À memória de Joel Serrão
É certo que, também intermitentemente, têm surgido entre nós episódios eruptivos, de dimensão predominantemente interna, que contribuíram para mascarar a maré vasa do nosso perdido universalismo. As guerras liberais do século XIX e a guerra colonial do século XX, longe de se inserirem na visão alargada dum mundo “que pula e avança”, à maneira de António Gedeão, plasmam-se, respectivamente, numa simples luta entre irmãos desavindos, ávidos e rudes, ou na inconcebível cegueira de um ditador sertanejo quanto à percepção das correntes profundas da História universal.
Hoje, porém, Portugal nem sequer se confronta com esta sorte de derivativos ou de panaceias evasivas. Hoje, Portugal, como atrelado subalterno de uma Europa onde nada vale e nada conta, é um Colectivo sem norte, sem referências e em perda acelerada de identidade. Começam a ouvir-se por aí apologias iberistas, que já nem sequer desencadeiam os nojos e repelências com que foram recebidas nos meados do século XIX. Que queremos? Para onde vamos? Que lugar nos está reservado no concerto das nações? Que podemos fazer por nós próprios, para além do exercício mesquinho de garantirmos ( se garantirmos …) as três refeições diárias? Claro que poderemos sempre dizer que estamos vivos, o que já não é mau! Mas, estaremos vivos, de facto? Quem semeou a alma pelas vastas pradarias de África e da Índia, da Ásia e do Brasil, quem levou a mala de cartão para Paris e quis entregar ao ignoto Preste João os termos de um acordo de amizade, quem levou à Roma dos Papas a imponência de um elefante vivo, quem tudo isto fez, teria o direito de esperar no presente um retorno mais confortante. Portugal tem vindo a interpretar um destino histórico singular, que se equilibra entre o sublime grotesco e o trágico risível. Como o filho pródigo da Bíblia, delapidou longe da casa paterna o património da ancestral herança. Gastou tudo, às punhadas: o sangue, o sémen, a Ideia, o dobrão, a Palavra. Regressou abatido e miserável. Mas, ao contrário do episódio bíblico, passou a habitar uma casa de empréstimo. Chama-se Europa. Tem como função fazê-lo esquecer, de uma vez por todas, o rosto que já teve.
13 comentários:
Caro Amigo e Professor,
Comungo do seu ponto de vista, mas arrisco uma explicação para esta apatia presente: desencontro psico-sociológico do Povo e dos governantes nacionais. Explico.
Depois de 1415 a verdadeira bengala da política nacional, a estratégia que orientou, no fundo, os responsáveis pelos destinos do país, foi o arrimo ao comércio ultramarino – fosse ele o do gengibre do Golfo da Guiné, o das especiarias orientais, o do açúcar brasileiro, o do cacau de S. Tomé, o do café de Angola ou, para não esquecer, o dos escravos das costas africanas; ganhando muito ou pouco, Portugal colocou o eixo da sua existência no além-mar, durante 560 anos (1415-1975). Foram cinco séculos e meio de saída dos aventurosos que se espalharam por esse mundo, regressando, especialmente, ou os falhados ou os vaidosos que pretendiam exibir a sua nova riqueza junto dos que não ousaram tentar fora a sorte. E não tentando fora a sorte, desenvolveram, durante cinco séculos e meio, um sentimento de frustração que se traduziu nas mais mesquinhas manifestações de inveja dos que por cá, mourejando, progrediam ou dos que, regressando, se pavoneavam com o dinheiro arrecadado com muitos sacrifícios.
Ao nível do consciente colectivo, afirmou-se a mesquinha inveja como um princípio nacional; ao do inconsciente colectivo, ganhou-se a certeza de que só longe da terra se conseguia alcançar mobilidade social. De tudo isto ficou uma certeza colectiva: era no “império” e para o “império” que se devia manter Portugal ou, dito de outra maneira, a nossa “vocação” estava no “império”; por exclusão de partes, a Europa e, até mesmo, a Espanha eram opções que se não colocavam e cujas problemáticas só interessavam Portugal quando o afectavam directamente ou ao “império”.
Neste ínterim de cinco séculos e meio os Estados europeus foram-se “vocacionando” económica e socialmente, quer dizer, encontraram os seus meios de subsistência e de sobrevivência… Até a “pobre” Suíça aprendeu a fazer relógios, chocolates, turismo e a ser o cofre das fortunas mundiais.
Chegámos – Portugal e os Portugueses – a 1975, ano do fim do “império”, quase como se estivéssemos em 1415: tínhamos, a mais, os arquipélagos adjacentes e a experiência de mourejar lá por fora! No resto, éramos castos!
Estes trinta e poucos anos que passaram têm sido de aprendizagem: na “década de Cavaco Silva” aprendemos a gastar como se outro ouro do Brasil tivesse chegado a Portugal; depois aprendemos a descobrir que nada sabíamos fazer que fosse matéria suficiente para nos sustentarmos.
E aqui tem, meu Caro Amigo e Professor, na minha opinião, o motivo pelo qual, sentindo-nos um Estado sem destino, até para Espanha estamos dispostos a voltarmo-nos. A ideia de Portugal é já só a de um clube de futebol – um clube que inclui outros clubes – e isso esteve bem figurado na resposta dada ao senhor Scolari; na escola, mata-se a Língua Portuguesa, esquece-se a História Nacional; na economia, vendemo-nos a quem mais oferece; no futebol, arvoramos ao vento bandeiras nacionais. É aqui, nesta problemática, segundo me parece, que começa a crise portuguesa: uma crise de carência de identidade, de personalidade, de vocação e de afirmação; todas as outras, mesmo até a económica, entram pelas frágeis fronteiras, porque não encontram a oposição de gente que sabe o que quer para o dia de amanhã.
Alonguei-me. Peço desculpa. Sou incorrigível.
Um forte abraço
O CORROSIVO MAL DA INVEJA
A inveja mata, corroendo lenta
mas imparavelmente a alma humana:
é mal que de si próprio se alimenta
e aos poucos vai tornando a mente insana.
Pintaram-na os artistas primitivos
da forma mais horrenda que é possível:
animalescos dentes incisivos,
aspecto facial vesgo e temível.
É sempre deletéria a sua acção
no meio social, embora às vezes
pareça ter o dom da emulação.
Por mim não acredito que assim seja
especialmente quanto aos portugueses
que mais que todos primam pela "enveja"!
João de Castro Nunes
DE VOLTA A CASA
Não foi de espada em punho e sujeição
à viva força, como os castelhanos,
que os portugueses, com o coração,
foram de meio mundo soberanos.
Hispânicos no berço e nas raízes,
mas desde logo os mais ocidentais,
pese à identidade das matrizes,
sempre nos mantivemos desiguais.
No contexto europeu que perfilhámos
de volta do "império" que deixámos
entregue de bom grado aos seus destinos,
há que fazer ouvir a nossa voz,
pois apesar de sermos pequeninos
temos o génio de Camões por nós!
João de Castro Nunes
PORTUGALICÍDIO
Com o ensino em crise e uma cultura
de dia para dia mais ausente,
com uma economia decadente
e o desprestígio da magistratura;
com pouca fé de cada criatura
na sua segurança permanente,
com um estado de alma deprimente
e deprimida nesta conjuntura;
com a falta de apoio social
em que vegeta o povo português,
para onde vai, de facto, Portugal?
Para lhe não chamar um suicídio,
preferiria usar em sua vez
a locução de portugalicídio!
João de Castro Nunes
Caro Prof. João de Castro Nunes,
«há que fazer ouvir a nossa voz».
Neste singelo verso existem verdades duras como punhos que encerram políticas não traçadas, estratégias não imaginadas, sendas não abertas nem percorridas.
Ter «o génio de Camões por nós» é, salvo melhor opinião ou interpretação, ter o espírito do “império” em nós e, se assim for, acho que esse enterrou-se em 1975 e consolidou-se em Agosto de 1999 com a declaração e reconhecimento internacional da independência de Timor-Leste. Mas se ter «o génio de Camões por nós» corresponder a ter hoje a capacidade de descobrir um caminho de afirmação para um Portugal à deriva, aí, Senhor Professor, estarei de acordo consigo. Todavia, esse «génio» parece estar arredado do nosso quotidiano, pois visível é a indeterminação e a incapacidade de acertar um rumo, uma estratégia tão apropriada e eficaz como foi a de um D. João II que apontou à Índia e mandou que ela fosse demandada custasse o que custasse. Claro que não estou fazendo a apologia de um «salvador da Pátria» - já tivemos muitos e em más horas – mas antes a admitir possível acender a chama que existia no homem do Povo que, por uma mão cheia de sonhos, arriscava tudo – a vida na maior parte das vezes – para entrar numa caravela e nas naus do Oriente para dar forma a uma vontade maior.
Olhar como eu olho para a epopeia dos Portugueses, achando-lhe uma outra dimensão, corresponde a aceitar que, por um feliz acaso, se conjugaram num determinado momento da História, neste recanto à beira mar colocado, várias vontades que tinham em comum pontos de confluência. Na verdade, D. Henrique não foi o Navegador! Navegador foi todo o homem anónimo que se meteu nas caravelas e demandou terras desconhecidas. Se ao primeiro não falecia a vontade de ver desbravado o mar incógnito, ao segundo sobrava o desejo de enriquecer longe do amanho da terra encerrado entre cearas e vinhedos e, ao lado de ambos, invocando razões de fé, estava o frade para quem evangelizar entre povos pagãos era, também, uma aventura que lhe salvava a alma, salvando, julgava ele, as dos pobres infelizes que não sabiam quem tinha sido o Nazareno.
Onde vamos encontrar neste começo de centúria e de milénio uma conjugação tão perfeita que possa determinar uma nova vocação para os Portugueses? Haverá algures, nas dobras do Futuro, um tão próximo 2015 capaz de rivalizar, na contemporaneidade, com o começo da epopeia de há seiscentos anos? Quem dera que houvesse, mas quem governa não descobriu ainda a força animosa para impulsionar uma nova epopeia e quem é governado não manifestou de modo consciente o risco que deseja correr para ver satisfeito um sonho e uma ambição que justifiquem um outro Camões.
Estarei errado? Se calhar estou…
Saudações amistosas
Há sempre uma "gralha" que escapa no entusiasmo da escrita...
Onde se lê ceara deve ler-se seara.
Que me desculpe o dono do blog, o ilustre Professor Castro Nunes e todos quantos lerem estes comentários.
Permita, Senhor Prof. Alves de Fraga que, motivado pelas suas belas e sábias palavras, transcreva o soneto que em 1952, na pétrea Compostela, inseri no meu poemário "Os galeões do rei que se perderam...", ainda o "império" não se tinha ido à vida::
GUARDAR O SONHO!
O Sonho começou a pressentir-se
antes de a Obra um dia se pensar,
e esta por destino há-de cumprir-se
para em si mesmo o Sonho se guardar!
Que importa, pois, que os galeões de vez
no alto mar tivessem naufragado.
se foi asim que o Império se desfez
para outra vez voltar a ser sonhado?!
Se em Alcácer-Quibir morreu outrora
numa tarde de Agosto, abrasadora,
a flor da fidalguia portuguesa,
não foi, acaso, ao malograr-se a empresa
que nasceu para o nosso coração
o verdadeiro Dom Sebastião?!...
Coisas de poetas... menores!
Soneto nº 4 das minhas ODES CAMONEANAS, prefaciadas pelo ensaísta Montezuma de Carvalho (edição da "Palavra em mutação", Porto, 2005):
Com uma régia tença equivalente
ao ordenado mínimo actual
ou nem isso talvez provavelmente
pobre viveu Camões até final.
Chorando embora a sua condição,
o lusitano vate nem por isso
deixou de ter moral compensação
por obra do destino ou compromisso.
No mesmo panteão que o Desejado
e por Vasco da Gama acompanhado,
teve na morte a paga merecida.
Foi-se o Império, foi-se tudo à vida,
mas a nação ainda é referida
por graça do Poeta... desgraçado!
João de Castro Nunes
MAR PORTUGUÊS
Ao Prof. e Homem de Armas Luís Alves de Fraga
O mar,
o mar imenso
em que de infante tantas vezes penso,
é... português:
foram os nossos arrojados navegantes
que pela primeira vez
em frágeis caravelas balouçantes
sulcaram seus abismos sem temer
o que pudesse acontecer!
O mar é nosso,
o mar universal
o mar do Rei que, QUERO E POSSO,
mandou passar além do Adamastor
abrindo um corredor
para chegar por ele ao mundo oriental
com a tenção de incentivar a queda
dos ricos mercadores
autênticos senhores
da rota transislâmica da seda!
Mesmo que algum do seu amargo sal
seja dos naturais de Portugal,
como se diz nos versos de Pessoa,
o mar, desde as águas mornas de Lisboa
à frigidez do continente austral,
foi obra do valor dos lusitanos
que, desmentindo Ulisses e as crendices
dos míticos fenícios e troianos,
micénicos e muitos outros povos,
como cartagineses, gregos e romanos,
por sua audácia acharam mundos novos
à voz de intemeratos capitães
sempre avançando mais
sob o impulso do Poder Real
que todo o mar queria... para Portugal.
Por isso o mar,
de lés a lés,
dos grandes aos pequenos oceanos,
sobre ele mande agora quem mandar,
ingleses, russos ou americanos,
é nosso de raiz... é português!
João de Castro Nunes
MAR PORTUGUÊS
Ao Prof. e Homem de Armas Luís Alves de Fraga
O mar,
o mar imenso
em que de infante tantas vezes penso,
é... português:
foram os nossos arrojados navegantes
que pela primeira vez
em frágeis caravelas balouçantes
sulcaram seus abismos sem temer
o que pudesse acontecer!
O mar é nosso,
o mar universal
o mar do Rei que, QUERO E POSSO,
mandou passar além do Adamastor
abrindo um corredor
para chegar por ele ao mundo oriental
com a tenção de incentivar a queda
dos ricos mercadores
autênticos senhores
da rota transislâmica da seda!
Mesmo que algum do seu amargo sal
seja dos naturais de Portugal,
como se diz nos versos de Pessoa,
o mar, desde as águas mornas de Lisboa
à frigidez do continente austral,
foi obra do valor dos lusitanos
que, desmentindo Ulisses e as crendices
dos míticos fenícios e troianos,
micénicos e muitos outros povos,
como cartagineses, gregos e romanos,
por sua audácia acharam mundos novos
à voz de intemeratos capitães
sempre avançando mais
sob o impulso do Poder Real
que todo o mar queria... para Portugal.
Por isso o mar,
de lés a lés,
dos grandes aos pequenos oceanos,
sobre ele mande agora quem mandar,
ingleses, russos ou americanos,
é nosso de raiz... é português!
João de Castro Nunes
RETORNO
Cumpriu-se Portugal: ao fim chegou
o ciclo das províncias africanas
que se tornaram pátrias soberanas
como outras tantas filhas que gerou.
Ao cabo de alguns séculos de história
voltou-se à primitiva condição de ibérica e minúscula nação,
a mais sentimental de que há memória.
Foi-se o império territorial
que por motivos de oportunidade
obteve a sua própria identidade.
Lá ficará, porém, de pedra e cal,
se não acontecer nenhum revés,
com nossa língua, o génio português!
João de Castro Nunes
RETORNO
Cumpriu-se Portugal: ao fim chegou
o ciclo das províncias africanas
que se tornaram pátrias soberanas
como outras tantas filhas que gerou.
Ao cabo de alguns séculos de história
voltou-se à primitiva condição de ibérica e minúscula nação,
a mais sentimental de que há memória.
Foi-se o império territorial
que por motivos de oportunidade
obteve a sua própria identidade.
Lá ficará, porém, de pedra e cal,
se não acontecer nenhum revés,
com nossa língua, o génio português!
João de Castro Nunes
"ACENDER A CHAMA"
No rasto do Prof. Alves de Fraga
Outra epopeia? Acaso outro Camões?
E porque não, se a alma não mudou?
Aquilo que, a meu ver, se transformou
foram tão simplesmente as condições.
Venha um caudilho, um chefe de verdade,
um Dom João Segundo, o homem certo,
que da população se pondo perto
lhe saiba transmitir sua vontade!
Desperte o povo desta letargia
em que tombou de há tempos para cá
e tire das fraquezas... energia!
Quando entre os dois se der a convergência,
Portugal outra vez se afirmará,
tendo novos Camões... nova apetência!
João de Castro Nunes
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