12 de outubro de 2009

MASACCIO OU A MINHA REVOLTA

Passei hoje pela pintura de Masaccio, Adão e Eva expulsos do Paraíso, um fresco do século XV (1426-1428), existente na capela Brancacci, de Florença. Um anjo avermelhado e vingador plana sobre as cabeças dos condenados pais da Humanidade. A espada que ostenta na mão direita é o símbolo do implacável veredicto divino, reforçado pelo gesto da mão esquerda, que lhes aponta o caminho sem retorno para o mundo agreste e bem diferente do Jardim paradisíaco das Delícias. Nu e atormentado caminha o Homem, de cabeça apoiada nas mãos e sexo pendente, encolhido (antes do restauro deste fresco o pudor eclesiástico tapara com uma pudica folha o membro viril deste ser danado); nua e vexada segue a Mulher, com a face voltada para os céus indiferentes, a boca escancarada e as mãos protegendo seios e vergonhas de entre pernas.

Confesso nunca ter entendido a noção de pecado original. Nunca! Nem sequer nos momentos mágicos, mais queridos do que quaisquer outros, coincidentes com a voz de veludo da Senhora minha Mãe – a única Madona da minha pintura de alma – explicando-me incansavelmente que Adão e Eva tinham desobedecido ao Senhor das Trombetas, do Infinito e das Tempestades e que, por tal facto, seriam doravante obrigados a gerar na dor a descendência e a regar a terra avara com o suor do rosto. Era um Senhor tirânico, este Deus. “Mas o que é que eles fizeram?”, perguntava a minha inocência aflita. E a Mãe – não a do Céu, mas a minha … - incansavelmente, explicava: “ Foram tentados pela serpente e, contra as ordens do Senhor, comeram a maçã da Árvore Proibida”. E eu repontava: “Mas diz-me, diz-me Mãe, não foi o Senhor que criou a serpente? Não foi Ele que plantou ou mandou plantar no Paraíso a Árvore Proibida? E não foi Ele a oferecer a Adão a sua tentadora companheira?”. Lembro-me que a única Senhora dos meus dias mortais suspirava, ou sorria timidamente, como se estivesse a pedir desculpa ao Altíssimo por ter parido esta dúvida em embrião. E, acariciando-me os cabelos, declarava com doçura tranquila: “Meu filho, ainda és muito pequenino. Há coisas que não podes entender. Verás que quando cresceres, tudo será mais simples, mais explicável”. E então eu sossegava, não porque tivesse varrido a fuligem do entendimento mas porque os dedos lentos da minha Mãe, movendo-se nos meus cabelos crespos, me diziam que o Paraíso estava ali, à beira dela, e que tudo se explicava pelo sentimento mútuo da carinhosa dádiva.

Hoje encontro novamente este Deus potente e o seu Anjo vermelho. E, recordando a suavíssima palavra da minha Mãe, digo muito baixo, para que ninguém me ouça: “Que Deus é este, que justiceira Potestade é esta, que nada explica, tudo esconde e leva para longe aqueles que amamos sobre todas as coisas?”

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