A titular do Ministério da Educação, Drª Maria de Lurdes Rodrigues, deu há alguns dias uma entrevista a um dos canais da nossa televisão. Nessa entrevista, a governante afirmou, para quem a quis ouvir, que iria consagrar o melhor do seu esforço para que fossem evitadas as retenções, ou seja, as reprovações, no sistema de ensino sob a sua tutela. A entrevistadora perguntou-lhe, logo de seguida, se isso iria significar o fim do processo das avaliações. A conspícua Senhora fez uma pausa, em esforço, e acabou por responder qualquer coisa de parecido como “depois se vê”, ou como “ainda não sei, mas…”. Para que não sobrassem dúvidas a ninguém, informou que a sua filosofia de escola é “inclusiva”, procurando distingui-la da escola “do passado” (???), que referiu como “selectiva”.
Salvo o devido respeito, com a Educação de um Povo não se brinca. Nem esse mesmo Povo pode ser submetido a certa casta de “experimentalismos”, no sistema de ensino, denunciador de mentalidades especiosas, ainda que as mesmas se autoproclamem como assaz “vanguardistas”, “modernas” e “deveras inteligentes”. O que foi dito pela esclarecida e esclarecedora ministra é suficientemente grave e polémico para que o cidadão comum não fique passivo e indiferente. Está em causa o futuro de Portugal e o destino das gerações mais novas. Não estão em causa apenas as opiniões domésticas ou politiqueiras da Drª Maria de Lurdes.
O carácter “inclusivo” a que se reporta a detentora da pasta da Educação seria eventualmente defensável ( e, mesmo assim, com grandes reservas! ) para aquilo que se decretasse ser uma escolaridade obrigatória, precedendo esta, em alguns anos, a frequência de uma formação de acesso a títulos profissionais ou a cursos superiores. Dito assim, com esta ligeireza e nonchalance, com este sentido de generalidade, com esta latitude de “inclusão”, soa-nos a um truísmo, digno de Sancho Pança ou do Anão dos Assobios. E mesmo que tal se pensasse, aconselharia a prudência mais elementar que esse pensamento, vindo de quem vem, não fosse levado à Praça Pública com tamanho desplante. O estudo constitui um esforço. A aprendizagem significou desde sempre (e irá continuar a significar) – por muito que isto custe à pedagogia do facilitismo e da festarola – uma disciplina, uma exigência de concentração, uma mobilização de energia mental e psíquica. Daí que o estudante comum, entregue a si mesmo e ao simples império do seu hedonismo, sinta a tentação de evitar ou iludir a tarefa de aquisição de saber que sobre ele impende. Vir uma governante declarar, com tamanho impudor, perante toda uma colectividade nacional, que a sua filosofia “inclusivista” aborrece os processos de avaliação e sonha com a sua supressão é o mesmo que empurrar esse estudante para a inércia, para o desprezo pela Escola e para a desqualificação do conhecimento. Foi como se a Drª Maria de Lurdes tivesse incitado muitos dos discentes do ensino sob a sua tutela a remeterem-se à pior das cabulices, que é aquela que se assume sem vergonha.
Mas existe uma outra importantíssima implicação. É que, prescindir tão “generosamente”, tão militantemente, de processos verdadeiramente selectivos de avaliação dos conhecimentos é conduzir ao patamar dos Institutos Politécnicos, das Universidades, das Escolas de Formação Profissional, de todas as Instituições terminais dos processos de ensino e de aprendizagem, é conduzir aí, com um arzinho de troça ou de cinismo, uma coorte de castrados mentais, de inaptos intelectuais, de madraços habituais e de irresponsáveis contumazes. Se a Senhora Ministra conhecesse verdadeiramente o país onde governa (???), saberia que a massa de estudantes que desagua em tais Escolas já é, neste preciso momento, suficientemente romba e ignorante para dispensar mais este empurrão da sua lavra. Há candidatos que chegam aos cursos técnicos, científicos ou literários num calamitoso, deplorável e gravíssimo estado de impreparação. Há toda uma Colectividade a saber que assim é – talvez exceptuando a prestimosa Ministra …
Se vencerem os seus desejos, teremos amanhã electricistas que não serão capazes de unir dois fios sem fazerem um feérico curto-circuito, canalizadores que deixarão todas as torneiras prontas para o espectáculo da inundação, engenheiros que planearão casas prontas a cair, médicos que darão garantias de certidões de óbito aos doentes, literatos que não saberão interpretar, sequer, as instruções das cabines dos elevadores, etc., etc.
Bem sei que isto seria muito do agrado desta singularíssima Ministra. Ela veria no descalabro, na incompetência, na incapacidade, na impotência, a realização ideal da sua delirante “sociedade inclusiva”. Quando, verdadeiramente, o que os portugueses necessitam – isto tem de ser dito com a força da indignação e da crueza – é do funcionamento, implacável, persistente e redentor, de critérios selectivos, hierárquicos e discriminadores no sistema do ensino. E não só nele. Também nos faria bem que fossemos selectivos na escolha de quem nos governa…
1 comentário:
Meu Caro Amigo,
Em reforço do que tão claramente deixa exposto permita-me que relate o que se passou comigo numa escola da capital do país.
Por indicação da Associação 25 de Abril, em resposta à solicitação dessa tal escola, fui fazer uma palestra a alunos do 6.º e 9.º ano de escolaridade sobre a gloriosa Revolução de há 34 anos e sobre a descolonização.
Sabedor de como as crianças nestas idades gostam pouco de ouvir longos solilóquios, socorri-me de meia dúzia de slides com texto para me apoiar numa exposição rápida e de 7 ou 8 slides com fotografias sobre o que se passou em Lisboa no dia 25 de Abril de 1974.
As três ou quatro professoras de História presentes colocaram-se estrategicamente na sala de modo a controlarem a irrequietude dos alunos. Estranhei esta atitude, contudo, elas lá sabiam os porquês!
Ao cabo de cerca de 35 minutos de exposição – durante os quais vi estampado naqueles pequenos rostos o mais profundo desinteresse pelo que lhes relatava, numa inequívoca atitude de aborrecimento – calei-me para dar oportunidade ao período de perguntas e respostas. A medo, um garoto lá me fez uma inocente pergunta a que respondi dando o máximo de ênfase que a minha experiência pedagógica me permite; perguntei, depois, se não havia mais nenhuma questão e oiço claramente, vinda lá do fundo da sala, a “alentadora” pergunta: — podemos sair?
Estabeleceu-se um silêncio constrangedor quebrado por uma das professoras presentes que, com o seu melhor sorriso, me fez mais uma pergunta.
É esta a Escola que a ministra da Educação está a gerar e a desenvolver entre nós!
Confesso que não tenho o traquejo político dos ministros que são capazes de estarem a apanhar com tomates atirados pela audiência e continuarem impassíveis com um sorriso entre o seráfico e o irónico estampado nos rostos alvares.
Há 35 anos defendia eu, nos mini comícios que fazia na minha unidade militar, que era necessário pôr cobro à guerra e dar início à campanha da educação e do ensino. Todavia, não era uma Escola como esta — a que todos os ministros de todos os Governos conduziram o país nos últimos 34 anos — que eu sonhava e propagandeava.
Eu queria uma Escola de valores onde, a par do ensino de matérias básicas, se leccionasse a educação cívica; uma educação que nos arrancasse da primeira linha do Terceiro Mundo e nos colocasse no “pelotão da frente” do Primeiro. No entanto, estamos, de facto, bem mais para trás do que estávamos há 34 anos (o que não dá virtude ao regime do Estado Novo, mas também não a dá ao regime democrático que nós, os Capitães de Abril, sonhámos quando conspirávamos e, depois, quando lutámos para nele enraizar o pluralismo partidário).
O que nos propõe a ministra da Educação é uma Escola para “passar o tempo” onde nada se ensina nem nada se exige. E é tendo como substrato esta mole humana que se pretende implantar o sistema de Bolonha o qual, no mínimo, requer que os alunos “trabalhem” na aprendizagem orientada pelos mestres… Se não fosse triste, dava vontade de rir!
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