Existe no antigo mosteiro dominicano feminino de Jesus, hoje convertido em Museu de Aveiro, uma pintura muito singular. Trata-se da “Senhora do Leite assente sobre a lua”, obra flamenga do século XVI. A Senhora, cercada por um debrum flamejante, dá de mamar a um menino Jesus já crescidinho, de perna traçada e expressão vagamente erótica, sublinhada pelas pálpebras semi-cerradas. A Senhora apresenta as suas formas todas tapadas, exceptuando um seio túrgido, muito redondo, emergindo do escuro das vestes. A singularidade do quadro consiste, em minha opinião, no desmentido do artista à dogmática de uma religião puritana, ensimesmada, frustradora de tudo o que se lhe antolhasse como plétora pagã. Há neste quadro uma força de vida e uma tamanha afirmação material e corpórea, que quase o converte em objecto de heresia. É por isso, sobretudo por isso, que gosto dele.
12 de maio de 2008
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2 comentários:
Meu Caro Amigo,
Quem lhe garante que o quadro fruto da sua admiração não terá começado por ser um hino à vida que o pintor quis deixar para gozo de quem para ele olhasse e visse esse «menino com expressão vagamente erótica», mamando um belo «seio túrgido, muito redondo» capaz de despertar essa «afirmação material e corpórea» que tamanho devaneio lhe dá e, provavelmente, a tantos mais?
Nada nem ninguém lhe dá tal garantia!
E qual foi o recurso, se calhar espúrio e tardio, que o artista teve para fazer passar a sua obra sob o olhar obtuso, malévolo e crítico de um qualquer cabido? Colocar à volta da senhora de um tal seio um «debrum flamejante» que lhe sagrasse a pose!
Será delírio meu ou uma tal hipótese poderá ser plausível?
FARISAÍSMO
Como qualquer de nós, também mamou
o Menino-Jesus em pequenino
conforme antigo artista o figurou
no quadro de um convento feminino.
Hoje depositado no museu
da cidade de Aveiro, em bom estado,
de quando em vez um que outro fariseu
se mostra com a cena inconformado.
É que a Senhora sua Mãe, de pé,
mostra um dos seios túrgido de leite
que a criancinha suga com deleite.
Que tem a ver o caso com a Fé
se foi precisamente à sombra dela
que o seu autor pintou aquela tela?!
João de Castro Nunes
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