O contexto histórico que precedeu a propaganda republicana
A Monarquia constitucional portuguesa viveu uma história convulsa e pouco consensual até 1851. Os seus principais protagonistas encontravam-se divididos entre o ramo conservador dos “cartistas” – defensores da Carta Constitucional de 1826, outorgada por D. Pedro, então Imperador do Brasil – e o ramo dos “vintistas”, mais radical e mais próximo dos anseios populares, defendendo esta corrente o que se dispunha na Constituição de 1822, surgida pouco depois da revolução de 1820. Do confronto entre estes sectores resultaram diversos episódios históricos: a revolução de Setembro de 1836 e a guerra da Patuleia de 1847 configuraram momentos, embora efémeros, de afirmação “vintista” ; pelo contrário, o cabralismo dos anos 40 dará resposta ao modelo mais repressivo da inspiração “cartista”. A revolução da Regeneração, ocorrida em 1851, representará a vitória clara do sector “cartista”, ou seja, da versão mais conservadora do liberalismo. Após o agitado ciclo do confronto, iria experimentar-se um ciclo mais bonançoso, baptizado por alguns como a “época dos melhoramentos materiais”.
A Regeneração recebeu de Oliveira Martins uma outra nomenclatura. Teria sido, segundo ele, o “nome português do capitalismo”. Tratou-se de uma capitalismo tímido, caseiro, mais interpretado por especuladores bolsistas do que por grandes banqueiros ou por grandes grupos económicos, uns e outros inexistentes. O político “cartista” que tentou viabilizar este projecto chamava-se Fontes Pereira de Melo. Mas como fazer grandes obras públicas, se Portugal não tinha dinheiro? Elas foram feitas com os empréstimos, onerados com elevadas taxas de juros, que os sucessivos governos fontistas contraíram, sobretudo na praça financeira britânica. Mas só existia um processo para que Portugal fosse pagando o capital e os juros desses empréstimos. Tornou-se necessário aumentar a carga fiscal, impendendo esta mais duramente – como sempre! – sobre os menos abonados.
Por volta de 1870, já a opinião pública mais esclarecida encarava com apreensão a continuidade do fontismo. Se era inegável que Portugal encetara uma via de modernização e ganhara algum terreno ao abismo que o separava da restante Europa transpirenaica, o seu “capital humano” mantinha-se inalterado. O analfabetismo ultrapassava os 85% da população; o minifúndio agrícola (e Portugal era um país de agricultores) mal dava para comer; as doenças, como a cólera e a febra amarela, devastavam os organismos famélicos e depauperados dos mais pobres; crescia a mendicidade; o saneamento público não existia, mesmo nas grandes cidades; os professores, sobretudo os da instrução primária, ganhavam salários de indigência.
Por outro lado, a vizinha Espanha sofrera um forte abalo político, através da eclosão de um movimento revolucionário, em 1868. Por lá, começava agora a falar-se em República. Também em França, na continuidade da guerra franco-prussiana, se erguera com vigor a Comuna de Paris, em 1871, que o liberal-conservador Thiers haveria de afogar em sangue. Vocábulos como os de Socialismo, Democracia Social e Comunalismo (não confundir com comunismo, pois são conceitos distintos) iam irrompendo das bocas dos resistentes.
Foi este o pano de fundo sobre o qual se iria desenhar a ideia portuguesa de República. Disto trataremos no nosso próximo texto.
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