava, como realidade suprema e intocável, a figura do Ditador. O 25 de Abril quebrou este quadro e possibilitou a emergência da representatividade democrática. Mas esta mergulhou as suas raízes no terreno da ficção. E a ficção consistiu em fazer gravitar a política não em torno de pessoas responsáveis e responsabilizáveis, mas em torno de Entidades vaporosas e metafísicas, chamadas partidos. Os novos partidos eram a cara de um regime que não se deixava fotografar. Deixou de poder dizer-se, como nos tempos de Salazar, que a política levada a cabo era a política de um ser humano individualizado, responsabilizado, agora em Democracia, pelos votos maioritários que os Concidadãos lhe outorgavam. Nada disso: passou a referir-se a “política socialista”, a “política social-democrata” a “política democrata cristã”, como se todas estas políticas surgissem por golpes de mágica, à maneira de Polichinelos, do escuro da História. Ou seja, estas políticas eram filhas de pai incógnito e, por isso, insusceptíveis de apresentarem bilhetes de identidade. Os partidos criaram então os seus serralhos, as suas coutadas de formação “cívica” e assim vieram a surgir as “jotinhas”. Os “jotinhas” foram aprendendo com “os grandes” toda a traquitana de golpes sujos com que a partidocracia se foi adornando. Estes meninos, nem estudavam, nem sonhavam com a obtenção de um emprego honesto. Queriam , isso sim, as conezias e prebendas que “os grandes” iam angariando no exercício das actividades vagamente “cívicas” às quais se davam. E foram aprendendo, uns e outros, que podiam dar-se a toda a sorte de golpaças, de explícitas vigarices, de açambarcamentos de “competências” em proveito pessoal, pois daí nunca iriam resultar punições exemplares. O regime foi resistindo, mas já a ranger, enquanto a ribalta do protagonismo político foi ocupada por gente que ainda possuía um laivo de vergonha e que pretendia, apesar de tudo, demarcar o espaço desta nova representatividade do anterior espaço de individualização ditatorial. Foi o tempo de Francisco Sá Carneiro, Mário Soares, Adelino Amaro da Costa, Álvaro Cunhal, Lucas Pires, Mota Pinto. Gente minimamente decente, apesar de tudo. Mas esta geração passou. E os “jotinhas” tornaram-se “grandes”. Esta “grandeza” não se escorava no humanismo de Sá Carneiro, nem na cultura de Soares, nem no requinte lógico de Amaro da Costa, nem na sólida intransigência ideológica de Cunhal, nem na capacidade de diálogo de Lucas Pires, nem no talento negocial de Mota Pinto. Suportava-se apenas no apetite boçal de mando. E revia-se em sinais exteriores de riqueza fácil: o automóvel de grande cilindrada, o fato talhado por “Rosa e Teixeira”, o sapatinho italiano, a gravata de seda. Por detrás de tudo isto, a nulidade, o primitivismo cultural, a inépcia profissional, o pontapé na gramática e no “concorrente do outro bando partidocrata”. O resultado de tudo isto aí está. Se este regime não for declarado acéfalo e morto, quem nos irá enterrar a todos serão os “jotinhas”. Para coveiros ainda servem. No intervalo, aconselhamos os pêésses e os pêéssedês a continuarem a jogar o seu ridículo joguinho do “culpa tua, culpa minha”.

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