18 de março de 2010

MEMORIAL REPUBLICANO XLII

( Rafael Bordalo Pinheiro: "A Política: a Grande Porca")

XLII - ENGRANDECER O PODER REAL

Os governos monárquicos que se sucederam após a derrota do movimento portuense de 31 de Janeiro de 1891 denunciaram uma intenção dupla: por um lado, pretenderam colocar as rédeas do Poder nas mãos de homens que não pudessem identificar-se com as formações partidárias rotativas e que, por isso, estivessem menos marcados por estigmas de descrédito; por outro lado, tentaram aparentar um cariz de serviço a uma “monarquia nova”. Há em todo este processo um fundo de ambiguidade que denuncia a aspereza da luta que se travava entre os defensores da salvação monárquica por via de rasgadas medidas liberais e os adeptos do chamado “engrandecimento do Poder Real”. Num primeiro momento, talvez devido ao clamor da indignação geral, a governação apelou para personalidades que haviam preconizado as soluções mais autoritárias. Foi assim que, logo depois do Ultimato inglês, António de Serpa realizou a primeira ditadura de "engrandecimento régio", levando a reboque a figura pouco recomendável de Lopo Vaz, um arauto das restrições às garantias cívicas mais elementares. Foi também por esta via que José Dias Ferreira, em 1892, introduziu no seu governo Oliveira Martins, figura decisiva do vencidismo, propugnador de um forte intervencionismo do Paço no processo político. O apelo a Oliveira Martins revelou-se nocivo para a credibilidade de figuras “notáveis” da geringonça rotativa, mas não menos fatal para ele próprio. Bastou que ele provasse a crápula financeira de Mariano de Carvalho, antigo ministro, para que, pouco depois, fosse afastado do seu cargo, sem contemplações. Foi então que Oliveira Martins proferiu o certeiro desabafo – “emergi da cloaca ministerial” !
O reinado de D. Carlos começara mal. Nos seus tempos de príncipe real, quisera distinguir-se, em tudo – outros amigos, outro Paço, talvez outra forma de ver a monarquia – da prática constitucional seguida pela conduta paterna. O Ultimato amplificara as vociferações, dera voz à rua, fizera crescer a força dos oponentes. Os Vencidos da Vida aconselhavam-no a usar o músculo da Autoridade. Apesar disso, D. Carlos chamou Augusto Fuschini, um dos chefes da Liga Liberal, para o escutar sobre o melhor caminho a percorrer. Entre um e outro, talvez tivesse havido uma convergência: era necessário fazer uma monarquia renovada e para isso tornava-se urgente retirar relevo aos partidos vigentes e clientelas instaladas. Mas Fuschini acrescentava outros quesitos. Era também imperioso que houvesse transparência na administração, contendo despesas excessivas, punindo prevaricações, sobrepondo a justiça e a lei ao viés dos interesses. E neste ponto, segundo conta Fuschini, o rei perguntou-lhe com que gente, com que homens poderia operar esse milagre. Ao que o interpelado lhe respondeu que tal escolha só competia ao monarca. Nesse momento, D. Carlos teria suspirado, encolhido os ombros e finalmente rematado o diálogo com um descoroçoado: “Ah! …”. Era o ah! da descrença, o ah! do mais fundo e irrevogável cepticismo, o ah! de quem já possui uma resposta, de quem descobria, enfim, que só consigo e com mais um ou dois validos poderia contar.

O governo chefiado por Hintze Ribeiro, com João Franco na pasta do Reino, procurou nos inícios de 1893 convencer a opinião pública de que continuava fiel à limpidez de um cartismo honrado, de um constitucionalismo substantivo. Contou para isso com a inclusão no elenco ministerial das figuras de Augusto Fuschini e de Bernardino Machado. O primeiro sobraçou a pasta das Finanças, respondendo o segundo pela das Obras Públicas. Bernardino Machado abandonara há pouco o Partido Regenerador e mantinha a fama (e o proveito) de homem sério, pedagogo reputado e universitário prestigiado. Na sombra, porém, moveram-se as influências dos que nem por um momento transigiam com o figurino do passado, acreditando, como Oliveira Martins, João Franco, Bernardo Pindela, Carlos Lobo de Ávila e António Cândido, que o rei deveria ser a força aglutinadora do sistema. Só assim, segundo eles, se poderia anular definitivamente a ameaça do Partido Republicano, o qual, embora enfraquecido, conseguira eleger quatro deputados republicanos nas eleições de 23 de Outubro de 1892. Assim, em Dezembro de 1893, as maquinações de João Franco e Carlos Lobo de Ávila produziram a consequência de fazer tombar do gabinete Fuschini e Bernardino, ou seja, precisamente aquelas que ainda lhe salvaguardavam os créditos de constitucionalidade liberal. Foi sobretudo este conluio que revelou todo o alcance do que se tramava, agora já com Lobo de Ávila no governo. O que se tramava era mais outra ditadura, ou seja, a segunda “ditadura de engrandecimento do poder real”. Esta situação iria prolongar-se até aos começos de 1897 e traria consigo a pesada herança da supressão do pariato electivo, do alargamento dos círculos eleitorais, inviabilizando a representação das minorias, da criação do Juízo de Instrução Criminal, no qual passou a pontificar o intolerante juiz Francisco Maria da Veiga.
Avaliando a acção deste gabinete, Lopes de Oliveira diria acertadamente o seguinte: “Este ministério foi dentro do país a opressão, o arbítrio, o despotismo. O seu ideal seria pôr junto de cada cidadão um polícia, junto de cada coração uma espada, em cada boca uma mordaça, em cada consciência uma algema. Todo o seu direito foi o direito da força”.

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