17 de abril de 2008

CENTENÁRIO DA REPÚBLICA


O Reitor da Universidade Católica, Professor Manuel Braga da Cruz, mostrou-se apreensivo com as próximas comemorações do centenário da República Portuguesa. Deu a entender, sem citar concretamente quaisquer evidências, que essa importante efeméride poderia vir a ser aproveitada pelos republicanos portugueses para descabelados ataques à Igreja Católica.
Salvo melhor opinião, o Professor Braga da Cruz não tem a menor razão. A República em Portugal é hoje um dado adquirido. Consideramo-lo até irreversível. Portugal habituou-se a magistraturas cívicas electivas, periódicas e visceralmente democráticas; habituou-se também a reconhecer apenas, pelo menos no plano dos princípios, as aristocracias de mérito e de trabalho, recusando as chamadas aristocracias de sangue ou de genealogia. E, como manifestamente se tem provado, também se habituou a respeitar as pessoas de credo monárquico, a começar pelo Senhor D. Duarte, pela Senhora Dona Isabel Herédia e pelos filhos de ambos. Há na legislação portuguesa uma directriz que a generalidade dos nossos republicanos tem observado: o direito ao bom nome e reputação dos cidadãos nacionais. Ora, em concordância com isto, os republicanos portugueses têm reverenciado o bom nome e reputação dos pretendentes ao trono português, nossos concidadãos, em paridade perfeita com qualquer um dos nossos compatriotas.
Estes mesmos republicanos têm mantido uma postura de grande respeito pelo trabalho espiritual desenvolvido pela Igreja Católica, que se reconhece e encarece. E espera-se que assim venha a ser o relacionamento futuro, se o Estado mantiver a sabedoria de não invadir a esfera das crenças religiosas e se a Igreja não sucumbir à tentação de irromper com precipitação na esfera puramente temporal.
Trata-se agora de saber se os monárquicos, o Digníssimo Reitor da Universidade Católica, a hierarquia católica portuguesa e a generalidade das forças não-republicanas irão manter para com o regime político que nos governa há quase cem anos a mesma postura de respeito, de comedimento e de polimento. As declarações do Reitor da Universidade Católica, por inoportunas e radicalmente improcedentes, por insustentadas em factos demonstráveis, fazem supor o pior dos cenários. E o pior dos cenários seria a abertura de uma guerrilha de provocação, tendente a ensombrar as próximas comemorações do Centenário da República. Daí que o apelo ao Senhor Presidente da República para que este exerça uma vigilância moderadora sobre a orientação das cerimónias e festividades do Centenário, começando por ser insultuosa para os membros da Comissão Nacional (que se espera que não fiquem calados…), acaba por ser um indirecto acinte a todos os republicanos desta nossa terra, que são, como é bem sabido, a esmagadora maioria. Esta Comissão Nacional, tanto quanto se tem sabido pelos jornais, está indigitada, mas ainda quase nada levou à prática. É formada por individualidades probas, civicamente impolutas, profissionalmente notáveis e eticamente insuspeitas. Daí que possamos perguntar ao Senhor Reitor da Universidade Católica: ao que vem? que sentidos explícitos e implícitos têm os seus estranhos e deslocados apelos? que temores acalenta?
O Centenário da República portuguesa deve ser celebrado em paz, com elevação, com o mais elevado espírito patriótico e com o valor de tolerância a que nos habituou o ideário republicano. Temos a antecipada certeza que são estas as disposições com que os republicanos partirão para a notória e notável efeméride. Assim os deixem perseverar nestas boas disposições. Mas se não deixarem, o Povo republicano aí estará para defender o seu património centenário, neste seu Portugal, também republicano.


1 comentário:

Luís Alves de Fraga disse...

Caro Amigo,
É difícil acrescentar o quer que seja às suas sábias e ponderadas palavras. No entanto, permito-me, em reforço do que deixou escrito, recordar que, no período mais quente do chamado PREC, os republicanos de matiz virado à esquerda – para não falar, claro está, dos de direita – tiveram o cuidado de não chamar à liça a questão religiosa, por não existir, de facto, «questão religiosa» que contribuísse para o regular desenvolvimento dos acontecimentos políticos. Se passámos, há trinta e três anos, períodos conturbados e a Igreja Católica não foi maculada na sua essência, como o haveria de ser agora, nos festejos do centenário da República? E porquê?
Dá vontade de perguntar: — Estarão alguns sectores da Igreja Católica a preparar-se para se juntarem, como o fizeram há cem anos, aos monárquicos para estabelecer uma guerrilha que nada altera nas comemorações, mas só introduz ruído e oferece de Portugal uma imagem truculenta? Estarão a guiar-se pelos pequenos incidentes ocorridos aquando da comemoração do centenário do regicídio? Se é este o caso, parece-me, estão a equacionar de uma forma bastante enviesada um pequeno problema que nada tem de relacionável com a comemoração do centenário da proclamação da República.
É por demais evidente que, no festejar do centenário, será recordado o facto histórico de a República ter tido necessidade de se bater com o clero católico de então. Mas isso é tão inevitável como festejar-se a vitória dos liberais, em 1834, e não se falar de Mouzinho da Silveira e do fim dos morgadios ou da expulsão das ordens religiosas com a nacionalização dos seus bens ou festejar-se o centenário do 11 de Março de 1975 e escamotear-se a nacionalização da banca ou, ainda, festejar-se o centenário da revolução de 1383-1385 e não se falar da entrega dos bens da nobreza aos filhos segundos que apoiaram D. João, Mestre de Avis… São tudo decorrências de um processo de mudança onde se procurou combater o esteio de uma situação que se pretendia ver alterada.
Tal como o meu Amigo, julgo que a sensibilidade dos republicanos saberá passar por estas referências históricas com a cautela conveniente para não acender fogos há muito apagados; assim o saibam fazer todos quantos ainda veneram uma monarquia que já não volta.
Uma vez mais, desculpe o alongamento no comentário.