7 de janeiro de 2009

CANTAR !

Em regra, uma boa parte dos nossos Amigos são recrutados nas fileiras dos que connosco exercem a mesma profissão ou dos que connosco partilham as mesmas paixões. O risco que assim se corre é o de sermos monocórdicos nos temas e nos desenvolvimentos das conversas, devido à comunidade dos interesses e das preocupações. Penso, contudo, que tanto os Amigos como os Amores, para poderem sê-lo com renovado encanto, deveriam poder surpreender-nos. Mesmo que apenas de longe em longe. Por que razão amamos tanto o maravilhoso? Por que se abrem as corolas das almas à brisa de uma diferente sedução? Que correnteza nos impele para Universos tão distantes da trivialidade e para paisagens tão marcadas pelo apelo do exótico?

Há uns anos, tive como colega de trabalho numa instituição universitária uma talentosa Amiga, cheia de vivacidade e de arguta inteligência. Factores de convergência, como o gosto partilhado pela poesia e pelo cinema, foram cimentando solidamente esta relação social. Acontecia, porém, que os anos se passavam sem que ela apresentasse a um júri a tese que lhe iria permitir alcançar o topo da sua carreira académica. Era coisa que me intrigava e me impelia a insistir sempre na mesma questão: - Então como vai a tese? Para quando, a marcação das provas? E a minha Amiga lá me ia enfileirando justificações, um tanto engasgadas e trôpegas : -As aulas, sabe? E também os trabalhos domésticos, e as exigências desta vida de agora, que não deixa tempo para nada. Até que um dia ela atingiu o ponto supremo de saturação. Nem eu sonhava que lhe estava a ser tão incómodo. E quando a interpelei outra vez – e a investigação, corre lépida? – esta Minha Amiga desferiu-me um olhar magoado, acusador, e disse baixinho: - Eu nunca lhe disse o que hoje lhe vou confessar. Mas a tese não me interessa para nada. Será uma prova de sobrevivência, um ganha-pão, entende? O que eu queria mesmo era cantar, cantar num palco grande, ainda que só estivessem duas ou três pessoas a ouvir-me!

Pois é, as amizades de profissão acabam por nos ser tão triviais que raramente as conhecemos … Já há muito tempo que não me encontro pessoalmente com esta Amiga. Mas surpreendo-me todas as vezes que, pensando nela, me pergunto: - Será que já encontrou o seu palco?  

1 comentário:

Anónimo disse...

NON DECET

Talvez não acredite, Professor,
mas quando escolar fui na Faculdade
que tem de Letras titularidade,
a fim de um dia vir a ser Doutor,

foi-me advertido, para meu governo,
teria os meus vinte anos, se tivesse,
que se poeta, acaso, ser quisesse
que fosse leccionar... para o inferno!

Ali, na Faculdade, para a qual
indigitado estava para um dia
vir a ser lente de categoria,

não havia lugar para poetas
nem qualquer fauna idêntica de estetas
imprópria para a acção... professoral!

João de Castro Nunes