Vi, por especial consideração de um Amigo, a representação deste nosso mundo sublunar, colhida a partir de um satélite, à noite. Uma fascinante miríade de luzes, uma bela flor reverberante, uma sementeira de diamantes, aos milhares, ocupa literalmente todo o território da Europa Ocidental, da América do Norte, do Japão. Brilha também a Índia, com a maior parte dos seus luzeiros aninhados junto à costa e tornados menos profusos para o interior. O Brasil, essa parte de nós mesmos, também ofusca junto ao mar, como se todas as suas Iemanjás aí se tivessem concentrado, mas deixando o interior num lume vago e intermitente. Brilha pouco, quase nada, a África, condenada irremediavelmente ao negrume do seu negro, belo e silencioso coração. Vista a partir do ar, esta Terra será para uns a jóia bendita de uma abundância sem limites, como cornucópia exposta nas montras do comércio e na voracidade das vontades de consumo; para outros, porém, ela é só a montra distante, apenas imaginada em sonhos, a promessa virtual, o Eldorado por cumprir. Lá do cimo, lá bem do cimo, não se vêem naufrágios da Medusa de um qualquer Géricault. Mas eles existem. Saem das costas magrebinas ou antilhanas, peregrinam como errantes e improvisados nautas de um injusto Poseidon, são arremessados como coisas das escarpas de Cila às ciladas de Caribdes e apodrecem desmerecidamente no mar, como frutos que não puderam desabrochar, nem sequer num humilde vagalume. É muito bela a Terra, fascinante planeta azul, visto a partir dos longes e do alto. Mas ela mata sem pudor, com eficácia cruel, quando promete a todos os direitos de luz que só alguns conhecem. É por isso que o negrume da negra África se torna mais denso, mais implacavelmente acusatório. Como se assistíssemos ao último bater de um coração fatigado. Até quando?
16 de outubro de 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
O BERÇO PRIMEVO
Vista do céu, do mundo das estrelas,
sem luzes aparece o continente
da África negra, cheia de mazelas
por obra da ambição de estranha gente.
Quando se fala dela, vem-me à ideia
a circunstância de ter sido o berço
da espécie humana, que se pavoneia
por todos os recantos do universo.
Pejada de ouro e ocultos diamantes,
a África de hoje, a exausta África preta,
menosprezada, arrasta-se e vegeta.
Contrariamente às luzes coruscantes
de outras partes da terra, a escuridão
faz companhia à sua negridão!
João de Castro Nunes
Meu Caro Amigo,
Até quando é a pergunta que deixa como interrogação de consciências.
Pois é, a mesquinhez, a ânsia de tudo possuir, a incapacidade de repartir com o seu semelhante o prazer desta aventura de poucos anos na Terra faz do Homem o mais terrível adversário de si mesmo. Para que uns brilhem ou usufruam do brilho das luzes que tornam as suas noites em dias outros vivem a imensa escuridão e mais grave do que o negrume nocturno é a escuridão do conhecimento. É essa a que mais me aflige: a escuridão de ter nascido no outro lado da Lua do Saber. Com as candeias que alumiam os caminhos da sabedoria qualquer homem pode tentar melhorar a sua sorte, todavia, sem elas, morre fechado no próprio sepulcro que lhe serviu de berço.
E continuamos a ser tão mesquinhos, tão avaros, mesmo quando toda Luz nos cega!
Um forte abraço
Enviar um comentário