12 de novembro de 2007

TIMOR-PAVOR


O poema que hoje aqui transcrevo é datado quanto à particularização dos eventos históricos que o fizeram nascer. Mas creio que o não é quanto à especial fereza do homúnculo em que poderemos transformar-nos, bastando para tal o império do ódio, a urgência da vingança, a exigência do interesse ou apenas o abandono ao nocturno magma dos nossos instintos mais reptilianos.

Não me peçam que escreva sobre Timor.
Dilacera-me escrever sobre Timor
Porque Timor é agora a Besta galopante,
O Mal infrene, o fétido bafo do Inferno.
Vexa-me falar de Timor porque Timor
É a espécie humana virada do avesso,
O outro lado do pesadelo que nos habita.

Não me peçam que diga sobre Timor
Uma só palavra murmurada
Um só e final som ciciado
Um único e vago suspiro.
Eu temo ser um Aitarak
À espera da oportunidade genocida.
Eles, os Aitarak, são mamíferos
E bípedes de imagem similar
À minha própria imagem.
Foram paridos como eu
Em gestação de nove meses.
Têm o polegar oponível
E a postura erecta
E tudo isto parece ser igual
Ao meu próprio polegar,
À minha própria postura.
Eles, os Aitarak, terão já tido
Doenças como algumas
Das que me fizeram sofrer
E mulheres como algumas
Das que me fizeram amar.
Olhando-me na vidraça
Eu me pergunto
Se o Homem abstracto,
Maravilha verbosa
De Platão e Kant,
De Rousseau e Nietzche,
De Santo Agostinho e Unamuno,
Não será no concreto
Um Aitarak, só um Aitarak
Não mais que um Aitarak
A que se juntou perfume,
Gravata e código civil.

É sobretudo esta suspeita
(A da espécie humana
Não ser mais do que um vómito
De infâmia, composta pelas fezes
Da mais pura perfídia) ,
É sobretudo esta dúvida
(A de não sermos todos senão
Homicidas a que faltou
Oportunidade de matar)
Que torna Timor
A suprema vergonha
De toda a raça humana de mortais.


Coimbra, 9 de Setembro de 1999

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