3 de janeiro de 2009

MERECER O NOME

Eu podia ter tido como apelido um Silva, ou um Sousa, ou um Ferreira, ou um Santos. E todos estes apelidos haveriam de ser, por igual, excelentes. Mas como o meu saudoso Pai era um roble, um daqueles carvalhos meditativos, possantes e copados, e como a raiz familiar remontava também aos homem, eu passei a ser designado, pelos amigos, pelos colegas, pelos simples conhecidos, como “o Carvalho Homem”.  Em caso de zanga bem puxada e renitente, alguns dos meus oponentes afrontavam-me com expressões como estas : “ Mas que carvalho de homem” … e às vezes até tiravam o v, para me irritarem. Outros, mais gentis e crescidotes, sublinhavam a minha puerícia e chamavam-me assim: “Anda cá, carvalhito!”. E eu ia, mas convencido de que haveria de crescer e de me fazer também possante, também copado, bem distante da vulgaridade de uma arvorezita de trazer por casa.

Um dia, numa sessão de catequese, para onde era despachado pela guia de marcha da Senhora minha Mãe – uma católica de tamanha ortodoxia que nunca compreendeu muito bem que o Vaticano se tivesse decidido a substituir as missas em latim (língua sagrada, meu filho, língua do céu) por missas em vulgar – o Senhor Prior contou-nos, a todos nós, catecúmenos em carteira, a história de um Santo cuja angélica postura só fora alcançada na senectude, após uma vida de dissolução e de rebeldia. E o tal sacerdote concluía sempre a narrativa com esta observação: - E finalmente, meninos, ele mereceu o seu próprio nome.

Aquilo fez-me pensar. Passei a imaginar que um Silva tivesse de ser intrépido e acutilante, como um acúleo ou uma zagaia, para merecer tal nome. Dei comigo a cogitar que um Sousa deveria possuir uma poética modulação de alma e uma acção social tão persuasiva como a das águas de um regato, que vão mitigar o torrão ressequido ou a raiz sedenta, para lá de todas as dificuldades da orografia. Defendi no meu íntimo que um Ferreira estava vocacionado para uma firmeza sem quebranto e para uma lealdade sem sofisma; e que também um Santos haveria de condensar no mais fundo do seu coração todas as virtudes, todas as generosidades e todos os altruísmos a que se podem elevar os caracteres de excepção.

Carvalho Homem – e ainda por cima Amadeu por nome próprio (escolhido pela Mãe, por amor ao Marido terreno e por devoção ao Pai Celestial). Espinhosa missão esta, a de merecer tal nome … 

8 comentários:

Anónimo disse...

JUSTEZA ONOMÁSTICA


Silvas, Ferreiras, Souzas, Professor,
e tantos ouros lusos apelidos,
têm todos eles, como é de supor,
os seus genealógicos sentidos.

Também CARVALHO o tem, de robustez,
de resistência e força de querer,
como é próprio do HOMEM português
de antes quebrar, partir, ms não torcer.

Deu-se em V. Exª a circunstância
de estes próximos termos se fundirem
na criatura certa... em redundância.

E, para das demais se distinguirem,
juntou-lhes a Senhora Sua Mãe
o nome de AMADEU... que soa bem!


João de Castro Nunes

Anónimo disse...

Correcção de gralhas: "outros" por "ouros" e "mas" por "ms". Obrigado!
JCN

Anónimo disse...

Nota - O último terceto passa a ter a seguinte forma:

E para os santos ritos se cumprirem
juntou-lhes a Senhora Sua Mãe
o nome de AMADEU, que ela acha bem!

João de Castro Nunes

Luís Alves de Fraga disse...

Caro Amigo,
E não tenho a menor dúvida que merece o próprio nome: à sombra de frondoso Carvalho é um Homem que tem espalhado Saber e dado lições de vertical civismo, de correcção e de honesto pensar. Por outro lado, como Deus não pode ser prisioneiro de nenhuma religião – facto que o negaria como omnipotente – o que lhe dá a condição de omnipresente, amar um deus assim não fica mal a ninguém e poder dizê-lo quando se pronuncia o próprio nome só engrandece quem é Amadeu.
Tranquilize-se porque já honrou o nome e, por isso, já o mereceu.
Um grande abraço

Anónimo disse...

"JUSTIÇA CARVALHAL" (*)


Se eu tivesse talento para tal,
dos carvalhos faria a apologia, essa árvore ancestral que traduzia
a mente da justiça imparcial.

À sua sombra o Santo Rei da França
ouvia os seus vassalos e lhes dava
a sentença que nunca se afastava
da precisão dos pratos da balança.

E lembraria que no município
que tem por sede Góis, os seus senhores,
que dos monarcas foram guardas-mores,

era sob eles, ante o povo a ver,
que em plena praça pública, em princípio,
cumprir juravam... com o seu dever!

João de Castro Nunes

(*) Expressão usada em Fafe para expressar a justiça pronta e certa.

Anónimo disse...

JUSTEZA ONOMÁSTICA (*)

Silvas, Ferreiras, Sousas, Professor,
e tantos outros lusos apelidos,
possuem todos, como é de supor,
os seus genealógicos sentidos.

Também CARVALHO tem, de robustez,
de resistência e força de querer,
como é próprio do HOMEM português
de antes quebrar, partir, mas não torcer.

Deu-se em V. Exª a circunstância
de estes próximos termos se fundirem
na mesma criatura... em redundância.

E para os santos ritos se cumprirem
juntou-lhes a Senhora Sua Mãe
o nome de AMADEU, santo também!

João de Castro Nunes

(+) Esta versão, DEFINITIVA, anula todas as demais.

Anónimo disse...

"JUSTIÇA CARVALHAL" (*)

Se Poeta, acaso, eu fosse genial,
faria do carvalho a apologia,
essa árvore ancestral que traduzia
a força da justiça imparcial.

À sua sombra o Santo Rei da França
ouvia os seus vassalos e lhes dava
a sentença que nunca se afastava
da precisão dos pratos da balança.

E lembraria que no município
que tem por sede Góis, os seus senhores,
que dos monarcas foram guardas-mores,

era sob eles, ante o povo a ver,
que em plena praça pública, em princípio,
juravam ter mão justa no poder!

João de Castro Nunes

(*) Locução usada em Fafe para expressar a justiça pronta e certa.

Meg disse...

Fechar a porta, correr as cortinas, soltar a alma e partir para outra...."ser ou não ser eis a questão".
A sociedade pressiona-nos, estreita o nosso campo de visão, cobra-nos as acções, distorce-nos as vontades, limita-nos os sentimentos...um dia, há sempre alguém que ganha a força relâmpago de Deitar tudo às urtigas...
"Não fazemos aquilo que queremos e, no entanto, somos responsáveis por aquilo que somos" -J. P. Sartre