A Praça de S. Pedro, em Roma, regurgitava de preces e de transeuntes devotos. Era um marulhar de formigas em alvoroço, muito compenetradas, graves e mal tingidas de cores neutras. Embora estivesse calor, os corpos encontravam-se suficientemente tapados, não fossem os mesmos lembrar alguma orgia romana, talvez outrora perpetrada no Fórum, nesse espaço por longos tempos desprezado, mas de onde se fizeram transportar (às ocultas ?) parte dos soberbos mármores, outrora dedicados ao hino glorificador dos deuses vencidos. Hoje, o Deus vencedor – tão longe do humilde espírito do Rabi galilaico… – blasona a sua condição de triunfador incontestável, decretando as nostalgias de Infinito nos corações e as imposições de pudicícia nos corpos. Todas os templos católicos de Roma ostentam à entrada um cartaz morigerador, onde se encontram desenhadas minuciosamente as peças de roupa consentidas e aquelas que são vistas como indutoras do pecado.
Foi então que a vi. Não teria mais de dezassete ou dezoito anos. Fresca como o rocio da manhã. Amarela na roupa escassa e rosada na face risonha.Um anátema insultuoso em pleno Vaticano. E a matéria do seu corpo, essa famigerada condição de humano desejo, esse pressuposto teológico de decadência, simbolizaria, para todos os que quisessem realmente VER, o viço das regras de Vitrúvio e a superioridade estética do paganismo.
Como uma borboleta amarela, rutilante de graça e de paradoxo, a rapariga volitou por entre a gente parda de S. Pedro e acabou por desaparecer numa esquina.
Do alto da arcaria, os Santos, os Anjos e os Arcanjos respiraram de alívio.
4 comentários:
FASCINAÇÃO
Quem, Professor, em dada ocasião
não viu com pensamentos depurados
um desses corpos meio desnudados
de rósea "borboleta" sem senão?
Que, Professor, perante essa visão
não nota os seus sentidos perturbados
e mesmo os seus prinípios abalados
por obra de ums estranha sensação?
Como Neruda, quem nunca sentiu
o sortilégio de uma "boina gris",
que certamente apenas intuiu?
Sejam cristãos, budistas ou sufis,
quem face a um deus pagão não conheceu
toda a fascinação de um corpo ao léu?!
João de Castro Nunes
DAVID
David: eis a suprema perfeição
do corpo masculino, que arrancara
Miguel Ângelo à pedra de Carrara,
vivificada pela sua mão!
Foi Deus que o inspirou seguramente
para passar à pedra o ser humano
a partir do padrão greco-romano
da forma exacta como tinha em mente.
Obra de Deus, portanto, inexcedível,
não sendo imaginável nem possível
ultrapassá-la ou igualar sequer,
só pena foi que o genial artista
nos mesmos moldes não tivesse em vista
o equivalente corpo da mulher!
João de Castro Nunes
DAVID
David: eis a suprema perfeição
do corpo masculino, que arrancara
Miguel Ângelo à pedra de Carrara,
vivificada pela sua mão!
Foi Deus que o inspirou seguramente
para passar à pedra o ser humano
a partir do padrão greco-romano
da forma exacta como tinha em mente.
Obra de Deus, portanto, inexcedível,
não sendo imaginável nem possível
ultrapassá-la ou igualar sequer,
só pena foi que o genial artista
nos mesmos moldes não tivesse em vista
o equivalente corpo da mulher!
João de Castro Nunes
Respiraram de alívio, por ela ter desaparecido ou por terem a certeza de que um simples "bater de asas" de uma borboleta no Vaticano pode provocar uma tempestade nas católicas ilhas do Pacífico?
Se foi pela segunda razão, mal anda a Igreja de Roma, porque esqueceu, provavelemente, a imensa lição da Patrística que não teve relutância em lançar mão do pensamento pagão para se justificar e, mais do que isso, se apropriou dos locais de romagems para neles fazer santuários capazes de absorver a sinergia anterior transformando-a depois de "santificada" pela nova invocação.
Não há dúvida que o poder corrompe e quando é absoluto, ou tendencialmente absoluto, corrompe absolutamente!
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